quarta-feira, 29 de junho de 2011

LEMBRE-SE DE ONDE VEIO

“Acho que o Palocci fez tudo dentro da legitimidade e da legalidade do status quo. Mas o PT não veio para legitimar esse status quo, em que o sujeito, pelas regras que estão aí e utilizando de espertezas e habilidades, enriquece”.

Olívio Dutra, o anti-Palocci



Link original: http://www.cartacapital.com.br/politica/confira-o-conteudo-da-edicao-impressa-de-cartacapital-7
Link de onde copiamos: http://www.viomundo.com.br/politica/olivio-dutra-o-anti-palocci.html





28 de junho de 2011 às 10:28
Lucas Azevedo, de Porto Alegre, em Carta Capital



Em um velho prédio numa barulhenta avenida de Porto Alegre, em companhia da mulher, vive há quatro décadas o ex-governador e ex-ministro Olívio Dutra. Em três ocasiões, Dutra abandonou seu apartamento: nas duas vezes em que morou em Brasília, uma como deputado federal e outra como ministro, e nos anos em que ocupou o Palácio do Paratini, sede do governo gaúcho. Apesar dos diversos cargos (também foi prefeito de Porto Alegre), o sindicalista de Bossoroca, nos grotões do Rio Grande, leva uma vida simples, incomum para os padrões atuais da porção petista que se refastela no poder.

No momento em que o PT passa por mais uma crise ética, dessa vez causada pela multiplicação extraordinária dos bens de ex-ministro Palocci, Dutra completou 70 anos. Diante de mais uma denúncia que mina o resto da credibilidade da legenda, ele faz uma reflexão: “Política não é profissão, mas uma missão transitória que deve ser assumida com responsabilidade”.

De chinelos, o ex-governador me recebe em seu apartamento na manhã de terça-feira 14. Sugeriu que eu me “aprochegasse”. Seu apartamento, que ele diz ter comprado por meio do extinto BNH e levado 20 anos para quitar, tem 64 metros quadrados, provavelmente menor do que a varanda do apê comprado por Palocci em São Paulo por módicos 6,6 milhões de reais. Além dele, o ex-governador possui a quinta parte de um terreno herdado dos pais em São Luiz Gonzaga, na região das Missões, e o apartamento térreo que está comprando no mesmo prédio em que vive. “A Judite (sua mulher) não pode mais subir esses três lances de escada. Antes eu subia de dois em dois degraus. Hoje, vou de um em um.” E por que nunca mudou de edifício ou de bairro? “A vida foi me fixando aqui. E fui aceitando e gostando”.

Sobre a mesa, o jornal do dia dividia espaço com vários documentos, uma bergamota (tangerina), e um CD de lições de latim. Depois de exercer um papel de destaque na campanha vitoriosa de Tarso Genro ao governo estadual, atualmente ele se dedica, como presidente de honra do PT gaúcho, à agenda do partido pelos diretórios municipais e às aulas de língua latina no Instituto de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “O latim é belíssimo, porque não tem nenhuma palavra na sentença latina que seja gratuita, sem finalidade. É como deveria ser feita a política”, inicia a conversa, enquanto descasca uma banana durante seu improvisado café da manhã.

Antes de se tornar sindicalista, Dutra graduou-se em Letras. A vontade de estudar sempre foi incentivada pela mãe, que aprendeu a ler com os filhos. E, claro, o nível superior e a fluência em uma língua estrangeira poderiam servir para alcançar um cargo maior no banco. Mas o interior gaúcho nunca o abandonou. Uma de suas características marcantes é o forte sotaque campeiro e suas frases encerradas com um “não é?” “Este é o meu tio Olívio, por isso tenho esse nome, não é? Ele saiu cedo lá daquele fundão de campo por conta do autoritarismo de fazendeiro e capataz que ele não quis se submeter, não é?”, relembra, ao exibir outra velha foto emoldurada na parede, em que posam seus tios e o avô materno com indumentárias gaudérias. “É o gaúcho a pé. Aquele que não está montado no cavalo, o empobrecido, que foi preciso ir pra cidade e deixar a vida campeira”.

Na sala, com exceção da tevê de tela plana, todos os móveis são antigos. O sofá, por exemplo, “tem uns 20 anos”. Pelo apartamento de dois quartos acomodam-se livros e CDs, além de souvenires diversos, presentes de amigos ou lembrança dos tempos em que viajava como ministro das Cidades no primeiro mandato de Lula.

Dutra aposentou-se no Banrisul, o banco estadual, com salário de 3.020 reais. Somado ao vencimento mensal de 18.127 reais de ex-governador, ele leva uma vida tranquila. “Mas não mudei de padrão por causa desses 18 mil. Além do mais, um porcentual sempre vai para o partido. Nunca deixei de contribuir”.

