sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O QUE LÊNIN DIRIA?*

Avizinha-se a greve dos bancários. Na notícia do UOL, escondida na aba de economia, tomamos ciência que a categoria rejeitou o índice de reajuste salarial de 8%, proposto pela FENABAN (Federação Nacional dos Bancos). A nota informa que o aumento real de 0,56% (!) foi recusado em mesa pelas representações dos trabalhadores.
É necessária uma breve análise sobre a nota. 6 sucintos parágrafos, divididos assim: apresentação dos índices, uma entrevista clichê da presidente do sindicato, um resumo truncado da pedida dos bancários, outra síntese mais incompreensível ainda da oferta dos banqueiros e os dois últimos parágrafos com orientações aos consumidores no período de paralisação.
No começo do ano, sem demonstrar constrangimento ou vergonha, e usando essa mesma mídia que finge esquecer das notícias que ela veiculou, os bancos se vangloriavam dos resultados obtidos em 2010. São números que não fazem sentido ao cidadão normal. Uma abstração de zeros que pertence a outro mundo. Meros números heurísticos, diriam os sabichões da academia.
Apenas pela eloquência, pela sonoridade, informamos que o lucro do Banco do Brasil foi de 11,7 bilhões de reais, obtidos em cima de 866 bilhões de ativos. Margem operacional baixa, dirão os cretinos. Para esses, talvez sirvam os números do cartel Itaú Unibanco (aquele do "uso consciente do crédito"): 13,3 bilhões sobre 755 bilhões.
O Bradescão também atingiu o portentoso número de 10 bilhões de reais de lucro. Ainda de boca cheia, lembremos do Santander, com 7,4 bilhões, respondendo por 25% do resultado global da empresa (enquanto que a matriz espanhola participou com 16%). Até a CAIXA, o banco dos pobres (apesar do escorregão com o Machado de Assis branco), que salvou o Panamericano, lucrou quase 4 bilhões em 2010.
A par das cifras astronômicas, outro número que chama a atenção nos links acima é que em todos os casos, o crescimento do lucro foi superior a 25%. E não foi apenas uma contingência, como querem nos fazer crer, uma retomada das perdas da marolinha de 2009, pois os balanços do primeiro semestre de 2011 confirmam a tendência exponencial de aumento da lucratividade. A taxa é crescente há 9 anos.
Na verdade, essa equação se apóia numa perversa estratégia que combina alta rotatividade de empregados com a terceirização das atividades tipicamente bancárias.
No primeiro semestre de 2011, foram gerados 11.978 empregos nos bancos, resultado da contratação de 30.537 e demissão de 18.559 trabalhadores. Do total de 1.265.250 de novos postos de trabalho abertos no país entre janeiro e junho deste ano, o setor bancário é responsável por somente 0,95%. Em 2010 foi ainda mais pífio: 0,77% do total de 2.201.406 vagas criadas pela economia brasileira. As admissões são feitas com remuneração inferior - índices de 38 a 46% - aos bancários demitidos.
A trama se fecha com a expansão dos correspondentes bancários: além de fazer uma fezinha, comprar remédios ou qualquer outro produto, se faz todo tipo de transação bancária nos estabelecimentos mais variados. Essa modalidade de serviço propõe ao cliente facilidade no pagamento sem enfrentar filas e constrangimentos com as portas giratórias, dificultadores criados pelos próprios bancos. Para o comércio, aumenta a circulação de pessoas, impulsionando as vendas em até 80%. Para os bancos, barateia e transfere serviços que querem ver longe das agências (o cliente mais pobre, em linguagem clara). Os correspondentes foram criados com o objetivo de ocupar os espaços deixados pelos “ajustes de mercado”, ou seja, os locais onde não é financeiramente interessante para os bancos manter uma agência. Com o tempo, passaram a dividir espaço com grandes agências bancárias.
O emprego da mão-de-obra do correspondente bancário cresce a uma velocidade espantosa, sem deixar claro a cargo de quem estão as respostas de questões como segurança, condições de trabalho e proteção dos direitos trabalhistas. Os trabalhadores ganham em média 25% do valor da remuneração dos trabalhadores do setor financeiro, com a agravante de não terem os demais direitos da categoria.
Ainda assim, os banqueiros empurram os bancários contra a população, enaltecendo o cerceamento aos serviços, como se os trabalhadores fizessem greve por lazer, hobby ou coisa que o valha. A responsabilização pelo estabelecimento é transferida integralmente ao empregado, ficando o banqueiro isento de qualquer culpa na satisfação dos clientes. É sempre mais dramática a cena do que perde o prazo de pagar suas contas do que do pai de família que é tratado como objeto por seu patrão. Se repercute a idéia do emprego como privilégio, sem direito a maiores reivindicações. Com a complacência dos barões do quarto poder, para não perder o costume.



