sábado, 26 de junho de 2010

A COPA DOS BRAGANTINOS

Assunto do momento, a Copa do Mundo se tornou muito mais um "evento" do que uma competição esportiva. Parece pouco importar o fato de que a qualidade futebolística chegou ao fundo do poço. E não pára de escavar o subterrâneo. Desde que haja festa, jabulani, supercâmera e os demais agregados comerciais. Esse texto de José Roberto Torero exemplifica a frustração de quem espera ver futebol de verdade. E olha que foi escrito antes do clássico Bragantinosil versus Bragantinugal.

Tirando um ou outro time, um ou outro jogo, a verdade é que a Copa não está sendo um grande espetáculo. É como se fosse um campeonato só de Bragantinos, times esforçados mas sem muito brilho, que até podem chegar a uma final de campeonato, mas não empolgam.

Temos Bragantinováquias, Bragantinovênias, Braganterras, Bragantálias, Bragantinos do Norte e do Sul. Todas as seleções jogam muito parecido. Se trocassem o uniforme da maioria delas, não saberíamos quem é quem.

Nem os africanos escaparam. Numa tentativa de acelerar seu desenvolvimento, eles chamaram técnicos estrangeiros e moldaram seu futebol à europeia. Acabaram perdendo o que tinham e não encantam mais. Viraram Bragantinos do Marfim, Bragantarões, Bragangérias.

Isso acontece em grande parte porque não há tanto talento no mundo quanto se espera, mas também por medo. O Brasil, por exemplo, poderia escapar do esquema tático bragantino, mas optou por segui-lo fielmente. E assim, em menor escala, com outras seleções.

A esperança é que na próxima fase, com a obrigação da vitória, as equipes se lancem mais à frente, ousem mais. Porém, pode acontecer exatamente o contrário. Vai ser a luta entre o medo e a esperança, entre o não perder e o ganhar.

Talvez estes tempos sejam meio medrosos mesmo. Não há utopias sociais, não há grandes revoluções morais, nem nada. Talvez estejamos num tempo em que mais se quer não perder do que vencer.

O texto foi extraído do blog do Torero, http://blogdotorero.blog.uol.com.br/

O FEITIÇO DE SARNEY

Esse blog é parcial, mas não partidário, tampouco proselitista. Procura demonstrar notícias que não recebem o devido destaque na mídia. Por isso, apesar de ser algo datado, requentado, não podemos nos furtar de divulgar a análise de Leandro Fortes sobre o episódio lamentável ocorrido no Maranhão, onde Lula, por causa do absurdo conluio com o coronel Sarney, sacrificou militantes históricos da luta operária.
A direita até poderia explorar esse episódio, complexo e contraditório, de forma a tumultuar o processo eleitoral que, para ela, se encaminha para uma retumbante derrota. Contudo, Sarney é um barão dessa estirpe, filhote da ditadura, concessionário da Rede Globo, e trata como terra particular os dois estados em que manda, Amapá e Maranhão, que, não por coincidência, apresentam índices de desenvolvimento africanos.

O Maranhão é o quarto secreto onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esconde, como Dorian Gray, uma resistente decrepitude moral de seu governo. Assim como o personagem da obra de Oscar Wilde, Lula se mantém jovial e brilhante para o Brasil e o mundo, cheio de uma alegria matinal tão típica dos vencedores, enquanto se degenera e se desmoraliza no retrato escondido do Maranhão, o mais pobre, miserável e desafortunado estado brasileiro. Na terra dominada por José Sarney, Lula, o anunciado líder mundial dos novos tempos, parece ser vítima do feitiço do atraso. Dessa forma, em nome de uma aliança política seminal com o PMDB, muito anterior a esta que levou Michel Temer a ser candidato a vice na chapa de Dilma Rousseff, Lula entregou seis milhões de almas maranhenses a Sarney e sua abominável oligarquia, ali instalada há 45 anos. Uma história cujo resultado funesto é esta sublime humilhação pública do PT local, colocado de joelhos, por ordem da direção nacional do partido, ante a candidatura de Roseana Sarney ao governo do estado, depois ter decidido apoiar o deputado Flávio Dino, do PCdoB, durante uma convenção estadual partidária legal e legítima, por meio de votação aberta e democrática. Esse Lula genial, astuto e generoso, capaz de, ao mesmo tempo, comandar a travessia nacional para o desenvolvimento e atravessar o mundo para evitar uma guerra nuclear no Irã, não existe no Maranhão. Lá, Lula é uma sombra dos Sarney, mais um de seus empregados mantidos pelo erário, cuja permissão para entrar ou sair se dá nos mesmos termos aplicados à criadagem das mansões do clã em São Luís e na ilha de Curupu – isso mesmo, uma ilha inteira que pertence a eles, como de resto, tudo o mais no Maranhão. Lula, o mais poderoso presidente da República desde Getúlio Vargas, foi impedido sistematicamente de ir ao estado no curto período em que a família Sarney esteve fora do poder, no final do mandato de Reinaldo Tavares (quando este se tornou adversário de José Sarney) e nos primeiros anos de mandato de Jackson Lago, providencialmente cassado pelo TSE, em 2009, para que Roseana Sarney reocupasse o trono no Palácio dos Leões. Só então, coberto de vergonha, Lula pôde aterrissar no estado e se deixar ver pelo povo, ainda escravizado, do Maranhão. Uma visita rápida e desconfortável ao retrato onde, ao contrário de seu reflexo mundo afora, ele se vê um homem grotesco, coberto de pústulas morais – amigo dos Sarney, enfim. Logo ele, Lula, cujo governo, a história e as intenções são a antítese das corruptas oligarquias políticas nacionais. Lula, apesar de tudo, caminha para o fim de seus mandatos sem ter percebido a dimensão da imensa nódoa que será José Sarney, essa figura sinistramente malévola, no seu currículo, na sua vida. Toda vez que se voltar para o mapa do país que tanto vai lhe dever, haverá de sentir um desgosto profundo ao vislumbrar a mancha difusa do Maranhão, um naco de terra esquecido de onde, nos últimos 20 anos, milhares de cidadãos migraram para outros estados, fugitivos da fome, do desemprego, da escravidão, da falta de terra, de dignidade e de esperança. Fugitivos dos Sarney, de suas perseguições mesquinhas, de sua megalomania financiada pelos cofres públicos e de seu cruel aparelhamento policial e judiciário, fonte inesgotável de repressão e arbitrariedades. Contra tudo isso, o deputado Domingos Dutra, um dos fundadores do PT maranhense, entrou em greve de fome no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília. Seria só mais um maranhense a ser jogado na fome por culpa da família Sarney, não fosse a grandeza que está por trás do gesto. Dutra, filho de lavradores pobres do Maranhão, criou-se politicamente na luta permanente contra José Sarney e seus apaniguados. Em três décadas de pau puro, enfrentou a fúria do clã e por ele foi perseguido implacavelmente, como todos da oposição maranhense, sem entregar os pontos nem fazer concessões ao grupo político diretamente responsável pela miséria de um povo inteiro. Dutra só não esperava, nessa quadra da vida, aos 54 anos de idade, ter que lutar contra o PT. Assim, Lula pode até se esquivar de olhar para o retrato decrépito escondido no quarto secreto do Maranhão, mas em algum momento terá que enfrentar o desmazelo da figura serena e esquálida do deputado Domingos Dutra a lembrá-lo, bem ali, no Congresso Nacional, que a glória de um homem público depende, basicamente, de seus pequenos atos de coragem.