Foi como presidente do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, em 1975, que iniciou sua trajetória política. Em 1980, participou da fundação do PT e presidiu o partido no Rio Grande do Sul até 1986, quando foi eleito deputado federal constituinte. Em 1987, elegeu-se presidente nacional da sigla, época em que dividiu apartamento em Brasília com Lula e com o atual senador Paulo Paim, também do Rio Grande do Sul. “Só a sala daquele já era maior do que todo esse meu apartamento”.

Foi nessa época que Dutra comprou um carro, logo ele que não sabe e nem quer aprender a dirigir. “Meu cunhado, que também era o encarregado da nossa boia, ficava com o carro para me carregar.” Mas ele prefere mesmo é o ônibus. “Essa coisa de cada um ter automóvel é um despropósito, uma impostura da indústria automobilística, do consumismo”. Por isso, ou anda de carona ou de coletivo, que usa para ir à faculdade duas vezes por semana.

“Só pra ir para a universidade, gasto 10,80 reais por dia. Como mais de 16 milhões de brasileiros sobrevivem com 2,30 reais de renda diária? Este país está cheio de desigualdades enraizadas”, avalia, e aproveita a deixa para criticar a administração Lula. “O governo não ajudou a ir fundo nas reformas necessárias. As prioridades não podem ser definidas pela vaidade do governante, pelos interesses de seus amigos e financiadores de campanha. Mas, sim, pelos interesses e necessidades da maioria da população”.

O ex-governador lamenta os deslizes do PT e reconhece que sempre haverá questões delicadas a serem resolvidas. Mas cabe à própria sigla fazer as correções. “Não somos um convento de freiras nem um grupo de varões de Plutarco, mas o partido tem de ter na sua estrutura processos democráticos para evitar que a política seja também um jogo de esperteza”.

Aproveitei a deixa: e o Palocci? “Acho que o Palocci fez tudo dentro da legitimidade e da legalidade do status quo. Mas o PT não veio para legitimar esse status quo, em que o sujeito, pelas regras que estão aí e utilizando de espertezas e habilidades, enriquece”.

E o senhor, com toda a sua experiência política, ainda não foi convidado para prestar consultoria? Dutra sorri e, com seu gestual característico, abrindo os braços e gesticulando bastante, responde: “Tem muita gente com menos experiência que ganha muito dinheiro fazendo as tais assessorias. Mas não quero saber disso”.

Mas o senhor nunca recebeu por uma palestra? “Certa vez, palestrei numa empresa, onde me pagaram a condução, o hotel e, depois, perguntaram quanto eu iria cobrar. Eu disse que não cobro por isso. Então me deram de presente uma caneta. E nem era uma caneta fina”, resumiu, antes de soltar uma boa risada.


quinta-feira, 23 de junho de 2011

SOY LOCO POR TRI

Que me desculpem os outros colunistas deste blog, que definitivamente não compartilham dessa minha paixão, mas agora quem dá bola é o Santos.
Não farei análises táticas ou coisa que o valha, apenas alguns palpites:
1. A imprensa não deixou nem chegar a ressaca do título. Ao invés de parabenizar o Santos, as notícias são as de desmonte do elenco. O PIG da imprensa esportiva apelou, e ressuscitou um defunto para diminuir a conquista santista
2. PHA entrou numas de associar o Santos ao marketing de futebol da Globo. Acho que não merecemos isso. Vários jogos do peixe foram preteridos pela emissora, que preferiu transmitir os jogos do Vasco na Copa do Brasil e do Fluminense quando este ainda estava na disputa.
3. Os santistas estavam com os nervos à flor da pele na véspera. Imaginavam uma decisão como nos velhos tempos, do jogo sujo, catimba e pancadaria. Muricy, matreiro, saiu dessa armadilha: futebol não é guerra, e tranquilizou seus pupilos. Assim, o Brasil volta ao caminho das conquistas continentais (vale lembrar que, de 2000 para cá, foram seis derrotas em decisão, inclusive uma do Santos, contra o Boca Juniors, em 2003).
4. Por falar em Muricy, que bom que os técnicos deixaram de ser os protagonistas do jogo! Têm um papel importante, sem dúvida, mas são os jogadores que ganham - ou perdem campeonatos.
5. Apesar de reconhecer esse protagonismo, a experiência me levou a uma constatação: os craques passam, o clube fica. Quem bom que eles jogam atualmente no Santos (e que fiquem para sempre), mas eu não grito nome do jogador.
6. Menção desonrosa: o que o palmeirense Serra estava fazendo lá? Corintianos afirmam ter visto, no mesmo camarote, Gilmar Dantas - e com o agasalho do Santos!
7. Uma saudação ao renascido futebol uruguaio. Tenho mais simpatia pelo Nacional, mas tanto a celeste quanto o Peñarol conseguiram resultados expressivos.
8. Quanto bicão na festa! Quanto papagaio de pirata! Não sobrou medalha para os jogadores. Mas, dando uma de arroz de festa, também gostaria de dedicar esse título para quem me ensinou a ser santista. Já falei dela, que também me ensinou a ser petista. Aliás, me ensinou tudo que eu sei. Ela partiu no dia em que o Santos estreiou na Libertadores, num desastroso empate sem gols contra o Deportivo Táchira, da Venezuela. Eu, cujos raciocínios funcionam apenas por associações emotivas, vi o quanto os jogadores se empenharam para mais essa homenagem à sua torcedora mais ilustre, pelo menos na minha opinião.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Negociações salariais não serão ameaça inflacionária, diz Ipea