* “Mais grave que assaltar um banco é fundar um banco” - frase atribuída a Lênin

domingo, 18 de setembro de 2011

TEM ACORDO NÃO...


Aparentemente, as sertanejas Francisca Maria da Silva, 89, Maria Francisca da Silva, 69, e Ozelita Francisca da Silva, 58, têm uma vida comum para quem mora no interior do Nordeste, dedicando todo o tempo para cuidar das casas onde vivem. Além do fato de serem mãe e filhas, as três dividem casa, comida e carinho com o mesmo marido há mais de 40 anos.

O agricultor aposentado Luiz Costa de Oliveira, 90, vive maritalmente com a mulher, com a cunhada e com a sogra no município de Campo Grande (270 km de Natal), e com as três teve nada menos que 36 filhos. Outros 17 vieram do primeiro casamento. Além da meia centena oficial, existem ainda outros três, dos quais ele não tem certeza da paternidade. Mas também não nega.

A filha mais nova de seu Luiz tem 13 anos, o mais velho, 54. A lista de membros da nova família Oliveira é extensa. A primeira mulher do trio, Maria Francisca, é mãe de 17 filhos. Em seguida, no segundo casamento com a irmã da esposa, Ozelita, foram mais 15. Para não perder a oportunidade, ainda fez um filho com a sogra, dona Francisca Maria. “Tempo desses apareceram mais três dizendo que ‘era’ meu, mas não tenho certeza, mas também não vou negar”, disse Oliveira.

Apesar da grande quantidade de filhos, apenas 38 estão vivos, e a maioria mora em Campo Grande. A lista de herdeiros aumenta com o número de netos. São 100 netos e 60 bisnetos.

Três mulheres

Seu Luiz conta que a relação com as três mulheres começou depois que ele ficou viúvo da primeira mulher e “se juntou” com Maria Francisca da Silva, a “Francisca Velha”. “Fiquei com 17 filhos para criar, e a ‘véia’ se prontificou a me ajudar. Logo depois começaram a vir os nossos filhos”, disse, explicando que a cunhada, Ozelita, vinha cuidar da irmã no período de resguardo e também "dava assistência” a ele.

“Não escondo que sempre fui namorador. A melhor coisa do mundo é mulher, e meu divertimento era namorar. Preferi que meus namoros ficassem em casa, e elas se entenderam. Nunca houve uma briga, pois eu lembro muito bem que dava conta de todas, além de trabalhar muito na roça para sustentar todos os meus filhos. Nunca faltou nada para ninguém”, disse.

O homem conta que o início do namoro com a sogra também aconteceu no período de resguardo da mulher e da cunhada. Ele tem apenas um filho com ela. A cunhada e “segunda mulher” de Oliveira, Ozelita, conta que o segredo de dividir o marido é a união da família e o amor por igual que ele tem. “Nunca houve distinção. O jeito conquistador dele conseguiu a paz e a união da nossa família. A gente não tem ciúme porque a gente sabe da dedicação dele por todas nós”, disse, ressaltando que as três Franciscas não aceitariam dividir com mais outra pessoa o amor de Oliveira. “Ia ter briga se ele arrumasse uma amante, com certeza.”

Duas casas

Com uma família maior que a tradicional, seu Luiz conta que vive com a mulher em uma casa e mantém a cunhada e a sogra numa outra próxima. Ele diz que tenta distribuir seu tempo para dar assistência às duas casas.

“Antes eram as três mulheres juntas. Mas como são muitos filhos, meu pai conseguiu comprar uma casa mais nova e deu para a minha tia”, disse Cosme da Silva Costa, 18, um dos filhos.

