Nosso tribunal maior, cada vez mais esculachado por alguns de seus próprios membros, que além de não possuírem envergadura moral necessária ao cargo, a chamada conduta ilibada (que advém do latim illibatus, ou seja, puro, nunca tocado) que a muito ficou pelas cucuias, merece ser questionado também por causa do que preceitua o art. 101 da CF/88.
A pergunta vem à tona na resenha da declaração do papalvo que cada vez mais se deslumbra com os holofotes e renega todos os códigos que disciplinam as condutas dos magistrados. Disse que "pessoas condenadas por corrupção devem ficar no ostracismo. Faz parte da pena".
Será que o notável saber jurídico pode surgir numa mente tão rombuda em outras disciplinas? Sim, porque consideremos duas situações: o pacóvio conhece o significado do termo que usou; logo, demonstra uma brutal ignorância política e filosófica, ramos de estudo correlatos ao direito. Porém, se fala sobre o que não domina, só reforça sua incalculável empáfia com a caricata postura de néscio.
Um pouco de conhecimento, para nos refrescar da tormenta de estupidez que assola o país.
Quem instituiu o ostracismo, como uma medida permanente contra os pretendentes à tirania,
foi Clístenes. A cada ano, a assembleia votava se haveria ou não um ostracismo; se assim decidido, os cidadãos se reuniam na ágora e carregavam
cacos de cerâmica (óstraka) com o nome de um político que desaprovassem ou
temessem.
Para haver uma condenação, eram necessários no mínimo 6.000 (seis mil) cacos nas
urnas; esta era a única ocasião em que os votos dos cidadãos eram formalmente
contados. O homem que recebesse mais votos era devidamente punido com uma pena
de exílio de 10 anos, embora não perdessem seus direitos de cidadão.
É sabido que o conceito de cidadão era bastante restritivo em Atenas. E também a participação nas assembleias não era nada espetacular (o julgamento de Sócrates, a título de exemplo, teve pouco mais de 500 cidadãos se manifestando). Ou seja, uma condenação dessa natureza só ocorria diante de imenso clamor. Agora, o toleirão que adora microfones querer comparar uma decisão dessas com uma sentença em único grau de jurisdição, cujo resultado se deu por maioria, num colegiado de 11 pessoas, é demais. E mesmo no ostracismo ateniense, o condenado não perdia seus direitos de cidadão, ou seja, mantinha o inalienável direito de se manifestar.
O ostracismo entrou em vigência em 487 a.C. contra o aristocrata Megaclés e outros antigos defensores da tirania e foi
concebido como mais um entrave a esses elementos; assim, alguns óstraka
sobreviventes trazem maldições contra uma possível vítima por apoiar os persas.
O ostracismo, porém, podia ter um objetivo mais amplo na vida política ateniense.
Vários anos antes, Periandro, tirano de Corinto, pedira o conselho de seu
colega Trasíbulo de Mileto a cerca de como lidar com os descontentes; Trasíbulo
simplesmente pôs-se a caminhar por um trigal, rompendo com o chicote os talos
altos demais, o que deixou confuso o
mensageiro. Periandro, porém, compreendeu a mensagem, e os atenienses de origem
nobre que se mostrassem ambiciosos demais podiam justamente temer o perigo de
receber o ostracismo por ameaçarem “o consenso nacional, sobretudo por
defender em público idéias ou atos que ameaçassem os valores da sociedade
politica”.
Temístocles, militar que conduziu os gregos à vitória na batalha de Salamina, usou e abusou do instituto: passou a dirigir ataques contra seus próprios adversários, até obter em 482 a.C. o ostracismo de Aristides, famoso pela probidade. Logo, passou a ser
o chefe indiscutível de Atenas quando teve de enfrentar o ataque das forças
persas, por terra e mar, sob o rei Xerxes. Em 471 a.C., os oponentes de Temístocles, que, segundo as óstraka
que nos chegaram, muitas vezes votaram contra ele no seu auge, dispunham de
forças suficientes para tramar seu próprio ostracismo; nunca mais ele pode
voltar a Atenas e morreu como hospede do rei da Pérsia.
Em algum momento dos anos 418/415 a.C. levaram a cabo o
ostracismo do insignificante político Hipérbolo, uma farsa produzida quando os rivais
Nícias e Alcibíades uniram forças; desde então o ostracismo nunca mais foi
usado, até que 2.500 anos depois, um lacaio do poder tenta restabelecer a pena, deformando seu real significado.