sexta-feira, 28 de novembro de 2014

FALANDO SOBRE NADA

A última postagem do blog parece ter sido escrita a séculos - quando na verdade lá se vão 24 dias. Se considerar então que, de 18 de outubro até hoje foram apenas dois textos, a coisa atinge uma alarmante crise nos moldes da anunciada em tom apocalíptico pela imprensa em torno dos primeiros passos do segundo mandato da Dilma.

Mas carrego comigo uma máxima: não escrever sobre nada. Se pegarmos o imenso volume de matérias, reportagens e opiniões veiculadas nos últimos 40 dias, teremos uma rala essência de assuntos nem tão interessantes assim, à maioria da população.

Um assunto que talvez valha um parágrafo é sobre a trégua olímpica, ou a falta dela. Remontando aos gregos, esse cessar fogo temporário tinha o objetivo de estabelecer um período de paz durante a realização dos Jogos Olímpicos. Denominada "Ekecheiria", que em grego significa “dar as mãos”, durante sua vigência atletas, artistas e suas famílias, bem como peregrinos comuns, poderiam viajar em total segurança para participar ou assistir aos Jogos e voltar posteriormente às suas origens. Originalmente a trégua começava sete dias antes dos Jogos e durava mais sete dias após, mas depois foi estendido para cinquenta dias antes e depois.

Esse instituto foi adaptado às modernas democracia ocidentais. Consta que um governo tem 100 dias de trégua da oposição e da imprensa (que no Brasil são a mesma coisa) para arrumar a casa e aprumar o rumo que pretende seguir. Deste feita, não houve sequer resquícios do espírito esportivo e cavalheiresco que dão forma a essa conduta. O mandato ainda não começou e já foi atacado em todas as frentes. Só de ameaças de golpe, temos um rol de modelos: os delirantes, que sonham em acordar os milicos de pijama, os segregacionistas, que pretendem dividir o país, e várias modalidades do "Golpe Paraguaio", daqueles que perdem a eleição na urna e recorrem ao judiciário para reverter a derrota, sugerindo fraudes, irregularidades, ou mesmo pelo conluio das forças do atraso com o poder togado.

Outro assunto que desperta uma falsa celeuma é a formação dos ministérios. Há críticas de todos os lados. Guilherme Boulos, líder do MTST, ironiza a composição conservadora indicando Lobão, Bolsonaro e outras badalhocas para completar a trupe. Soaria engraçado, não tivesse sido escrito para a Folha. É só ler os comentários para perceber que o autor não atingiu o público do jornal com seu chiste. Se torna cada vez mais ridículo alguém com visão progressista usar um veículo tosco como aquele jornal. Na versão escrito, não duvido que ele dividiria a página com suas próprias sugestões.

Agora engraçado mesmo, ainda que (e talvez por isso) se trate de humor involuntário é a postura da oposição, que define as escolhas de Dilma como "estelionato eleitoral". O tempo inteiro os jornais dizem que o governo vai ter que acalmar os mercados, que isso, que aquilo, e quando acontece a oposição grita como se tivessem roubado suas (raras) ideias. É cada vez mais patético o papel de maus perdedores desse pessoal, O guru de Marina Silva vai na mesma linha, afirmando que Dilma fez petistas de palhaços. Tão infantil quanto querer jogar Lula contra Dilma. Quer dizer que eles cometeriam estelionato eleitoral se ganhassem? Ou eles teriam carta branca para jogar às favas os compromissos sociais? Ou a Dilma traiu o povo e eles são a salvação para NÃO fazer o que o povo quer?

Na verdade, eu não queria escrever sobre isso. É pequeno demais rir de quem vem mostrando sistematicamente ser mais merecedor de piedade do que qualquer coisa. Queria escrever algo sobre a palestra do prof. Paulo Arantes, tratando da Nova Direita como fenômeno mundial com reflexos nas últimas eleições brasileiras. Ou sobre a Nova Esquerda, representada pelo PODEMOS espanhol e o SYRIZA grego. Mas na verdade, estou envolvido com as prestações que vencem, com uma cobrança injusta da qual tento me desvencilhar. Além disso, a patroa adotou um gatinho achado no lixo, com a patinha frouxa, ou quebrada, ou com defeito de nascença. e além disso, a nossa cachorra mais velha, de 13 anos vem sofrendo com uma hérnia de disco e inspirando todos os cuidados do "papito", este que vos bloga.

