sábado, 28 de maio de 2011

AS MESQUINHARIAS E A HISTÓRIA

[...] foi de mesquinharia em mesquinharia, de pequena em pequena coisa, que finalmente as grandes coisas se formaram.”

M. Foucault, “A verdade e as formas jurídicas” p: 16, 2003, Nau Editora, RJ

O filósofo francês, Michel Foucault (1926-1984), teve participação decisiva no debate epistemológico da segunda metade do século XX, questionando de cima a baixo, a visão clássica da filosofia ocidental, a respeito da ciência e da história. Junto com vários outros pensadores europeus e norte-americanos, colocou sob suspeita a existência de um conhecimento e de um “método científico” universal, e criticou a idéia de uma história humana evolutiva, progressiva e teleológica. Para Foucault, a história é descontínua, plural e dispersa, e “as coisas que parecem ser as mais evidentes, nascem sempre da confluência de encontros, acasos, ao longo de uma história frágil e precária.”

A visão da ciência e do conhecimento de Michel Foucault remete à uma discussão epistemológica extremamente complexa. Mas sua visão da história acabou se popularizando, ao se associar de forma simplificada à sua própria afirmação de que sempre houve alguma “mesquinharia” na origem de todos os grandes acontecimentos históricos. Como ele dizia, toda grande mudança teve “pequenos começos, baixos, mesquinhos, inconfessáveis.” O que Foulcault nunca explicou foi como identificar e distinguir uma “mesquinharia” que terá “grandes conseqüências”, de uma “mesquinharia” que será esquecida imediatamente pelos seus contemporâneos.

Com certeza, o problema não é simples nem fácil de responder. Basta comparar alguns acontecimentos bem conhecidos. Por exemplo, todos os que assistiram pela televisão, os atentados de 11 de setembro de 2001, tiveram certeza imediata de que estavam frente à uma “mesquinharia” que mudaria o rumo da história. Mas quase ninguém conseguiu perceber – na hora - a importância e as conseqüências catastróficas do tiro que foi dado pelo estudante Gavrilo Princip, de 19 anos de idade, no dia 28 de junto de 1914, na cidade de Sarajevo, na Boznia-Hersogovina, responsável pela morte do arquiduque Francisco Ferdinando, e de sua esposa, Sofia Chotek, herdeiros do trono da Áustria. Uma micro-história rocambolesca, que deu origem à Primeira Guerra Mundial, foi responsável por um dos maiores genocídios da história humana, e mudou radicalmente a história da Europa e do Mundo.

Outra dificuldade aparece quando se compara uma mesma “mesquinharia” e suas conseqüências, em momentos e contextos distintos. Como é o caso, por exemplo, da “compulsão sexual” do presidente Kennedy, que contribuiu para sua aura de jovem rico, de sucesso e traquinas. Ao contrário do presidente Clinton, que tinha o mesmo entusiasmo sexual, e quase sofreu um impeachement por conta de sua relação com Monica Lewinski, que paralisou inteiramente o seu segundo mandato. Para não falar do caso mais recente do senhor Dominique Strauss-Kahn, que perdeu a presidência do FMI e da França (provavelmente), graças às suas “mesquinharias sexuais”. Ou seja, como se pode ver, não é fácil de saber, de antemão, quais mesquinharias ficarão e quais irão para a lata de lixo da história.

Agora mesmo, o Brasil está vivendo uma experiência epistemológica extremamente interessante e ilustrativa a respeito deste assunto. O caso de um mesmo personagem político, que comete duas vezes duas “mesquinharias” parecidas, mas com conseqüências opostas.

Primeiro, foi a quebra do sigilo bancário do jardineiro Francenildo, e agora foi a denúncia do seu enriquecimento súbito, segundo parece, no tráfico de influências dentro do setor público. O mais provável é que estas duas mesquinharias tivessem passado desapercebidas, caso se tratasse apenas de um homem comum, sanitarista de interior, ou representante de algum laboratório produtor de vacinas, com grande compulsão financeira e que subiu rápido na vida fazendo uso de suas boas relações publicas. Mas tudo isto muda obviamente de figura e importância quando se está falando de um homem de Estado, que esteve situado no epicentro da política econômica, e agora supervisiona as nomeações e decisões estratégicas de um governo em pleno processo de formação.

