terça-feira, 4 de novembro de 2014

A DOENÇA DE MATAR POBRE

Ainda não concluímos a transição de mandatos, passadas as eleições. O chororô é proporcional às necessidades do sistema Cantareira. Quando cada assunto com potencial de desequilíbrio começa a esvanecer, surge algo para requentá-lo e dar seguimento ao plano maior de desestabilização do governo brasileiro.

Alguém se lembra da Copa? Do clima criado antes da Copa? As obras não ficariam prontas, o caos aéreo seria instalado, viveríamos um apagão, um surto de dengue de magnitude bíblica, os protestos de rua tumultuariam o país, enfim, passaríamos vergonha perante o mundo.

Tirando a seleção, essa foi a Copa das Copas, escolhida por torcedores de todo mundo.

Agora, o filme se repete: indisposição ao diálogo, afronta no Congresso, recontagem dos votos, impeachment da presidenta, e apelos à intervenção militar, seja brasileira ou americana. Tudo sintetizado nesse tweet do José Anibal.

Nada responderia melhor a esse cenário que um provérbio árabe:

"Os cães ladram, e a caravana passa".

Nesse prenúncio do Apocalipse, pintado em cores macabras pela imprensa golpista, não poderia faltar uma ameaça à saúde pública. Eles, que fracassaram na campanha contra o Mais Médicos, tentam impingir com tons alarmantes e irresponsáveis, um pânico na população: a epidemia do Ebola.

O ministro da saúde, Arthur Chioro, tem se dedicado a esclarecer a população sobre os cuidados com a doença e a contestar o sensacionalismo inconsequente do PIG. Aliás, nesse particular, é tarefa de todo membro do governo desmentir o festival de boatos e calúnias proferidos pela imprensa que se arvora oposição quando conveniente, mas que rechaça toda crítica como "atentado à liberdade de expressão", e mama sofregamente nas tetas da publicidade governamental.

O Ebola não é transmissível no ar. A forma de contágio é pelo contato com as secreções do infectado (secreções... lembrei do Fidelix). Esse é o motivo primordial de muitos profissionais de saúde que manipularam doentes terem se contaminado. Os cuidados com equipamentos de proteção, como luvas e máscaras devem ser redobrados. Na África, e em locais onde as condições de higiene são precárias, a doença se alastra como rastilho de pólvora. As trágicas consequências humanitárias são agravadas pela ausência completa do Estado nas condições sanitárias da população.

E é aí que entram as políticas sociais do governo. Estamos longe da perfeição, mas 85,3% das residências contam com água tratada, 64,3% está integrada em algum sistema de coleta de esgoto e 89,8% têm a coleta de lixo na porta. Os dados são referentes à pesquisa PNAD de 2013 do IBGE, que registrada melhoras percentuais, em comparação com o ano de 2001 de 5,3%, 10,9% e 7,7% em cada um desses serviços básicos, respectivamente.

Um pequeno adendo: só se faz saneamento básico com recursos públicos. O egoístico interesse particular encontra limite na sua própria natureza: a busca do lucro por si só. No Brasil, é um banco público que responde por essa demanda social, oferecendo tanto os recursos quanto o suporte técnico operacional para realização das obras. Dá para imaginar isso privatizado?

Há uma expressão latina usada no direito, "erga omnes", que significa contra todos, aquilo que pode ser aplicação contra ou favor de todos, sem exceção. É algo "democrático" no sentido atual do termo. A AIDS é uma doença democrática, pois todo mundo faz sexo. A dengue é uma doença democrática, porque todo mundo é porco (e deixa água parada para o mosquito procriar). Já o Ebola não é democrático: mata apenas os pobres, os que não acenderam às mínimas condições de dignidade e higiene.

Um comentário:

Apelido disponível: Sala Fério disse...

Ótimo texto, Marco. Vou divulgar no TT. Reparo que no item saneamento básico ainda há vulnerabilidades grandes, já que quem é responsável por implementar os projetos são os prefeitos e nem sempre o fazem.
Abraço gde.!