As negociações salariais de diversas categorias, que devem ocorrer no segundo semestre do ano, não representam uma "ameaça inflacionária" ao país. A avaliação é do coordenador do Grupo de Análises e Previsões do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), Roberto Messemberg, que apresentou nesta quarta-feira (15) o boletim Conjuntura em Foco.

De acordo com o economista, por causa da elevada taxa de inflação acumulada nos últimos 12 meses, as negociações de dissídios tendem a ser duras. Para ele, patrões e empregados precisarão levar em conta, no entanto, que o índice deverá cair nos próximos meses, refletindo a diminuição de preços dos alimentos in natura, de matérias-primas agrícolas, além do etanol.

"As negociações serão duras, mas acho que as empresas não terão muito espaço para repassar [os possíveis reajustes] para preços porque as companhias que tentarem fazer isso serão punidas pela demanda em desaceleração [redução no ritmo de crescimento da economia]", disse Mesemberg. "Mas esses processos de negociação são normais e não vão emperrar o país. Tampouco levar a um estouro incontrolável da inflação", completou.

Segundo o boletim do Ipea, o mês de maio foi marcado pela queda de preços das commodities no mercado internacional. No Brasil, o movimento foi sentido mais rapidamente pelo setor atacadista, mas a tendência é que a redução seja repassada para o varejo nos próximos meses, influenciando uma diminuição da inflação. "A trajetória de alta da inflação encontrará uma inflexão", diz o documento.

O boletim também aponta para uma estabilidade da taxa de desemprego no país, devido ao ritmo menor de crescimento da indústria. Com isso, o Ipea estima uma migração de trabalhadores para o terceiro setor, fazendo com que a taxa de desemprego de 2011 fique próxima à de 2010 (5,7%). "Teremos um cenário com uma taxa menos volátil nos próximos meses", afirmou Messemberg.