No caso do jardineiro Fracenildo, o afastamento do Ministro da Fazenda permitiu uma virada à esquerda que abriu as portas para o sucesso do segundo governo Lula. Mas neste segundo caso, as conseqüências que estão em pleno curso estão apontando numa direção absolutamente oposta. Graças às novas “mesquinharias financeiras” do mesmo personagem, o que vinha sendo apenas um governo insípido e tecnocrático – de economistas para economistas – agora está assumindo a imagem do seu principal condutor político: a de um velho lobbista do setor privado, junto aos centros de poder responsáveis pelas compras, vendas e investimentos do setor público; e a de um representante político ativo, e membro novo-rico da direita econômica.


José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

SEM INSPIRAÇÃO PARA UM TÍTULO

Este blog surgiu em meados de março do ano passado, após algumas conversas e troca de vários emails. Numa escala inferior, almejávamos, assim como o Sr. Cloaca, "desmascarar a máfia midiática que infesta nosso país".
Muita água rolou debaixo da ponte, desde então. O Sr. Cloaca virou um fenômeno de popularidade e nós, bem nós continuamos aqui. Ou melhor, mudamos muito também. Convidei pessoas próximas, com afinidades entre elas ou não, mas cujas idéias também não se conformavam com a visão enviesada que a imprensa nacional dá aos acontecimentos.
Li alguns tutoriais de "como tornar seu blog mais popular" e a dica que mais me interessou foi uma que dizia para fazer comentários nos blogs afins. Assim, eu cheguei no Esquerdopata e no Anais Políticos, entre outros.
Só que logo em maio passado eu mudei de cidade; na verdade, para uma corrutela, donde meu acesso ficou prejudicado. Tive grandes perdas, imateriais, perto das quais a manutenção de um blog é a menor das querelas. Passo muito tempo sozinho, matutando, mas esses raciocínios se perdem antes de se formularem aqui. Eu mudei o significado de muita coisa. Os demais participantes do Antipig, sempre dispostos à luta, também acabaram consumindo suas energias noutras atividades, deixando o blog em segundo plano. Nem sei se devia dizer; contudo, não vou nomear. Um deles vem travando uma batalha contra a tendinite/tenosinuvite que já dura uns anos. Outro, se mandou para um doutorado. O mais radical foi mais radical: se separou, mudou de emprego e cidade. E o mais jovem deles, passou a dar aulas numa jornada pré-marxista de 16 horas-aula/dia. Isso é um resumo indigno das obstruções que o Antipig sofreu.
"Já de saída minha estrada entortou, mas vou até o fim". Ainda fez todo sentido escrever durante a campanha eleitoral. No calor da disputa, entre agosto e a eleição de Dilma Roussef foram mais de 50 postagens, a maioria delas autoral. Agora com os ânimos arrefecidos, vejo que até mesmo o companheiro de armas Esquerdopata nos retirou da sua lista de últimas notícias. Por certo por não trazermos nenhuma notícia nova.