Original em: http://brasiliaeuvi.wordpress.com/2010/06/14/o-feitico-de-sarney/

FOGO AMIGO

O relacionamento PSDB e PFL/DEM, que manteve intimidade e cumplicidade nos últimos 16 anos, pode estar em vias de se exaurir. Por um lado, o DEM, partido moribundo, não tem quadros qualificados para concorrer com popularidade ao lado de J. Serra. Por outro lado, o PSDB se desesperada pela falta de um nome forte para vice. Olha no que deu:

Caiado, do DEM, propõe romper aliança com Serra

O deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO), vice-líder da legenda na Câmara e um dos principais dirigentes demistas, acaba de declarar que vai propor o rompimento da aliança nacional com o PSDB. Caiado está irritado com a escolha do senador Álvaro Dias (PSDB-PR) para ser o candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por José Serra (PSDB).

No dia 30 de junho, quarta-feira da semana que vem, o DEM fará sua convenção nacional em Brasília. “Sou 100% a favor de o Democratas na convenção não fazer uma aliança nacional com o PSDB”, disse Caiado há poucos minutos.

O caldo entornou um pouco mais não só porque o DEM foi preterido pelo PSDB, mas também pela forma como a notícia chegou. O clima ficou envenenado porque Caiado interpretou que os tucanos esconderam a decisão. “Na hora do jogo do Brasil [hoje, contra a seleção de Portugal], um assessor me disse que o Roberto Jefferson [deputado cassado do PTB] anunciou no Twitter que o vice do Serra seria o Álvaro Dias. Na mesma hora eu liguei para o Rodrigo Maia [deputado e presidente nacional do DEM]. O Rodrigo checou e me ligou de volta dizendo que o Sérgio Guerra [senador e presidente nacional do PSDB] havia dito para ele ficar calmo, que isso ainda não estava decidido. Ou seja, eles não tiveram coragem de nos comunicar a decisão”, relata Caiado.

O poder do Serra de desorganizar as coisas é fora do comum. O Álvaro Dias não acrescenta nada e desagrega muito”, declara Caiado.

O deputado goiano –que foi candidato a presidente da República em 1989– está muito irritado: “Só convivo em ambientes nos quais me respeitam. Sou um político desencabrestado. Não admito esse tipo de comportamento”.

A respeito de propor não haver coligação com o PSDB, disse: “Para que ser caudatário de uma candidatura assim? Se na campanha nos tratam assim, imagine depois... Se não tiver um freio de arrumação esse PSDB jamais vai respeitar o Democratas... Não nos podem tratar como um partido satélite”.

Indagado se não seria prejudicado em Goiás, pois é candidato a mais um mandato de deputado, respondeu: “Eu não ganho votos apoiando o Serra. Eu transfiro votos pra ele”.


P.S.: por volta das 21h da sexta-feira (25.jun.2010), o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), escreveu em seu perfil no microblog Twitter: "O DEM é uma merda!!!". O DEM, em tese, está aliado ao PSDB e ao PTB para tentarem eleger Serra presidente. Bombeiros do PSDB saíram a campo. Jefferson retirou o tweet do ar. Mas muita gente copiou a imagem, como se vê a seguir:

Fonte: http://uolpolitica.blog.uol.com.br/arch2010-06-20_2010-06-26.html#2010_06-25_20_49_23-9961110-0



domingo, 20 de junho de 2010

A ERA DO GRUNHIDO


Reproduzimos análise do blogueiro Flávio Gomes, que dista anos luz do proselitismo político. Suas impressões estão muito mais próximas de um cidadão comum do que de um "agente político da blogosfera". Por isso mesmo, salta aos olhos o espanto que ele demonstra, ao ter o desprazer de folhear uma Veja nalguma sala de espera, e se deparar com a importância que é dada ao Twitter, em comparação com a morte de José Saramago. Não é necessária nenhuma militância para se enojar com a linha editorial dos Civitas e acionistas estrangeiros (Dizem que há ingerências de defensores do apartheid sulafricano e do dono da FOX, Murdoch).

O Brasil tem uma revista semanal, “Veja”, que se considera a maior do país. Deve até ser mesmo, sei lá quais são os critérios, não sei quantos leitores tem, quanto fatura, não me interessa. Deixei de assinar essa porcaria anos atrás, já não me lembro se por algum motivo específico, ou se foi, apenas, porque um dia peguei na porta de casa e me espantei: eu ainda gasto dinheiro com esta merda?

