Se alguém tiver a curiosidade de digitar o nome "Riace", no google brasileiro, o primeiro resultado encontrado, antes mesmo da cidade, é referente aos "Bronzes de Riace", duas estátuas encontradas no Mar Jônico em 1972, datadas do séc. V a. C., sendo pelo menos uma delas atribuída a Fídias, considerado o maior escultor da Grécia Antiga.
Pudera, uma descoberta como essa é mais relevante que uma comuna de menos de 2.000 habitantes. Todavia, Riace conseguiu se tornar notícia novamente: na contramão do continente europeu, há mais de uma década trata com humanidade e acolhe os refugiados da África e da Ásia. A simbiose perfeita com os "homens vindos do mar", rechaçados e vistos como ameaça pelo resto da Europa, salvou o povoado da extinção.
A reportagem saiu na Deustche Welle, editoria francesa.
Link para reportagem: http://dw.de/p/1Agok
ALDEIA NA CALÁBRIA SOBREVIVE GRAÇAS A REFUGIADOS
O sol mal se levantou, e a equipe de lixeiros ecológico-tradicional já atravessa as ruas estreitas de Riace, na costa sul da Itália: dois homens e sua carroça puxada a jumento. Quebrando a tradição, contudo, só um deles é italiano.
O sol mal se levantou, e a equipe de lixeiros ecológico-tradicional já atravessa as ruas estreitas de Riace, na costa sul da Itália: dois homens e sua carroça puxada a jumento. Quebrando a tradição, contudo, só um deles é italiano.
Cerca de mil anos atrás, os ancestrais de Romano fundaram o lugarejo na
Calábria – nas colinas, a cerca de oito quilômetros do mar, para se
protegerem dos ataques dos piratas. O homem que acompanha Romano é um
imigrante, Daniel. Ele é , como se diz aqui na região, um "homem do mar"
– assim como eram chamados os piratas antigamente.
DUPLA SORTE PARA REFUGIADOS
DUPLA SORTE PARA REFUGIADOS
Riace, cidade da hospitalidade |
Para muitos italianos, gente como o auxiliar de lixeiro
continua representando uma ameaça. Numa outra aldeia calabresa, houve
choques entre os antigos moradores e os trabalhadores imigrados. Mas
Riace é diferente: de seus menos de 1.700 habitantes, 300 são "gente do
mar".
Na verdade, Daniel vem de Gana. Cinco anos atrás, ele desembarcou em
Lampedusa, a ilha mais meridional da Itália. "Três dias e três noites
nós ficamos num barco. Um risco tremendo, de que nós escapamos. Mas, o
que se podia fazer? A gente tinha que vir. E se você sobrevive,
sobreviveu."
O imigrante de 32 anos sabe que teve sorte de conseguir chegar vivo a
Lampedusa. E mais sorte ainda que exista um lugar como Riace. Enquanto o
resto da Europa se defende dos refugiados com cercas e polícia de
fronteiras, esta localidade os acolhe, quer apoiá-los. E hoje Daniel
vive com mulher e dois filhos na cidadezinha calabresa.
SALVA DO DESAPARECIMENTO
SALVA DO DESAPARECIMENTO
Esta região da Itália é pobre; aqui, quem manda é a Máfia. Os jovens
abandonam a região assim que têm uma chance. O mesmo aconteceu em Riace:
15 anos atrás, sua população havia se reduzido de 3 mil para menos de
800. Porém, no início dos anos 2000, o prefeito Domenico Lucano passou a
acolher imigrantes, os quais, segundo ele, substituíram todos os que
abandonaram a cidade, evitando assim sua extinção.
"Antes, estes prédios estavam vazios e acabados", diz Lucano, apontando
para as casas em redor. "Riace já era quase uma cidade fantasma. Mas nós
construímos novamente as casas. Agora, famílias moram aí, e graças a
elas pudemos manter a escola em funcionamento."
Também do ponto de vista econômico, os imigrantes são importantes,
ressalta o prefeito: "Eles fazem os trabalhos que os italianos não
querem mais fazer", cuidam dos idosos ou trabalham no olival para a
sociedade de produtores de azeite. Um somali abriu um restaurante,
outros atuam como tradutores ou mantêm pequenas lojas e firmas. Um
deles, por exemplo, fabrica cerâmica tradicional de Riace, decorada com
finas listras coloridas.
Malteses: rechaçados pela Europa |
VANTAGEM PARA TODOS
Quem indaga os clientes mais idosos do café sobre a convivência com os
imigrantes, não recebe resposta: eles apenas fazem um gesto de "deixa
pra lá". Só um homem bem mais jovem, que não quer ser identificado se
dispõe a conversar.
"É uma coisa excelente! Riace está cheia de gente outra vez. Antes, era
tão vazio aqui." Também há mais empregos, comenta o rapaz, pois os
moradores podem trabalhar para a organização que apoia os
recém-chegados. "No entanto, os empregos deveriam ir primeiro para os
cidadãos italianos. No momento, os imigrantes têm muito mais
possibilidades do que nós", ressalva.
Para a afegã Marie, o trabalho numa oficina de trabalhos em vidro é um
presente de Deus. "No Afeganistão, eu só ficava em casa e não podia
fazer nada, assim como as outras mulheres." Mas ela deixou o país por
outro motivo: seus três filhos.
"Minha mais velha, a Mariana, começou a ter problema com os talibãs.
Eles queriam casá-la à força. Mas ela só tem 12 anos!" A afegã e sua
família já estão há dez meses em Riace. No momento, ela trabalha no
mosaico de um jóquei a cavalo, que vai ser vendido na loja ao lado. Ela
recebe 500 euros por mês do município, além dos 200 euros do serviço de
asilo.
Dinheiro Local: Gandhi e Che |
O FATOR HUMANO
Essa ajuda financeira acaba revertendo também para a economia local,
pois Marie, Daniel e os demais gastam seu dinheiro principalmente no
comércio de Riace. Mas, como muitas vezes seu pagamento chega com
atraso, Riace passou a imprimir seu próprio dinheiro, com retratos
inspiradores de Martin Luther King, Che Guevara e Ghandi.
As cédulas funcionam como moeda normal: os requerentes de asilo podem
comprar alimentos ou roupas com elas, e oportunamente os varejistas
trocam seus Ghandis por euros de verdade.
Essa evolução positiva se deve, em grande parte, aos subsídios do governo italiano e da União Europeia. Mas ela também depende muito de gente como o prefeito Domenico Lucano. Nas últimas eleições, ele se candidatou com um slogan simples: "As pessoas mais pobres do mundo vão salvar Riace – e nós as salvaremos." Simples, mas eficaz.
Um comentário:
Algumas aldeias da Espanha e Portugal que hoje estão vazias devido à mecanização, desemprego e êxodo rural poderiam fazer o mesmo!
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