Continuo lendo, sempre que possível, PHA, Azenha, Rodrigo Vianna, Eduardo Guimarães, Nassif, Miguel do Rosário, e outros de menor audiência, não necessariamente nesse ordem. Sem ironia, acho-os inteligentes pra burro! Na imensa maioria das vezes, me sinto representado por seus textos, seus argumentos, seus comentários. Penso em replicar artigos aqui, mas prefiro repassá-los por email, direcionando as mensagens para que eu quero atingir. Publicadas, a audiência é dispersa, quando não, nula. Em um ou outro caso pontual fico enfastiado, pois percebo que a batalha para se impor como um nova ótica, a que se opõe aos barões da mídia, é travada num território mesquinho, de picuinhas e reticências que não me emocionam nem um pouco. Sem dúvida que é necessária, mas nem por isso deixa de ser enfadonha.
Nos últimos dias, li algumas notícias que ensejariam algo a respeito. Um artigo de Vladimir Safatle, na FSP, com a declaração de um escroto ministro dinamarquês de que eles não são um Estado-Nação moderno, mas um tribo! Há algo de podre do reino da Dinamarca, a xenofobia explícita. Logo, temos que nos ater a um "programa diferenciado", para gente diferenciada, sacada legal do Antonio Farinaci: baladas de até R$ 15,00 (quando não na faixa) para quem perdeu o churrascão de Higienópolis. Pena que é só em Sampa...
Numa linha mais "séria", o cartunista (!) Maringoni desce à profundidade para analisar a relação dos governos petistas, de Lula a Dilma, com os demais partidos e com a classe trabalhadora. Extenso, polêmico, serviria de plataforma para um rico debate. Mas como ninguém comenta nada aqui, é melhor o Escrevinhador assumir sua republicação.
Mas voltando ao humor, lembrarei do Ziraldo: "É da natureza do humor ser impiedoso. O humor é o fiscal da falibilidade humana. Aceito que, às vezes é irresistível fazer uma piada sobre coisas tristes, mas, sem querer parecer bonzinho, sou meio desajeitado para bater em cara amarrado. Chamo 'bater em cara amarrado' o que se pode chamar de síndrome de Lynch. O cara passa por uma multidão que está linchando alguém, vê o pobre do linchado amarrado ao poste, vai lá e dá a sua porradinha". Como têm sido infelizes os membros do CQC. E eles prometiam tanto. Primeiro, o cretino pseudo-sagaz Rafinha Bastos faz uma exortação ao estupro como ato de caridade, espezinhando as vítimas, todas, segundo ele, feias. Segundo ele, para "chocar". Depois, Danilo Gentili querendo fazer gracinha em cima do episódio da estação de metrô em Higienópolis, faz remissão aos judeus do bairro e os vagões que conduziam à Auschwitz. Para completar o cenário de cooptação, Marcelo Tas, tal qual seu xará, Marcelo Madureira, no Instituto Millenium, grasnando qualquer verborragia contra o PT em nome da "liberdade de imprensa". Nem vou linkar essas merdas de notícia. O que resta é que o humor "politicamente incorreto" virou "politicamente fascista". Mas evitemos, custe o que custar, a expressão "fascista", pois "fascista" é politicamente incorreto". Entenderam?
Para finalizar (nem vou entrar na polêmica imbecil acerca do livro 'Por uma vida melhor': as motivações dos críticos são torpes demais), mais uma vez Palocci está na berlinda. Primeiro, li a análise do Brizola Neto, para quem todo esse alarme tem um alvo indireto, a presidenta Dilma. Mas simpatizo mais com a tese do Marco Aurélio Mello: Palocci devia pegar o boné, antes de se perder no discurso de que todos fazem...
Aprendi na 4.ª série, além dos primeiros passos na gramática normativa, que o que não pode ser dito não deve ser feito...