Tal revista perdeu a relevância, para estabelecer um marco, depois da queda de Collor de Mello. Naqueles anos de impeachment, as semanais deram vários furos, foram importantes, descobriram coisas. Depois, sumiram. Hoje, a “Veja” é reduto de uns caras chiliquentos como Diogo Mainardi, Reinaldo Azevedo e Augusto Nunes. “Ah, você não lê, como sabe?”, vai perguntar alguém.

Eu de tudo sei, tudo conheço. Piadinha interna.

Mas não quero falar aqui dessas figuras ridículas que acham que escrevem bem e que se julgam parte de algum grupo de pensadores contemporâneos, já que são cheios de fazer citações by Wikipedia e com elas impressionam seus leitores babacas. O que escrevem e dizem, para não ofender demais, repercute entre eles três e seus leitores babacas, todos compartilhados. Eles detestam o Lula e o PT, e é tudo que conseguem exprimir com sua verborragia enjoativa e padronizada. Mas dali não sai, suas opiniões e ataques histéricos contra o que chamam de esquerda brasileira não têm importância alguma, não produzem eco algum.

Só que a capa da “Veja”, embora a revista seja uma droga indizível, tem importância, sim. Afinal, ela é vista por alguns milhões de pessoas, repousa amarrotada durante meses em mesinhas de consultórios médicos, dentistas e despachantes, e as pessoas a notam nas bancas de jornais, ao lado de mulheres peladas. E algumas pessoas ainda puxam assunto em mesas de bares e restaurantes dizendo “li na ‘Veja’”, e tal. São os “formadores de opinião”. Uau.

E aí aparece aqui na minha frente, no estúdio da rádio, a ”Veja” que foi hoje às bancas. Na capa, “CALA BOCA GALVÃO”, uma foto do narrador da Globo, e está dada a senha para uma pretensa reportagem séria de sete páginas, um “box” e três gráficos sobre o poder do Twitter, motivada por uma bobagem infanto-juvenil que nem os “tuiteiros” levam muito a sério, lançada no dia da abertura da Copa. Aliás, nem o Galvão levou a sério, claro, porque discutir um uma “hashtag” de Twitter é como sugerir um seminário para analisar a musicalidade de uma vuvuzela, ou um congresso sobre comunidades bizarras do Orkut.

Ontem morreu José Saramago. O maior escritor da língua portuguesa mereceu desse semanário indefensável meia página, com uma foto e uma legenda editorializada, porque ”Veja” tem opiniões formadas até sobre índice e numeração de páginas. Diz a legenda: “ESTILO E EQUÍVOCO”, reduzindo Saramago a isso, a alguém que tinha estilo e era equivocado, para atacar as posições políticas e religiosas do escritor, comunista e ateu.

Alguém ser comunista e ateu, para a “Veja”, é algo mais condenável do que estuprar a mãe no tanque. “Ao lado da criação literária, manteve-se sempre ativo, e equivocado, na política”, diz o texto pastoso, que nem assinado foi. Uma pobreza jornalística inacreditável. “Nos países cujos regimes ele defendia, nenhum escritor que ousou discordar teve o luxo de uma morte tranquila”, encerra o autor. Como é que alguém pode escrever uma merda desse tamanho? Será que essa gente não tem vergonha do que coloca no papel?

Pois todas as palavras ditas e escritas por Saramago, capaz de obras-primas da literatura universal como “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, “Ensaio Sobre a Cegueira”, “Todos os Nomes”, “Memorial do Convento”, “Caim”, “Jangada de Pedra”, mereceram da “Veja” meia página, enquanto três palavras bobas espalhadas pelo Twitter foram parar na capa da revista e em sete de suas páginas.

O que mais me atormenta, quando vejo essas coisas, é saber que graças a decisões editoriais como essa, uma babaquice como o “CALA BOCA GALVÃO” assume, diante dos olhos e do julgamento dos retardados que levam tal revista a sério, uma importância bem maior do que a vida e a obra de Saramago.

Saramago pedindo um café a sua esposa tem mais conteúdo, provavelmente, do que todas as edições juntas de “Veja” dos últimos 15 anos. Ele tinha razão, quando falava do Twitter — não se enganem, Saramago tinha até blog, não era um velhote vivendo numa caverna. Numa recente entrevista por e-mail a “O Globo”, disse: “Nem sequer é para mim uma tentação de neófito. Os tais 140 caracteres reflectem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido”.

Pois a “Veja”, hoje, inaugurou a era do grunhido impresso.

Fonte:

http://colunistas.ig.com.br/copa2010flaviogomes/2010/06/19/563/

FUTEBOL DE ESQUERDA?

A Copa do Mundo é a mais nova vítima da raivosa extrema direita dos Estados Unidos. Vários comentaristas norte-americanos estão atacando a popularização do esporte no país, dizendo que se trata de uma modalidade esportiva "de pobre", coisa de sul-americano, resultado da crescente influência dos hispânicos no país e ligado às "políticas socialistas" do presidente Barack Obama.

Glenn Beck, o mais famoso comentarista conservador da Fox News, compara o futebol às políticas de Obama. "Não importa quantas celebridades o apoiam, quantos bares abrem mais cedo, quantos comerciais de cerveja eles veiculam, nós não queremos a Copa do Mundo, nós não gostamos da Copa do Mundo, não gostamos do futebol e não queremos ter nada a ver com isso", esbravejou Beck na TV. Segundo ele, o futebol é como o governo atual: "O restante do mundo gosta das políticas de Obama, mas nós não."

Com o bom desempenho do time norte-americano no jogo contra a Inglaterra no sábado, os tradicionais fãs de beisebol e futebol americano estão mais entusiasmados com a Copa do Mundo. Mas isso é resultado de uma "conspiração da esquerda", dizem os conservadores. "Futebol é um jogo de pobre", afirma o analista conservador Dan Gainor, do Media Research Center.

"A esquerda está impondo o ensino de futebol nas escolas americanas, porque a América está se ?amarronzando?", afirmou, em referência ao aumento do número de hispânicos no país. Para Matthew Philbin, do centro de pesquisas de direita Culture and Media Institute, "a mídia liberal sempre se sentiu desconfortável com o fato de sermos únicos entre as nações, sermos líderes; e os esquerdistas são contra nossa rejeição ao futebol, da mesma maneira que são contra nossa rejeição ao socialismo".