sábado, 11 de junho de 2011

GOVERNO EM DISPUTA

A repercussão do caso Palocci entre as hostes da blogosfera reacendeu um debate interessante: o que significa apoiar um governo? Para usar apenas a terminologia negativa, nos dividimos em duas facções: a dos manipulados pelo PIG (entre os quais fui incluído) e a dos adesistas acríticos (forma pela qual os rotulo).
Emir Sader listou em seu blog treze lições extraídas desse caso. Chamo a atenção para a última: "Fazer política, exercer o poder não é atividade técnica, nem de repartição de cargos, mas uma combinação de persuasão e força, isto é, construção de hegemonia".
É uma tese de Gramsci. Não vou descer às minúcias teóricas, apenas concordar com a afirmação. E seguindo essa linha de raciocínio, mais um embate se impõe a todos que querem ver esse governo pendendo para sua vocação social, "de esquerda": a privatização dos aeroportos.
Os aeroportuários sinalizam com a possibilidade de cruzar os braços diante de tal iniciativa. Conforme nos informa Juliana Sada, no Escrevinhador, as assembléias realizadas pela categoria durante essa semana tiraram indicativo de suspensão das atividades contra a privatização. Com toda justiça, entram na pauta também o aumento do piso salarial, a revisão do Plano de Carreira e melhoria nas condições de trabalho. Lembremos que eles, bem como militares controladores de vôo, foram massacrados quando do fatídico acidente da TAM em Congonhas.
Até dias atrás, Palocci conduzia pessoalmente esse processo. Apesar dos pesares, mais uma vez passava incólume pelas opiniões divergentes. A primeira conseqüência para os usuários seria o aumento das tarifas, variando de 30 a 100%. Os leilões começariam pelas unidades mais lucrativas: entre as 67 administradas pela Infraero, Guarulhos e Campinas, campeões de rentabilidade, seriam as bolas da vez, juntamente com Brasília. A maioria dos demais aeroportos é deficitária para remunerar o capital oriundo da iniciativa privada. Regressamos no tempo? Como nos idos FHC, “privatiza o filé e estatiza o osso?”.
E aí que está o nó górdio da questão. Para além das questões técnicas, que mostram as desvantagens da privatização, há o preço político, que é impagável. O esgoto da Veja está em polvorosa. De seus bueiros emergiram os seguintes dejetos:
Dilma Rousseff, sem ser contraditada, atravessou a temporada eleitoral enfileirando falatórios que acabou de jogar no lixo. “Eu não entrego o meu país”, disse, por exemplo, em 10 de abril de 2010. “Não vou destruir o Estado, diminuindo seu papel. Não permitirei que o patrimônio nacional seja dilapidado e partido em pedaços”. Reeditou a falácia em 7 de outubro: “Nós somos contra a forma, o conteúdo e o sentido das privatizações”.
Mais uma vez, não é preciso ser manipulado pelo PIG para enxergar que o governo está atuando de forma paradoxal, em oposição ao que foi prometido na campanha. A direita está dando as cartas, como sempre, exceto nos melhores momentos do governo Lula. Imagino que a nomenklatura do PT possua pesquisas qualitativas que apontem o peso da militância - em particular da militância digital - como desprezível na correlação de forças vigentes.
Melhor é se aliar com o PMDB.
PMDB que não tem qualquer escrúpulo com relação à privatização. Aqui em Goiás, por exemplo, o PMDB foi defenestrado do governo do Estado pelo PSDB, basicamente por dois motivos: primeiro, por tratar os funcionários públicos pior que animais (ausência de concursos, contratações regidas pelo trio apadrinhamento, compadrio e nepotismo, e os atrasos de mais de três meses no pagamento) e o segundo, pela privatização da usina de Cachoeira Dourada, responsabilizada pela falência da CELG, mesmo com a exorbitante majoração das tarifas públicas.
O editorial da Carta Maior de hoje faz interessante relação entre a privatização da eletricidade em São Paulo (que lá foi conduzida pelos tucanos) e a questão dos aeroportos: "No momento em que o governo federal oficializa a concessão de importantes aeroportos nacionais à iniciativa privada - em nome da eficiência e porque o Estado não dispõe de R$ 5 bi a R$ 6 bi para investir no setor, embora tenha reservado R$ 57 bi aos rentistas da dívida pública no 1º quadrimestre - o colapso elétrico em SP encerra lições oportunas".
E aí, o que faz quem apóia o governo?