domingo, 8 de maio de 2011

A ERA DA MENTIRA

O historiador inglês Eric John Earnest Hobsbawn (assim por erro de escrituração; o certo seria Hobsbaun) nos legou magníficos estudos sobre a Idade Contemporânea. Falo especificamente de quatro livros. Não que o restante de sua obra seja inferior, pelo contrário. É que esses quatro apóiam uma linha cronológica sólida, que faz do conhecimento da História uma poderosa ferramenta para indicar as tendências do futuro.
O primeiro deles chama-se A Era das Revoluções e se detém no período entre a Revolução Francesa (1789) até a Primavera dos Povos (1848). Em sequência, temos A Era do Capital, que trata dos eventos históricos ocorridos entre 1848 e 1875, período que marca o início da Long Depression. Após esse ínterim de relativa paz, tivemos A Era dos Impérios, de predominância das potências imperiais e da política colonialista, que vai até a Primeira Guerra Mundial (1875-1914). Hobsbawn fecha esse ciclo com o laureado A Era dos Extremos, que narra a dramaticidade dos acontecimentos do século XX, de 1914 com a eclosão da primeira grande guerra à extinção da União Soviética, em 1991.
A partir de então, um morto insepulto reemerge das catacumbas com o apetite mais voraz que nunca. É o liberalismo econômico, na sua faceta mais cretina, o neoliberalismo. Como uma praga a devastar plantações, vai consumindo os Estados constituídos sob a égide do socialismo, um a um. De uma hora para outra brotam magnatas do leste europeu, notadamente russos, que orbitam o recém empossado poder político "democrático", logrando favores pornográficos nos processos de privatização dos bens coletivos.
Com relação à política de privatização dos serviços públicos, ela caminha pari passu com o achaque dos direitos sociais e trabalhistas. Registre-se que isso acontece também nos países alinhados à única potência hegemônica. Pela primeira vez em alguns séculos, vemos regredirem as condições de vida da população. E sob a impostura de um discurso de modernidade, de novas oportunidades.
Iniciamos assim uma nova época. Um faz de conta, onde o cidadão é o iludido, e passivamente assiste tudo como se a um show de prestidigitação. Os exemplos se proliferam do mais prosaico aos maiores engôdos da história. Em meados da década de 90, eu comprei um salgadinho, uma batata frita, que era feita de milho!
Mais adiante, diante da contestação à legitimidade do governo de George W. Bush, o embuste transbordou o mercado e migrou para a oficialidade. Desde 11 de setembro de 2001, o bom senso nos faz duvidar de tudo: cadê os destroços do avião que caiu no Pentágono? E as armas de destruição em massa do Iraque? A tecnologia haarp será usada? Com que fins sinistros ou sombrios?
A identidade cultural do estadunidense médio foi calcada sobre uma credulidade religiosa. Os fundadores da sociedade foram os pilgrim fathers, religiosos perseguidos na Inglaterra e na Holanda que ocuparam a América do Norte como se fosse a terra prometida, pregando a Bíblia com estacas e martelos nos corpos dos índigenas. Para não alongar muito, esse povo beato, donde nasceram excrescências como o Destino Manifesto e a Doutrina Monroe, também criou o regime presidencialista, com a peculiaridade de que o chefe de Estado e Governo é basicamente um monarca com mandato determinado. Durante sua investidura no cargo, ele é o representante de Deus na terra. Logo, quando esse iluminado faz da patranha a principal justificativa de seus atos, às pessoas sobram poucas alternativas: ou absorvem essa arenga como revelação, em sinal de patriotismo, ou as paranóias conspirativas passam a fazer parte do cotidiano enaltecendo a dúvida como condição máxima de humanidade. Não a dúvida cartesiana, mas a aflição de fazer parte - involuntariamente - de um teatro cujas representações terão consequências terrivelmente reais. Mudaram o eleito, mas não mudaram os métodos: por que Osama foi assassinado de forma tão misteriosa?
Vivemos numa crise de representação de realidade. Nada é o que parece ser. Estamos sob o regime da farsa, onde nem a honesta mentira é possível. Mesmo uma proposição mentirosa não deve afirmar que não é uma proposição, no entanto sob o regime da farsa uma proposição é, de verdade, uma ação autoritária, que inviabiliza qualquer reflexão. Quando previsões, projetos, organizações e realizações concretas no campo social são farsas, não há como pensá-las. Ver o corpo de Osama provaria o que? Quem o conhece? Você acreditaria no exame de DNA feito pela C.I.A.? Com corpo ou sem corpo, o mundo se tornou um lugar pouco crível.
Se Hobsbawn, do alto de seus 94 anos, ainda tiver como escrever um livro retratando o lapso temporal de 1991 até hoje, o título bem que poderia ser A Era da Mentira. Vivemos a Era da Mentira. Do mundo moderno. Do mundinho merda.