O radialista Mark Belling foi além, "eles nos estão enfiando futebol goela abaixo", disse Belling no programa de rádio de Rush Limbaugh, ouvido por 20 milhões de norte-americanos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Fonte:
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,copa-e-alvo-da-extrema-direita-dos-estados-unidos,567372,0.htm

ADEUS, SARAMAGO

ESTE MUNDO DA INJUSTIÇA GLOBALIZADA

O Fórum Social Mundial de 2002 foi encerrado com a leitura de um texto do escritor português José Saramago (1922-2010). Neste texto, reproduzido abaixo, Saramago repete a pergunta de Lênin, "Que Fazer?" (livro publicado em 1902, cem anos antes, portanto) e defende que, antes que "se nos torne demasiado tarde", é urgente "promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência".

Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um facto notável da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos arredores de Florença há mais de quatrocentos anos. Permito-me pedir toda a vossa atenção para este importante acontecimento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não tarda.

Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no século XVI) os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza, porém aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se encontrasse em vias de passamento. Saíram portanto as mulheres à rua, juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar.

Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. "O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino", foi a resposta do camponês. "Mas então não morreu ninguém?", tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: "Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta."

Que acontecera? Acontecera que o ganancioso senhor do lugar (algum conde ou marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de sítio os marcos das estremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada. O lesado tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à protecção da justiça. Tudo sem resultado, a expoliação continuou. Então,

desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi (uma aldeia tem o exacto tamanho do mundo para quem sempre nela viveu) a morte da Justiça.

Talvez pensasse que o seu gesto de exaltada indignação lograria comover e pôr a tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e costumes, que todos eles, sem excepção, o acompanhariam no dobre a finados pela morte da Justiça, e não se calariam até que ela fosse ressuscitada. Um clamor tal, voando de casa em casa, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, saltando por cima das fronteiras, lançando pontes sonoras sobre os rios e os mares, por força haveria de acordar o mundo adormecido... Não sei o que sucedeu depois, não sei se o braço popular foi ajudar o camponês a repor as estremas nos seus sítios, ou se os vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta, regressaram resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os dias. É bem certo que a História nunca nos conta tudo...

Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exacto e rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em acção, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste.

Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger aqueles que morriam. Tocavam também para assinalar as horas do dia e da noite, para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e houve um tempo, não tão distante assim, em que o seu toque a rebate era o que convocava o povo para acudir às catástrofes, às cheias e aos incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que ameaçasse a comunidade. Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao cumprimento das obrigações rituais e o gesto iluminado do camponês de Florença seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso de polícia.

Outros e diferentes são os sinos que hoje defendem e afirmam a possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça companheira dos homens, daquela justiça que é condição da felicidade do espírito e até, por mais surpreendente que possa parecer-nos, condição do próprio alimento do corpo. Houvesse essa justiça, e nem um só ser humano mais morreria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros. Houvesse essa justiça, e a existência não seria, para mais de metade da humanidade, a condenação terrível que objectivamente tem sido. Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando, cada vez mais forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de resistência e acção social que pugnam pelo estabelecimento de uma nova justiça distributiva e comutativa que todos os seres humanos possam chegar a reconhecer como intrinsecamente sua, uma justiça protectora da liberdade e do direito, não de nenhuma das suas negações.

Tenho dito que para essa justiça dispomos já de um código de aplicação prática ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra consignado desde há cinquenta anos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aquelas trinta direitos básicos e essenciais de que hoje só vagamente se fala, quando não sistematicamente se silencia, mais desprezados e conspurcados nestes dias do que o foram, há quatrocentos anos, a propriedade e a liberdade do camponês de Florença. E também tenho dito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal qual se encontra redigida, e sem necessidade de lhe alterar sequer uma vírgula, poderia substituir com vantagem, no que respeita a rectidão de princípios e clareza de objectivos, os programas de todos os partidos políticos do orbe, nomeadamente os da denominada esquerda, anquilosados em fórmulas caducas, alheios ou impotentes para enfrentar as realidades brutais do mundo actual, fechando os olhos às já evidentes e temíveis ameaças que o futuro está a preparar contra aquela dignidade racional e sensível que imaginávamos ser a suprema aspiração dos seres humanos.

Acrescentarei que as mesmas razões que me levam a referir-me nestes termos aos partidos políticos em geral, as aplico por igual aos sindicatos locais, e, em consequência, ao movimento sindical internacional no seu conjunto. De um modo consciente ou inconsciente, o dócil e burocratizado sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, responsável pelo adormecimento social decorrente do processo de globalização económica em curso. Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calá-lo. E, ainda, se me autorizam a acrescentar algo da minha lavra particular às fábulas de La Fontaine, então direi que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o rato dos direitos humanos acabará por ser implacavelmente devorado pelo gato da globalização económica.

E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e segundo a expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o povo? Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé comprovada, e a outras que essa aparência de benignidade têm interesse em simular, que, sendo embora uma evidência indesmentível o estado de catástrofe em que se encontra a maior parte do planeta, será precisamente no quadro de um sistema democrático geral que mais probabilidades teremos de chegar à consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos. Nada mais certo, sob condição de que fosse efectivamente democrático o sistema de governo e de gestão da sociedade a que actualmente vimos chamando democracia. E não o é. É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo.

Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica.

E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros "comissários políticos" do poder económico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois, envolvidas no açúcares da publicidade oficial e particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos, salvo os certas conhecidas minorias eternamente descontentes...

Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo.

Não tenho mais que dizer. Ou sim, apenas uma palavra para pedir um instante de silêncio. O camponês de Florença acaba de subir uma vez mais à torre da igreja, o sino vai tocar. Ouçamo-lo, por favor.