sexta-feira, 10 de junho de 2011

O PT E A CRISE DO MINISTRO PALOCCI

http://www.pt.org.br/o67131

Para os petistas, não sair em defesa de Palocci foi uma reação contra o risco de distanciamento do PT em relação à sua base social. Por isso estamos com a presidenta Dilma e apoiamos sua dolorosa atitude nesta hora. Mesmo tendo que perder um ministro tão importante, ou tendo que parecer vencida pela pressão das oposições, ela preferiu não perder o sentido social de seu governo.
Os petistas não contestam o direito que Palocci tinha de exercer uma atividade privada quando saiu do governo em 2006 e de ter sucesso nela. O que causou espanto e levou os petistas a não apoiarem sua permanência no governo, foi a origem de seus ganhos privados (orientar os negócios de grandes empresas), a magnitude dos resultados (dezenas de milhões de reais), e o alto padrão de vida que ele se concedeu (representado pelo investimento em moradia fora de sua própria origem de classe média).
Nós, petistas, éramos ‘de fora’ nos tornamos ‘de dentro’ do Estado brasileiro. Até hoje a elite rica ou a classe média alta de doutores não simpatiza com ver lá essa geração vinda dos movimentos de trabalhadores. Somos herdeiros dos esforços que o Partido Comunista representou ao levar em 1945 ao Parlamento trabalhadores historicamente excluídos do poder (por pouco tempo, já que logo posto na ilegalidade). Somos herdeiros daqueles que no início dos anos de 1960 ensaiaram alguma presença no Estado através de suas lideranças sindicais e de partidos socialistas nascentes (tentativa abortada com o golpe militar).
Enfrentamos com muitas dificuldades materiais as eleições. Uma após outra, elegemos homens e mulheres vereadores, deputados, prefeitos, senadores, governadores, até chegar três vezes à presidência da República. Muitos se tornaram assessores nos parlamentos, nos governos, diretores, secretários, dirigentes de empresas públicas, ministros.
Quando estávamos perto do poder ou nele, as empresas privadas ajudaram nossas campanhas e procuraram nos aproximar delas. Queremos o financiamento público dos partidos para não depender delas. Respeitamos os empresários, mas com a devida distância.
Não queremos sair do que fomos. Sabemos que as relações econômicas e as condições materiais de vida terminam moldando ideias e ações. São milenares as reflexões que alertam para isso. Vamos recordar alguns exemplos.
Lá longe, o filósofo grego Platão, em A República, dizia que os governantes das cidades-estado não deveriam possuir bens, exceto aquilo de essencial que um cidadão precisa para viver. Que deveriam ter o ouro e a prata apenas na alma, porque se fossem proprietários de terras, casas e dinheiro, de guardas que eram da sociedade se transformariam em mercadores e donos de terras, então, de aliados passariam a inimigos dos outros cidadãos.
A Revolução Francesa no fim do século 18 fez brilhar pela ação dos excluídos as ideias de igualdade, fraternidade e liberdade, contra a concentração da riqueza e do poder nos reis, na nobreza e no clero. É verdade que depois houve a restauração do Império, mas também se fortaleceram as ideias socialistas.
Marx e Engels, que buscavam a emancipação do proletariado, consideravam que, para modificar a consciência coletiva era preciso modificar a base material da atividade econômica. Não bastava, portanto, a crítica das ideias, porque o pensar das pessoas reflete seu comportamento material.
Filósofos sociais posteriores, mesmo aqueles cujas ideias deram suporte ao liberalismo, como Max Weber, falavam de estamentos sociais definidos pelos princípios de seu consumo de bens nas diversas formas de sua maneira de viver.
Já dizia Maquiavel que a política se altera no ritmo incessante das ondas do mar. Os partidos tendem a ser como estas ondas: vem de muito longe, vem crescendo, até que um dia se quebram mansamente nas praias ou mais rudemente nos rochedos. Defender vida modesta para políticos vindos da vida modesta das maiorias, é para o PT uma das condições indispensáveis para comandar um processo de distribuição da renda e inclusão das multidões excluídas, embora não a condição única. Para cumprir esta condição e nosso papel, é essencial sermos, como temos sido: fiéis, na nossa vida pessoal e política, aos milhões e milhões de brasileiros que tem votado e confiado em nós. É legítimo para nós progredir ao longo da vida, desde que todos cresçam na mesma medida em que o bem-estar do povo cresce.
Voltando ao companheiro Palocci: respeitamos suas opções, admiramos sua competência, reconhecemos seu trabalho a serviço do povo. Mas, pelas razões expostas, o PT mostrou que prefere o político de vida simples que conhecemos, ao empresário muito bem sucedido sobre o qual agora se fala.
Nesse mix de filosofias sobre a riqueza e seu reflexo no pensamento social, terminamos lembrando o imperativo categórico de Kant: aja de tal modo que a máxima de sua ação possa ser universalizada, isto é, para que todos sejam iguais a você. Por isso que, para continuarmos a ser um partido dos trabalhadores, não é bom que cultivemos o ideal de empresários.

Elói Pietá é secretário geral nacional do PT.

domingo, 5 de junho de 2011

ASSUNTOS DA SEMANA - PARTE III

Por causa de recentes acontecimentos na minha vida, havia tomado a decisão de não escrever mais textos cuja leitura inspirassem sentimentos negativos. Essa minha resolução interna em princípio vivia atormentada por uma ótica de que tal iniciativa me levaria a uma espécie de alienação das coisas mundanas, materiais.
Na verdade, esse estágio foi superado. Não imagino que o mundo se tornou um lugar melhor pelo simples fato de eu não olhar para ele. Mas é que, quando escrevemos, subentendem-se dois processos: um interno, de extravasão de idéias, e outro, externo, de recepção das tais idéias. Percebi que não tinha nenhum controle sobre essa segunda parte e que, analisando em perspectiva histórica, meus textos mais críticos, mais ácidos, em nada (ou em muito pouco, para ser bem condescendente) influíram para que seus leitores agissem para transformarem a realidade que os cerca.
Presunçoso, não?
Mas, afinal de contas, para quê escrever? E esse escrever não se reduz a um diário de memórias: está publicado e acessível ao mundo inteiro. Quando me deparei com a dimensão de "mundo inteiro" no sentido literal é que resolvi fazer algo para atingir o receptor de maneira mais eficiente.
O primeiro impacto foi de que eu teria que abandonar os assuntos políticos. Podia falar de futebol, que eu também gosto. Mas a simbiose entre futebol e política gera cada vez mais frutos corruptos e deformados. Aliás, Mino Carta discorreu com brilhantismo sobre isso. Eu acrescentaria que cada vez mais os papas da comunicação esportiva, como Milton Neves e Galvão Bueno, repetem que o futebol não é tão importante assim. "É a mais importante era as coisas menos importantes do mundo". Ao mesmo tempo, cada vez mais dinheiro é injetado na indústria do entretenimento esportivo. Entretenimento é business. Assim como deformou uma arte - o cinema - a grana corrompe os princípios norteadores da prática esportiva competitiva: o prazer, a diversão, o espetáculo, o desafio.
Poderia escrever sobre frivolidades como a eleição de Merval Pereira para a ABL, em substituição ao notável Moacyr Scliar, que deve estar revirando no túmulo. Talvez nem tanto, já que Merval fará companhia a Sarney e Pitanguy, entre outros próceres guardiões de nosso idioma. Mas o Carlos Motta já matou a pau, ao lembar da reusa de Monteiro Lobato em receber tal galardão:
"De forma nenhuma esta recusa significa desapreço à Academia, pequenino demais que sou para menosprezar tão alta instituição...Não é modéstia, pois não sou modesto; não é menosprezo, pois na Academia tenho grandes amigos e nela vejo a fina flor da nossa intelectualidade.
"É apenas coerência; lealdade para comigo mesmo e para com os próprios signatários; reconhecimento público de que rebelde nasci e rebelde pretendo morrer. Pouco social que sou, a simples ideia de me ter feito acadêmico por agência minha me desassossegaria, me perturbaria o doce nirvanismo ledo e cego em que caí e me é o clima favorável à idade."
Mas nada é mais degradante do que escrever sobre a raça humana. E, na ausência de argumentos, me limito a trascrever o que li bestificado:
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/internacional/2011/06/01/policia-descobre-fabrica-de-bebes-na-nigeria-e-liberta-32-garotas-gravidas.jhtm