sábado, 10 de setembro de 2011

O BANHEIRO E A POLÍTICA

Em 1988, à frente de uma equipe de tevê, fui ao leste europeu realizar documentário sobre a perestroika - reestruturação político-econômica sob a liderança do russo Mikhail Gorbatchev. Em Praga, numa fábrica de automóveis, nosso repórter pergunta ao líder dos operários se a perestroika chegou ali. Ele nos aponta os banheiros: "Nas nossas latrinas a perestroika não chegou".
Eram imundas. Mas por que me lembrei disso? Ah, sim, saiu pela Agir a 2ª reimpressão do Febeapá, Festival de Besteira que Assola o País, instaurado com o golpe de 1964, do Stanislaw Ponte Preta. Num artigo, o atilado jornalista transcreve um capítulo de Encanamentos e Salubridade das Habitações, do engenheiro português João Emílio dos Santos. É a versão lusitana do Febeapá. Ensina a instalar retretes coletivas "principalmente" em grandes empresas, para evitar que "mandriões incorrigíveis" ali fiquem "além do tempo indispensável" - retrete é latrina e mandrião é malandro em Portugal.
O desequilibrado, digo, o engenheiro acusa os operários de "aproveitar a ida à retrete amiudamente para abandonar o trabalho". Dá várias ideias: porta baixa, para se ver quem está lá; barras de ferro nas paredes "que correspondam aos sovacos", para a pessoa ficar pendurada e querer livrar-se logo do suplício; tampo inclinado; uma descarga periódica de vapor quente.
Mas, explica a cavalgadura, digo, o engenheiro, o melhor mesmo é manter as latrinas "num estado de imundície tal que o cheiro afugenta dali os operários logo após satisfazer suas necessidades".
Stanislaw publicou "sem comentários, mas comentemos. A melhor referência a essa insanidade de certos patrões, a preocupar-se com o tempo gasto pelos funcionários no banheiro, está em Tempos Modernos (1936), de Charles Chaplin. Carlitos é literalmente moído pelas engrenagens da máquina capitalista. E quando o chefe o libera para usar o banheiro e ele aproveita para fumar um cigarrinho, surge num telão o patrão mandando-o de volta ao trabalho.
O documentário sobre a perestroika também foi ilustrativo. Editamos em Praga, última escala da viagem. Para minha surpresa, aparece na véspera da partida um "jornalista" do Partido Comunista Tcheco. Queria ver o trabalho. E, adivinhe, implicou com a menção às nojentas latrinas. Disse-me através do intérprete:
"Não tem cabimento num documentário tão bem fundamentado falar em banheiro sujo".
Sob alusões de não nos deixar sair do país, tive que tirar a fala do líder operário. Mas o colega editor, Yeken Serri, tinha feito duas cópias. Enganamos o censor e trouxemos a versão completa. Que acabou inédita: a emissora que negociou o documentário recusou-se a pôr no ar alegando "questões técnicas".

Por que se negam a considerar a limpeza de banheiros coletivos ou públicos com um dos objetivos da política?
Mylton Severiano


Instalações sanitárias (retretes coletivas):

Do original:
Na instalação de retretes coletivas nos quartéis, escolas e, principalmente, nas grandes oficinas, é necessário adotar disposições especiais, por assim dizer: disciplinares, para evitar que o pessoal ali permaneça além do tempo indispensável. É de todos conhecido que os operários menos cuidadosos com os seu deveres, aproveitam a ida à retrete ameudadamente para abandonarem o trabalho. Recorre-se por isso a diversos meios que tornam incômoda a permanência nas retretes. As portas dos sanitários devem ser baixas, para que facilmente se veja de fora quem lá está. Usam-se muito as retretes turcas, onde as pessoas se teem de acocorar para delas se servirem, mas tem-se reconhecido que nao é bastante isso, por não ser a posição incômoda para todas as pessoas.

Também se costuma colocar nas retretes desse sistema uns descansos de ferro encastrados nas paredes e que correspondem aos sovacos e onde as pessoas ficam por assim dizer penduradas para fazer as necessidades. Ainda se tem usado o tampo das retretes bastante inclinadas, para que o pessoal não fique bem sentado, mas apenas encostados, numa posição bastante incômoda, mas todos esses dispositivos são ineficazes quando se trata de mandriões incorrigíveis. Recorre-se, igualmente, à ação da água ou do vapor. Periodicamente lança-se nas retretes uma violenta corrente, que as lava, arrastando os dejetos, mas dirigida de um modo que uma parte da água molhará as pessoas que ali estiverem sentadas ou acocoradas; mas exige esta disposição que se disponha de um volume considerável de água, o que nem sempre sucederá.

Empregando as retretes do sistema Doulton já descritas, pode usar-se com o mesmo fim a descarga de vapor das máquinas, feita na canalização; a temperatura do vapor é bastante para queimar ou, pelo menos, tornar insuportável a permanência nas retretes. Um meio preconizado por industriais para evitar a permanência do seu pessoal nas latrinas, é mantê-las num estado de imundice tal que o cheiro afugenta dalí os operários logo após satisfazer suas necessidades.


Fonte: livro "Encanamentos e Salubridade das Habitações", pág. 148-149, capítulo 5, 3a. edição, Lisboa, Portugal. Autoria do engenheiro português João Emilio dos Santos Segurado. Parte da coleção da Biblioteca de Instrução Profissional.