Retirado do Opera Mundi:

http://operamundi.uol.com.br/opiniao_ver.php?idConteudo=1157

ANTES TARDE DO QUE NUNCA

O Ministério da Fazenda estima uma arrecadação de pelo menos R$ 3,5 bilhões por ano caso seja aprovado o projeto de lei complementar (PLP 277/08) que regulamenta o Imposto sobre Grandes Fortunas. Somente o Imposto de Renda recolhido na fonte sobre os salários arrecadou R$ 20,5 bilhões apenas no mês de abril.

Imposto sobre Grandes Fortunas pode gerar arrecadação anual de R$ 3,5 bilhões


O Ministério da Fazenda estima uma arrecadação de pelo menos R$ 3,5 bilhões por ano caso seja aprovado o projeto de lei complementar (PLP 277/08) que regulamenta o Imposto sobre Grandes Fortunas. Somente o Imposto de Renda recolhido na fonte sobre os salários arrecadou R$ 20,5 bilhões apenas no mês de abril.

A estimativa foi enviada para o deputado João Dado, do PDT de São Paulo, relator do projeto na Comissão de Finanças e Tributação.

A Comissão de Constituição e Justiça aprovou o projeto este mês após ele ter saído da Comissão de Finanças sem parecer por causa de divergências em torno do texto.

O Ministério da Fazenda informou que a estimativa está subestimada porque considerou os bens pelo valor de aquisição conforme solicitado na declaração anual de Imposto de Renda, embora o projeto preveja a atualização dos valores.

O projeto busca regulamentar artigo da Constituição e taxa o patrimônio a partir de R$ 2 milhões. A cada ano, quem possuísse entre este valor e R$ 5 milhões 1% de imposto.

Entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões, a alíquota é de 2%. Entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões, 3%. Entre R$ 20 milhões e R$ 50 milhões, 4%; e acima de R$ 50 milhões, o contribuinte pagaria 5%.

Para o Ministério da Fazenda, outro fator que pode alterar o cálculo da arrecadação futura é o fato de que parte do patrimônio declarado hoje pode ser transferido para empresas.

O especialista em finanças públicas Amir Khair acredita que o Imposto sobre Grandes Fortunas ajuda a minimizar o fato de que, no Brasil, os pobres pagam mais imposto que os ricos:

"O que está faltando é você reduzir a tributação sobre o consumo e aumentar a tributação sobre o patrimônio e a renda. E a tributação sobre o patrimônio na figura daquilo que já está desde 88 na Constitução para ser regulamentado é o Imposto sobre Grandes Fortunas. Ele tem um potencial muito bom e a argumentação que é colocado de que não existe isso em outros países não é verdade. Existe em outros países e não custa a gente experimentar e ver o resultado que isso pode dar".

Mas o especialista em tributação Ives Gandra Martins diz que o IGF desestimula a poupança no Brasil e tributa um patrimônio que restou após o pagamento de vários impostos, inclusive imposto de renda, IPTU e IPVA:

"Então eu pego, por exemplo, Jorge Gerdau, que tem um conjunto de empresas. Assim, em 20 anos ele passa todas as empresas para o governo porque 5% ao ano do seu patrimônio, ele vai ter que passar as ações para o governo porque não tem como torná-las líquidas e em 20 anos o governo é dono da empresa. É verdadeiramente confiscatório. Nem na França que é o único país que ainda mantém - e o Sarkozy está fazendo tudo para eliminar este imposto na França - nem lá chegam a este número de 5% para quem tem R$ 50 milhões, o que represantaria aproximadamente U$ 30 milhões."

Segundo Ives Gandra, se o IGF virar lei os patrimônios maiores vão se deslocar para outros países e apenas os menores pagarão imposto.

Existem propostas de emenda à Constituição em tramitação que buscam justamente retirar o IGF da Carta Magna. O projeto de lei complementar que regulamenta o Imposto sobre Grandes Fortunas terá que ser votado agora pelo Plenário da Câmara.


A COPA DO MUNDO É NOSSA


Juca Kfouri em entrevista ao Le Monde Diplomatique disseca o papel mais nebuloso do esporte: a lavagem de dinheiro. Aponta também graves falhas na política esportiva nacional e questiona os eventos que virão, Copa em 2014 e Olimpíadas em 2016.


“O Brasil não é o país do futebol”

É isso mesmo. Segundo Juca Kfouri, “o Brasil não é o país do futebol”. E para sustentar seu argumento, Juca lança mão de uma pesquisa do DataFolha “que mostra que maior que a torcida do Flamengo são as pessoas que dizem não ter time de coração: 25%!”. Conversamos sobre essas e muitas outras questões com o jornalista

por Maíra Kubík Mano e Silvio Caccia Brava

DIPLOMATIQUE – Há uma citação bastante conhecida do historiador Eric Hobsbwam sobre o futebol carregar o conflito essencial da globalização. O que você acha disso?

JUCA KFOURI – É muito boa essa sacada dele. A globalização fez com que o mundo de futebol se conhecesse inteiramente, ao menos do ponto de vista tático do jogo. Ninguém surpreende mais ninguém. Ao mesmo tempo, a globalização permitiu aos países mais fortes tomarem daqueles periféricos os seus maiores talentos. Nós somos prova disso, assim como os argentinos. A concentração de capital na Europa e na Ásia permite a eles levarem os nossos talentos. Mas, paradoxalmente, esses talentos têm de provar a sua capacidade lá fora para servir às seleções nacionais. Acaba sendo um jogo dialético. Quer dizer, a chancela do nacional vem do globalizado, o que, de alguma maneira, permite retomar a ideia do Dostoievsky de que não há nada mais universal do que a esquina da sua casa. Ou aquela do Fernando Pessoa, quando diz que o Rio Tejo é mais bonito do que o rio que passa na minha aldeia, mas o Rio Tejo não é mais bonito do que o rio que passa na minha aldeia porque não é o rio que passa na minha aldeia. Acabamos de ver isso com a convocação do Dunga: tem dois jogadores de times brasileiros que vão jogar a Copa do Mundo pelo Brasil. Dois. Esse fenômeno ocorre claramente a partir do começo dos anos 1980.