A polícia nigeriana descobriu uma casa, na cidade de Aba, onde garotas adolescentes eram forçadas a ter bebês que eram vendidos ou usados para outros propósitos, segundo o jornal inglês "The Telegraph".
Os policiais encontraram e libertaram 32 garotas, entre 15 e 17 anos, que estavam grávidas e prendeu o proprietário do imóvel. As adolescentes afirmaram que eram obrigadas a vender os bebês por cerca de 30.000 nairas (R$ 300), dependendo do sexo da criança.
Os traficantes, então, revendiam os bebês por até 1 milhão de nairas (R$ 10.200), de acordo com a agência estatal de combate ao tráfico humano na Nigéria.
Se for condenado, o dono da "fábrica de bebês" poderá pegar uma pena de até 14 anos de prisão.
Casos de abuso de criança e tráfico humano são cada vez mais comuns no oeste africano. Muitas crianças são vendidas para serem usadas como mão-de-obra barata em plantações, minas, fábricas e nos afazeres domésticos. Outras acabam na prostituição e há ainda as que são mortas ou torturadas em rituais de magia negra.
Na Nigéria, o tráfico humano é o terceiro crime mais comum, atrás das fraudes econômicas e do tráfico de drogas, de acordo com a Unesco.

Cheguei a essa surreal notícia via Esquerdopata, que ainda teve sarcasmo para intitular: "Ingerência Estatal atrapalha Livre Iniciativa". Nós mesmos já havíamos mostrado a ligação que existe entre a bandeira da desregulamentação dos mercados, lá no início do liberalismo, com a escravidão, que era vigente, mais então se tornou exponencial.
Mas, como continuam me faltando palavras, recorrerei a um verdadeiro imortal do nosso idioma, citado pela minha prima Ana: transcrevo o trecho do Saramago, que está no seu diário Cadernos de Lanzarote, que ele escreveu no dia em que assistia pela TV ao extermínio dos croatas pelos sérvios em Sarajevo: “Chorei enquanto as imagens terríveis se sucediam, chorei por aqueles desgraçados, chorei por mim mesmo, por esta impotência, pela inutilidade das palavras, pela absurda existência do homem. Só me consola saber que tudo isto acabará um dia. Neste derradeiro instante o último ser humano vivo poderá dizer enfim: ‘Não haverá mais morte.’ E terá de dizer também: ‘Não valeu a pena termos habitado este lugar do universo’.”

ASSUNTOS DA SEMANA - PARTE II

Me interessa muito mais do que o desfecho da patranha em que se meteu o Ministro Chefe da Casa Civil, os desdobramentos da greve dos bombeiros do Rio de Janeiro. Assisti perplexo as imagens pela TV. Me emocionou a cena em que eles, de joelhos, cantavam o hino da corporação enquanto mais de 400 companheiros eram levados em cárcere. O direito à greve, decantado em verso e prosa, ainda não faz parte da realidade deles, amarrados ao estatuto militar nesse caso. Nesse caso, porque quando o assunto é a equiparação salarial, a coisa muda de figura.