Como se vê, tenho assuntos muito mais importantes para cuidar do que falar da histeria dos derrotados.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

A DOENÇA DE MATAR POBRE

Ainda não concluímos a transição de mandatos, passadas as eleições. O chororô é proporcional às necessidades do sistema Cantareira. Quando cada assunto com potencial de desequilíbrio começa a esvanecer, surge algo para requentá-lo e dar seguimento ao plano maior de desestabilização do governo brasileiro.

Alguém se lembra da Copa? Do clima criado antes da Copa? As obras não ficariam prontas, o caos aéreo seria instalado, viveríamos um apagão, um surto de dengue de magnitude bíblica, os protestos de rua tumultuariam o país, enfim, passaríamos vergonha perante o mundo.

Tirando a seleção, essa foi a Copa das Copas, escolhida por torcedores de todo mundo.

Agora, o filme se repete: indisposição ao diálogo, afronta no Congresso, recontagem dos votos, impeachment da presidenta, e apelos à intervenção militar, seja brasileira ou americana. Tudo sintetizado nesse tweet do José Anibal.

Nada responderia melhor a esse cenário que um provérbio árabe:

"Os cães ladram, e a caravana passa".

Nesse prenúncio do Apocalipse, pintado em cores macabras pela imprensa golpista, não poderia faltar uma ameaça à saúde pública. Eles, que fracassaram na campanha contra o Mais Médicos, tentam impingir com tons alarmantes e irresponsáveis, um pânico na população: a epidemia do Ebola.

O ministro da saúde, Arthur Chioro, tem se dedicado a esclarecer a população sobre os cuidados com a doença e a contestar o sensacionalismo inconsequente do PIG. Aliás, nesse particular, é tarefa de todo membro do governo desmentir o festival de boatos e calúnias proferidos pela imprensa que se arvora oposição quando conveniente, mas que rechaça toda crítica como "atentado à liberdade de expressão", e mama sofregamente nas tetas da publicidade governamental.

O Ebola não é transmissível no ar. A forma de contágio é pelo contato com as secreções do infectado (secreções... lembrei do Fidelix). Esse é o motivo primordial de muitos profissionais de saúde que manipularam doentes terem se contaminado. Os cuidados com equipamentos de proteção, como luvas e máscaras devem ser redobrados. Na África, e em locais onde as condições de higiene são precárias, a doença se alastra como rastilho de pólvora. As trágicas consequências humanitárias são agravadas pela ausência completa do Estado nas condições sanitárias da população.

E é aí que entram as políticas sociais do governo. Estamos longe da perfeição, mas 85,3% das residências contam com água tratada, 64,3% está integrada em algum sistema de coleta de esgoto e 89,8% têm a coleta de lixo na porta. Os dados são referentes à pesquisa PNAD de 2013 do IBGE, que registrada melhoras percentuais, em comparação com o ano de 2001 de 5,3%, 10,9% e 7,7% em cada um desses serviços básicos, respectivamente.

Um pequeno adendo: só se faz saneamento básico com recursos públicos. O egoístico interesse particular encontra limite na sua própria natureza: a busca do lucro por si só. No Brasil, é um banco público que responde por essa demanda social, oferecendo tanto os recursos quanto o suporte técnico operacional para realização das obras. Dá para imaginar isso privatizado?

Há uma expressão latina usada no direito, "erga omnes", que significa contra todos, aquilo que pode ser aplicação contra ou favor de todos, sem exceção. É algo "democrático" no sentido atual do termo. A AIDS é uma doença democrática, pois todo mundo faz sexo. A dengue é uma doença democrática, porque todo mundo é porco (e deixa água parada para o mosquito procriar). Já o Ebola não é democrático: mata apenas os pobres, os que não acenderam às mínimas condições de dignidade e higiene.