DIPLOMATIQUE – Um dos grandes responsáveis para dar essa tônica ao futebol, ao que tudo indica, foi João Havelange. É coincidência ter sido um brasileiro?

KFOURI – Não. É aquilo de a pessoa estar no lugar certo, na hora certa. O João Havelange assumiu a FIFA (Federação Internacional de Futebol) em 1974. A eleição dele ocorreu no Congresso anterior à Copa da Alemanha e, portanto, após a primeira Copa do Mundo transmitida para o mundo inteiro pela televisão, a de 1970, no México. Havelange assumiu a FIFA com um evento que já era globalizado e se deu conta disso. Em seguida, montou um pequeno grupo com empresas como Adidas e Coca-Cola e, aos poucos, foi gerando o império que a federação é hoje. É inegável que ele teve esta visão de capitalismo selvagem. E esse modelo – perverso – montado pela FIFA é reproduzido aqui pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol). É o modelo de seitas, de pequenos grupos.

DIPLOMATIQUE – É possível traçar um paralelo entre essa situação e a especulação desenfreada do sistema financeiro, que recentemente arrastou o mundo para uma enorme crise? Não seria necessário algum tipo de regulamentação?

KFOURI – Sem dúvida. Hoje na Europa há muita gente boa preocupada com isso. Veja o caso brasileiro: se fizermos um seminário para discutir o futebol aqui entre dirigentes, comissões técnicas, atletas, jornalistas, governo e torcedores, todos concordarão que do jeito que está não pode continuar. Haverá unanimidade, ninguém dirá diferente. Mas se todo o mundo está de acordo por que não mudar? Quem ganha com isso? A quem interessa? Bem, o futebol é a maior das indústrias do entretenimento e o esporte em si é uma das instituições mais favoráveis à lavagem de dinheiro. É uma grande lavanderia. Por quê? Porque lida com uma altíssima dose de subjetividade. Quanto custa o Lionel Messi? Eu digo para você, 120 milhões de euros. Você responde ‘barbaridade, é dinheiro pra chuchu’. Mas eu posso dizer ‘não, que 120 nada, são 150 milhões de euros’. O Manchester United estaria disposto a pagar ao Barcelona esse valor. Mas e aí, alguém vale 150 milhões de euros? E diante disso, quanto valeria o Pelé? Ah, 300 milhões de euros. Mas só o dobro, o Pelé? É, talvez, 500 milhões de euros. Ou seja, é um saco sem fundo.

DIPLOMATIQUE – Mas e como os jogadores ficam nessa situação de mercadoria valendo milhões? Penso, por exemplo, no Vagner Love e no Adriano: quando eles voltaram para as comunidades deles foi um escândalo sem tamanho, revelando essa discrepância entre os salários, o status e a origem de cada um.

KFOURI – Aí há outra questão que, para mim, talvez seja a mais angustiante e que dá o outro lado dessa moeda tão rica, tão aparentemente glamorosa. Sabe quantos clubes brasileiros têm departamento de recursos humanos? Nenhum. Nenhum clube se preocupa em encaminhar uma carreira junto ao seu trabalhador. Há um paternalismo, um dirigente mais jeitoso aqui e ali, mas não existe uma coisa mais estruturada. E embora já haja alguns clubes que trabalhem com psicólogos especializados em esporte, em regra se considera isso frescura. Será que não é preciso tratar a cabeça de um garoto desses que vem da favela, que ontem estava pensando se ia conseguir almoçar e que hoje está comprando uma Mercedes-Benz último tipo blindada? É de uma baita irresponsabilidade e de uma burrice ignorar isso. Em última análise, os clubes não querem pagar R$ 15 mil por mês para um terapeuta cuidar de quem ganha R$ 400 mil por mês e será vendido por R$ 80 milhões. E aí as pessoas se horrorizam porque o Adriano foi até a favela e os caras que o receberam estavam armados. O Vagner Love disse: ‘qual é a surpresa? Ou vocês já viram alguém chegar lá em cima sem passar por ninguém armado? Isso já era assim quando eu era criança’. Mas a hipocrisia é de tal tamanho que as pessoas se horrorizam com jogadores de futebol ao mesmo tempo em que parecem esquecer que o Michael Jackson precisou comprar sua autorização para filmar no morro. E que para fazer os Jogos Pan-americanos em paz o governador do Rio de Janeiro teve que estabelecer um acordo com o tráfico.

DIPLOMATIQUE – Qual é a força dos impérios da CBF e da FIFA?

KFOURI – É tão poderoso que nos próximos quatro anos vai haver uma discussão aqui no Brasil sobre cedermos a nossa soberania para a FIFA. Veja o exemplo da Copa da Alemanha: na terra da cerveja, só a Budweiser americana podia ser vendida dentro dos estádios. Os alemães ficaram enlouquecidos, mas é assim que funciona: a FIFA manda. Isto advém desse insuperável poder de sedução que o futebol tem. Quando o Lula ganhou a eleição em 2002, me pediu que eu reunisse um grupo de pessoas e apresentasse um projeto de política esportiva para o Brasil, porque simplesmente não havia nenhum. Em 25 dias, a toque de caixa, fizemos um plano que era basicamente de inclusão social por meio do esporte. Partimos de um dado da Organização Mundial da Saúde de que a cada dólar investido em esporte, poupam-se três dólares em saúde pública. Tratava-se de uma massificação da coisa. Por mim, esporte de alto rendimento ficaria por conta da iniciativa privada, o governo não precisava cuidar disso. Mas o projeto virou tábula rasa, ele até agradeceu muito, mas não aconteceu nada. O Lula teve a generosidade de assinar, como as duas primeiras leis de seu mandato, em 2002, o Estatuto do Torcedor e a chamada Lei de Moralização do Esporte. Elas haviam sido gestadas e acordadas como as únicas duas leis aprovadas por unanimidade na gestão anterior do Fernando Henrique Cardoso. Fui convidado para acompanhar a assinatura das leis. Eu cheguei ao palácio e, para a minha surpresa e o meu constrangimento, veio um cara do cerimonial, e me levou para sentar à mesa, junto com os ministros. Eu não queria, disse que iria lá para trás, mas não teve jeito. Sentei ali e o Lula começou o seu discurso e disse, literalmente: ‘Senhoras e senhores, nunca mais vamos ouvir o jornalista Juca Kfouri dizer que no Brasil o torcedor é tratado feito gado’. O auditório veio abaixo com palmas. Eu não sabia onde enfiar a perna, o braço, a gravata. Ele encerrou 30 minutos depois dizendo que a minha presença lá era simbólica para todos aqueles jornalistas que foram processados por essa cartolagem malsã. Eu saí dessa cerimônia esmurrando o ar – embora já sem o direito à ingenuidade, aos 52 anos. Muito bem. Seis meses depois, o Lula estava de braço dado com o Ricardo Teixeira para o jogo do Haiti. E seis anos depois deu a Timemania [loteria organizada pelo governo federal] para os caras que deixaram os times brasileiros endividados, sem a exigência de nenhuma contrapartida de modelo de gestão. O resultado? Os times já estão falindo de novo e precisando de uma Timemania 2.