Transcrevo uma postagem, extraída de:
http://profflavioborges.blogspot.com/2011/06/revolta-da-chibata-e-os-bombeiros.html

A Revolta da Chibata e os Bombeiros

A Revolta da Chibata foi um movimento social ocorrido, na cidade do Rio de Janeiro, no dia 22 de novembro de 1910. Neste período, os marinheiros brasileiros eram punidos com castigos físicos. No Rio de Janeiro em 2011 os bombeiros são punidos com bombas de gás lacrimogênio, balas de borracha e tiros de fuzil disparados pelo Batalhão de Operações Especiais da polícia militar (BOPE). Em 1910, as faltas graves eram punidas com chibatadas (chicotadas). O que gerou uma intensa revolta entre os marinheiros. No entanto o início da revolta ocorreu quando o marinheiro Marcelino Rodrigues foi castigado com 250 chibatadas, por ter ferido um colega da Marinha com uma navalha, após ter sido delatado por levar uma garrafa de cachaça para dentro do encouraçado Minas Gerais. O navio de guerra estava indo para o Rio de Janeiro e a punição, que ocorreu na presença dos outros marinheiros, desencadeou a revolta de mais de 2.400 marinheiros. Em 2011 os bombeiros negociavam desde março um aumento salarial, e após várias negativas do governador Sérgio Cabral mais de 2.000 manifestantes decidiram ocupar o quartel do comando-geral dos bombeiros na praça da República no centro do Rio. Em 1910 o motim se agravou e os revoltosos chegaram a matar o comandante do navio e mais três oficiais. Já na Baia da Guanabara, os revoltosos conseguiram o apoio dos marinheiros do encouraçado São Paulo. O líder da revolta, João Cândido (conhecido como o Almirante Negro), inclusive homenageado na música de João Bosco e Aldir Blanc ( O mestre-sala dos mares ) redigiu uma carta reivindicando o fim dos castigos físicos, melhorias na alimentação e anistia para todos que participaram da revolta. Caso não fossem cumpridas as reivindicações, os revoltosos ameaçavam bombardear a cidade do Rio de Janeiro. Diante da grave situação, o presidente Hermes da Fonseca resolveu aceitar o ultimato dos revoltosos. Porém, após os marinheiros terem entregues as armas e embarcações, o presidente solicitou a expulsão de alguns revoltosos. A insatisfação retornou e, no começo de dezembro, os marinheiros fizeram outra revolta na Ilha das Cobras. O líder da revolta João Cândido foi expulso da Marinha e internado como louco no Hospital de Alienados. No ano de 1912, foi absolvido das acusações junto com outros marinheiros que participaram da revolta. Já em 2011 os bombeiros que sempre salvaram vidas, agora pedem socorro.

O deputado Brizola Neto, a quem admiro muito, assumiu uma posição mediadora. Ou melhor, quis dar uma de bombeiro para arrefecer os ânimos. Não retira a legitimidade do movimento, mas condena a invasão ao quartel:
http://www.tijolaco.com/bombeiros-tem-razao-mas-nao-em-tomar-o-quartel/

Na mesma linha de argumento se manifestou a OAB seccional RJ (que parece não ser golpista, ao contrário do presidente nacional Ophir Cavalcante):
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/925658-oab-vai-acompanhar-situacao-dos-439-bombeiros-presos-no-rio.shtml

De minha parte, tristeza. Desilusão. Falta de esperança. Será que isso tudo vale a pena?


ASSUNTOS DA SEMANA - PARTE I

E o tal de Tony Palocci (ou Malocci) continua na crista da onda. Assim como no primeiro governo Lula, faz o Executivo patinar, imerso em uma série de denúncias, de mesma natureza das anteriores: a mistura indigesta entre exercer um mandato público e suas lucrativas atividades particulares.
Acho que a postagem do PHA sobre o assunto é taxativa. Mas eis que surge uma voz dissonante: Eduardo Guimarães, lá do excelente Blog da Cidadania, faz a leitura de que a militância caiu em histeria, manipulada pela grande mídia. Deixei meu comentário no texto "Palocci, a ‘psolização’ do PT e o poder da direita midiática", e travei uma diálogo interessante com outra leitora, que transcrevo aqui:

