domingo, 8 de maio de 2011

A ERA DA MENTIRA

O historiador inglês Eric John Earnest Hobsbawn (assim por erro de escrituração; o certo seria Hobsbaun) nos legou magníficos estudos sobre a Idade Contemporânea. Falo especificamente de quatro livros. Não que o restante de sua obra seja inferior, pelo contrário. É que esses quatro apóiam uma linha cronológica sólida, que faz do conhecimento da História uma poderosa ferramenta para indicar as tendências do futuro.
O primeiro deles chama-se A Era das Revoluções e se detém no período entre a Revolução Francesa (1789) até a Primavera dos Povos (1848). Em sequência, temos A Era do Capital, que trata dos eventos históricos ocorridos entre 1848 e 1875, período que marca o início da Long Depression. Após esse ínterim de relativa paz, tivemos A Era dos Impérios, de predominância das potências imperiais e da política colonialista, que vai até a Primeira Guerra Mundial (1875-1914). Hobsbawn fecha esse ciclo com o laureado A Era dos Extremos, que narra a dramaticidade dos acontecimentos do século XX, de 1914 com a eclosão da primeira grande guerra à extinção da União Soviética, em 1991.
A partir de então, um morto insepulto reemerge das catacumbas com o apetite mais voraz que nunca. É o liberalismo econômico, na sua faceta mais cretina, o neoliberalismo. Como uma praga a devastar plantações, vai consumindo os Estados constituídos sob a égide do socialismo, um a um. De uma hora para outra brotam magnatas do leste europeu, notadamente russos, que orbitam o recém empossado poder político "democrático", logrando favores pornográficos nos processos de privatização dos bens coletivos.
Com relação à política de privatização dos serviços públicos, ela caminha pari passu com o achaque dos direitos sociais e trabalhistas. Registre-se que isso acontece também nos países alinhados à única potência hegemônica. Pela primeira vez em alguns séculos, vemos regredirem as condições de vida da população. E sob a impostura de um discurso de modernidade, de novas oportunidades.
Iniciamos assim uma nova época. Um faz de conta, onde o cidadão é o iludido, e passivamente assiste tudo como se a um show de prestidigitação. Os exemplos se proliferam do mais prosaico aos maiores engôdos da história. Em meados da década de 90, eu comprei um salgadinho, uma batata frita, que era feita de milho!
Mais adiante, diante da contestação à legitimidade do governo de George W. Bush, o embuste transbordou o mercado e migrou para a oficialidade. Desde 11 de setembro de 2001, o bom senso nos faz duvidar de tudo: cadê os destroços do avião que caiu no Pentágono? E as armas de destruição em massa do Iraque? A tecnologia haarp será usada? Com que fins sinistros ou sombrios?
A identidade cultural do estadunidense médio foi calcada sobre uma credulidade religiosa. Os fundadores da sociedade foram os pilgrim fathers, religiosos perseguidos na Inglaterra e na Holanda que ocuparam a América do Norte como se fosse a terra prometida, pregando a Bíblia com estacas e martelos nos corpos dos índigenas. Para não alongar muito, esse povo beato, donde nasceram excrescências como o Destino Manifesto e a Doutrina Monroe, também criou o regime presidencialista, com a peculiaridade de que o chefe de Estado e Governo é basicamente um monarca com mandato determinado. Durante sua investidura no cargo, ele é o representante de Deus na terra. Logo, quando esse iluminado faz da patranha a principal justificativa de seus atos, às pessoas sobram poucas alternativas: ou absorvem essa arenga como revelação, em sinal de patriotismo, ou as paranóias conspirativas passam a fazer parte do cotidiano enaltecendo a dúvida como condição máxima de humanidade. Não a dúvida cartesiana, mas a aflição de fazer parte - involuntariamente - de um teatro cujas representações terão consequências terrivelmente reais. Mudaram o eleito, mas não mudaram os métodos: por que Osama foi assassinado de forma tão misteriosa?
Vivemos numa crise de representação de realidade. Nada é o que parece ser. Estamos sob o regime da farsa, onde nem a honesta mentira é possível. Mesmo uma proposição mentirosa não deve afirmar que não é uma proposição, no entanto sob o regime da farsa uma proposição é, de verdade, uma ação autoritária, que inviabiliza qualquer reflexão. Quando previsões, projetos, organizações e realizações concretas no campo social são farsas, não há como pensá-las. Ver o corpo de Osama provaria o que? Quem o conhece? Você acreditaria no exame de DNA feito pela C.I.A.? Com corpo ou sem corpo, o mundo se tornou um lugar pouco crível.
Se Hobsbawn, do alto de seus 94 anos, ainda tiver como escrever um livro retratando o lapso temporal de 1991 até hoje, o título bem que poderia ser A Era da Mentira. Vivemos a Era da Mentira. Do mundo moderno. Do mundinho merda.

Um comentário:

Márcio Scott Teixeira disse...

Tanto esse texto quanto outro que você me enviou no e-mail lembram um post anterior d'oantipig que mencionava como o capitalismo subvertia os interesses públicos para que estes lhe servissem, seguem aquela velha máxima de que quem detém a informação detém o poder