DIPLOMATIQUE – E dá tempo de a Copa do Mundo aqui não ser uma farra, essa desorganização?


KFOURI – Não dá mais tempo. Corremos o mesmo risco que a África do Sul em relação à Copa do Mundo: que ela seja um desastre. Tudo leva a crer que isso é possível. Na África do Sul, por exemplo, não há nem torcida porque eles não têm poder aquisitivo.

DIPLOMATIQUE – Sim, a princípio a venda de ingressos para a Copa de agora estava sendo via internet e por cartão de crédito, como os africanos iriam conseguir comprar?

KFOURI – A reação da economia informal está sendo armada. E não é apenas a questão dos ingressos. Com a Copa, construíram-se meios de transporte público em Joannesburgo que quebraram o grande jeito de se locomover na cidade: as lotações clandestinas. Você pode ter não só um fracasso do ponto de vista da presença de público, como se teme que um jornalista seja morto, um membro de delegação seja sequestrado, alguma coisa desse tipo aconteça. Os alemães já disseram que vão desembarcar de colete à prova de balas. É uma coisa de maluco pensar que você vai fazer a Copa do Mundo num lugar que alguém chegue desse jeito, não é? Os europeus são bem capazes, se acontecer alguma coisa, de dizerem que não dá para fazer uma outra Copa seguida no Terceiro Mundo. E os americanos estão loucos para tirar alguma coisa do Brasil, como as Olimpíadas. Claro, há que se considerar que o Ricardo Teixeira articulou isso direito, ele tem lá a sua força.

DIPLOMATIQUE – E nós corremos riscos de os ingressos aqui também não serem acessíveis para o grosso da população, como na África do Sul?

KFOURI – Eu imagino ainda que o que vai acabar acontecendo é que eles vão abrir. Vão vender a preço popular. De qualquer forma, o Brasil não é o país do futebol. Acabou de sair uma pesquisa do DataFolha que mostra que maior do que a torcida do Flamengo são as pessoas que dizem não ter time de coração: 25%! Depois vem o Flamengo, com 17% e o Corinthians com 14%. Na Argentina, em uma pesquisa igual, apenas 7% disseram não ter clube! E mais do que isso, nós somos absolutamente auto-suficientes em matéria de futebol. ‘Conosco ninguém podosco’, se diz por aí. Somos cinco vezes campeões do mundo. Damos as cartas. O brasileiro não vai ver Zaire e Noruega. O brasileiro não vai ver Costa Rica e Suécia. Pode ir ver Argentina e Inglaterra, França e Itália, Alemanha e Uruguai. Mas aqueles joguinhos mais periféricos não. No primeiro mundo, vão. Até nos Estados Unidos foram. Não tinha um estádio vazio nos Estados Unidos. Tinha, é claro, um pouco a coisa do inusitado, que eles queriam ver que esporte é esse. Agora, aqui, o que justifica, para nós, sediar a Copa é mexer na infraestrutura do país. Não faz sentido discutir a construção dos estádios para um evento de um mês. Em um país com as nossas carências é preciso refazer os aeroportos, dar uma belíssima de uma investida na área hospitalar, no transporte coletivo etc. Um exemplo de país onde isso foi bem-sucedido é a Espanha. Em 1982 eles fizeram uma Copa do Mundo, o primeiro grande acontecimento lá pós-franquismo. A herança desse período ainda era muito presente, mas já se via ali um país novo nascendo. E dez anos depois, com as Olimpíadas de Barcelona, isso estava sedimentado. A Espanha era um país moderno, não mais a porta dos fundos da Europa. E os dois eventos foram e são cartões de visita dessa mudança. Ao mesmo tempo, a loucura que se fez na Grécia em torno das Olimpíadas de Atenas tem relação direta com a crise econômica atual lá. Outro dia ouvi o Sócrates dizer que tem medo que tudo o que o Lula acumulou nesses oito anos de boa imagem para o Brasil no exterior a gente jogue fora com dois eventos perdulários feitos sob escândalos. E faz sentido.

Veja só, eu fui cobrir o jogo Brasil e Noruega na Copa da França, em 1998, no mesmo estádio em que o Brasil tinha jogado em 1938, em Marselha. No mesmíssimo estádio. Deram uma ajeitada, claro, mas a estrutura era igual. O Morumbi não é um bom estádio, é frio, tem ponto cego... É um horror para o dia a dia. Mas está aí há quase 50 anos. Dizer que não dá para fazer quatro ou cinco jogos de uma competição internacional lá é mentira. Também não dá para fazer de maneira ideal no Maracanã ou no Mineirão. Mas daí a jogar isso tudo no chão... Eu não estou nem falando do Pan-americano, que custou dez vezes mais do que estava orçado – e que foi feito com dinheiro público, apesar de estar previsto para a iniciativa privada. Aliás, você sabia que o Engenhão não vai servir para a Copa e que o parque aquático Maria Lenk não é adequado às Olimpíadas? Enfim, qual é a diferença entre você reformar e fazer um novo?