Eu, hoje, às 12:19:
Palocci não é da “esquerda”. Muito menos representa o projeto político pelo qual nós lutamos pela continuidade. Apesar das “pressões internacionais”, basta ver que, quando ele se afastou do governo, a política econômica se tornou muito mais inclusiva, os juros baixaram, o crédito foi facilitado. Foi quando o governo Lula realmente deixou um legado do qual nos orgulhamos. Palocci é apenas o “fiador” do PT junto ao “mercado”. Uma historieta: nos idos de 2002. Lula liderava as pesquisas, com relativa folga, enquanto Serra e sua brutal máquina de campanha massacrava seus adversários do campo direitista. Assim que detonou a Roseana, e depois o Ciro Gomes, ia virando as canhoneiras para Lula, um alvo até mais “fácil” em termos ideológicos. Nisso, o Palocci faz uma viagem à Nova York, mas precisamente a Wall Street, entrega seus protocolos de intenção e “acalma o mercado”. Pronto, o Brasil não seria mais uma nova Argentina. Palocci entrou no PT já na cúpula, oriundo da Libelu, numa das alianças mais esquisitas da história do partido. E carrega esse perfil dirigista, que faz com que todos os militantes da esquerda tenham aversão à suas posturas. Se o PIG alimenta essa contradição, só o faz porque o governo atual, que foi eleito graças ao trabalho maciço destes mesmos militantes “manipulados”, forçou sua indicação indo contra os protocolos assumidos em campanha. Faça uma rápida enquete entre os leitores e veja: quem aqui faria campanha pró Palocci, independente desse caso? Não me venha com o argumento de que TODOS estão iludidos… Não sou contra um homem público se tornar privado. Mas que fique nessa esfera, e não transitando entre as duas, conforme as conveniências. Na verdade, esse é um homem público que deveria ir pra privada, isso sim… E, por favor, não retire a verdadeira importância dos questionamentos éticos. Existe uma diferença entre o que é legal e o que é moral. Isso não é conversa de botequim. “Se você não puder dizer como fez, não faça” – aprendi isso como as minhas professoras do primário e carrego como princípio até hoje.

Andrea Serpa, em seguida, às 13:42:
Eu não faria campanha para o Palocci, tampouco sou a favor de derruba-lo sem provas. Ele ou qualquer pessoa. Isso além de uma questão legal também é uma questão moral. Não gostar do Palocci, não querer ele no governo por não ser de esquerda e outros motivos, é uma coisa que não tem nada a ver com a acusação que está sendo feita no momento. Acusar sem provas só é errado quando se trata de pessoas que nos são simpáticas?

Minha replica, 16:07:

Tudo bem, Andrea. Reconheço que a ojeriza a um indivíduo que atráves de várias ações políticas elencadas pelo PHA no post “Dilma a Lula: toma que o filho (Palocci) é teu”, se mostrou contrário aos anseios da militância que lutou para eleger um governo dos trabalhadores turva um julgamento isento. Ações realizadas dentro dos limites legais, frise-se. De qualquer forma, reduzindo-se todas as circunstâncias e ideologias a zero, ainda assim não existiriam julgamentos imparciais. Talvez no mundo das idéias de Platão. Mas sou obrigado a rebater um argumento seu: derrubar “sem provas”. Como assim, sem provas? O fato do patrimônio dele ter se multiplicado muito além do razoável a um integrante do poder legislativo, já constituiu o indício. A chance de se explicar ao público – pois é um homem público (que ele reservou com exclusividade a Globo) – foi dada. Nela, ele negou nomes e números, num abstrativismo que só o compromete. E a manutenção de uma empresa de consultoria a outras empresas com negócios com o governo é a óbvia prova de que há sim tráfico de influência. Como eu disse, ele transitou entre o público e o privado, conforme interesses de difícil apreciação. Não dá para aceitar isso. Não admito como desculpa o fato de não haver legislação que proíba isso. É aí que encontramos a ética e a moral. Como disse Kant, “age de tal maneira que a máxima da tua vontade possa valer sempre, ao mesmo tempo, como princípio de legislação universal”. Numa linguagem mais singela, foi o que eu aprendi no primário. Não isento as empresas “corruptoras” de culpa. E também admito que preferia que o Palocci saísse por opção política da Presidenta. Mas acho salutar esse contraditório, nesse nível de debate. Aprenderemos a fazer uma política melhor dessa forma.

Tréplica da Andrea, 17:17:
Também me agrada debater assim. Já foi tudo analisado pela CGU e pelo MPF antes dele ser ministro e não foi encontrado nada ilegal. As empresas estão listadas aqui mesmo no post, todos já sabem. O alvo é o governo Dilma, assim que derrubarem o ministro partiram com toda força para cima de outro.

A conversa foi positiva, mostra que, mesmo defendendo pontos de vista opostos, as pessoas podem ter boas intenções e procurar um objetivo comum. Contudo, continuo acredito que seria melhor para o Brasil se afastar de Palocci, como escreveu Marco Aurelio Mello, do DoLaDoDeLá. Até porque, a questão nunca foi jurídica; foi política desde a sua gênese. A "governabilidade" que ancorava Palocci já não existe mais. E se continuarmos a defender um governante suspeito, ainda que sem as ditas "provas irrefutáveis", teremos que reconduzir Collor ao Planalto.