*Leia a íntegra da entrevista na edição 35 de Le Monde Diplomatique Brasil, já nas bancas

Maíra Kubík Mano e Silvio Caccia Brava São os editores do Le Monde Diplomatique Brasil


Link original:

http://diplomatique.uol.com.br/acervo.php?id=2919

quarta-feira, 9 de junho de 2010

COMO PIG NOTICIA O SUCESSO DO BRASIL

O noticiário televisivo quase entrou em colapso essa semana. Não fosse a larga cobertura da Copa do Mundo, com reportagens pitorescas sobre a África do Sul, combinadas com polêmicas tolamente fabricadas, como por exemplo, picuinhas entre os atletas, os editores da parte de política teriam que rebolar mais do que já fizeram.

Isso porque o Pig já esgotou seu estoque de notícias para tentar denegrir a imagem do Brasil. Depois de explorarem à exaustão os desdobramentos do acordo Brasil – Turquia – Irã, e o desrespeito dos EUA, evidenciando a vassalagem aos irmãos do norte, tentar criar um fato em cima dos dossiês e depois se arrependerem, já que o feitiço se virará contra o feiticeiro, a pauta dessa semana se prendeu aos indicadores econômicos do primeiro trimestre.




Como noticiar que o PIB brasileiro cresceu 9% em relação ao mesmo período do ano anterior? E demais para quem quer derrubar o governo! Mostra que, de fato, o Brasil foi o último país a sentir os efeitos da crise e o primeiro a superá-los. Como disse Lula, a tsunami chegou aqui com força de marolinha. A tática é a seguinte: apresentadores anunciam até com certo entusiasmo as notícias positivas da economia. Entra uma reportagem, com o caráter mais factual, e narra números expressivos combinados com imagens de supermercados, shopping, indústrias. Depois, aparecem os “urubuditos”, mistura de urubu com erudito, para enfiar na cabeça do telespectador uma série de poréns e entretantos.

Os profetas do apocalipse, os agourentos “especialistas” que são chamados a opinar (sempre desfavoravelmente ao governo Lula) arranjaram uma brecha: esse ritmo de crescimento é insustentável em longo prazo, expondo o risco de superaquecimento, o consumo das famílias está acima do que eles permitem, vai gerar inflação, vai aumentar a dívida...

Engraçado que a receita do capital para combater as crises, qualquer que seja a crise, é sempre a mesma: um “pacote de austeridade”, verdadeiro saco de maldades contendo arrocho salarial, majoração de impostos, controle dos gastos públicos, polícia baixando o cacete sobre os manifestantes trabalhadores. Essa receita por sua vez gerará outra crise, que será combatida pelos acólitos do mercado da mesma forma, num ciclo interminável de penúria para o povo e concessões generosas aos escroques pomposamente chamados de “investidores”.

Fosse à época da ditabranda da Folha, estaríamos vivendo um milagre econômico. Hoje, com mais propriedade, poderíamos dizer “nunca antes na história desse país (ou até do mundo) o crescimento da economia foi visto como um problema”. Mas eis que surge nova bomba no colo da imprensa: inflação registra queda no último mês. Qual será o contraveneno do Pig?

Aposto que acharão os itens que mais aumentaram...


Links sobre o tema:

http://vendedordebananas.blogspot.com/2010/06/pib-bomba-9aa-investimento-tambem-tem.html

http://partisanrs.blogspot.com/2010/06/para-oligopolio-midiatico-crescimento.html

http://anaispoliticos.blogspot.com/2010/06/noticia-ruim.html



quarta-feira, 2 de junho de 2010

Pesquisa divulgando resultados positivos sobre o sistema de cotas?? Absurdo!! Chamem imediatamente o Dr. Magnoli!!

Mocinha bem nascida, provavelmente matando aula no cursinho, protesta contra cotas na UnB

O PIG realmente não suporta que o Brasil seja uma país para os demais brasileiros. Na noite de terça-feira, o Jornal Nacional lança uma matéria que em princípio pode parecer inocente, apenas repercutindo um estudo feito pela Universidades do Estado do Rio de Janeiro sobre o sistema de cotas. O estudo aponta que os resultados obtidos pela universidade foram positivos - a UERJ foi a primeira universidade a adotar o sistema de cotas -, mas que há discordâncias. O leitor já deve ter percebido onde isso vai dar...
O reitor da universidade faz uma breve explicação sobre o sistema adotado, com 45% das vagas distribuídas entre negros, alunos oriundos de escolas públicas, deficientes físicos, minorias étnicas e filhos de policiais, bombeiros e agentes penitenciários mortos em serviço. O reitor faz questão de salientar que um dos critérios para acesso ao sistema de cotas é que a renda mensal de cada pessoa da família não ultrapasse os R$ 900,00.
O reitor tenta demonstrar que o sistema de cotas, embora deixe vários filhos das classes privilegiadas de fora da universidade gratuita, é um mecanismo que visa a diminuição das desigualdades sociais no país das desigualdades.
Pois bem, quem o JN chama para fazer a defesa dos interesses da elite piamente crente que as vagas das universidades públicas pertencem aos seus diletos filhinhos? Claro, ele, o xodó do William Waack, o expert em todos os assuntos imagináveis: o indefectível Demétrio Magnoli.
O eminente scholar sempre pronto para defender os patrões elabora pérolas do pensamento sociológico para desqualificar o fato que negros pobres se formem médicos ou engenheiros químicos. Realmente, um mundo com médicos, engenheiros, magistrados negros, mulatos, mestiços e com pais pobres deve ser o fim dos tempos.
O que parece incomodar muito o ilustre professor é que a meritocracia competitiva elevada a níveis de paranoia fica em xeque. Não obstante, a classe média fica amendrontadíssima de perder um dos seus mais tradicionais bastiões, tradicionalmente usado para validar a diferença entre as classes. Entende-se, entre outras coisas, o porque do desespero do PIG e de seus seguidores com relação às políticas sociais do atual governo.

Link para a reportagem:

http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2010/06/uerj-divulga-estudo-com-resultado-positivo-sobre-o-sistema-de-cotas.html