Comecei a ler "O Príncipe da Privataria", de Palmério Dória. Sem delongas, gostaria de deixar registradas minhas primeiras impressões, no calor da leitura e no frescor da memória.
1. Estou na página 127, de um total de 368. Pouco mais de um terço.
2. Confesso uma pequena decepção. Minha expectativa era de um livro denúncia, lautamente recheado com provas e documentos, como "A Privataria Tucana", do Amaury Ribeiro Jr. Não se trata disso. Até onde estou, é quase uma biografia não autorizada de FHC, sua trajetória pessoal e política. Outrora denominado príncipe dos sociólogos, manteve o título de realeza, alterando somente o objeto de seu mandato.
3. Na realidade, o mérito do autor, Palmério Dória, é sistematizar e dar ordem cronológica a uma série de episódios de nossa recente história que são de domínio público, ainda que de maneira forçada sejam omitidos na grande imprensa. O próprio escritor participou, à época, de várias das reportagens e entrevistas mencionadas no livro. Como disse o poeta espanhol George Santayana, "Aqueles que não podem lembrar o passado, estão condenados a repeti-lo". Ou ainda Marx: "A história acontece como tragédia e se repete como farsa".
4. Depois de um empolgante testemunho do dono da editora, sobre as prováveis (certeiras) implicações jurídicas da publicação desta obra, que expõe as vísceras tucanas, o autor relembra a fofoca do filho de FHC fora do casamento. É bom frisar a data: 1991. Lula havia perdido a eleição dois anos antes justamente por causa da denúncia forjada pela campanha de Collor acerca de sua filha, Lurian, que nem era bastarda, nem era de fora do casamento, pois havia nascido no período entre a morte de sua primeira esposa e o segundo casamento, com Marisa.
5. Segundo Dória, o filho de FHC com uma jornalista da rede globo era o típico "segredo de polichinelo", daqueles que todos sabem nos corredores de Brasília, e foi ocultado pelo PIG até a morte de Ruth Cardoso, ex-mulher de FHC. Lula não usou esse argumento na campanha eleitoral de 1994. Nem em 1998.
6. Para FHC, acerca do Caixa Dois, o que caracteriza seu grupo é que "nós gastamos o dinheiro nas campanhas, enquanto eles enfiam uma boa parte em seus próprios bolsos" (pág. 10). Raciocínio firmemente contestado por José Eduardo Andrade Vieira, ex-proprietário do Banco Bamerindus e financiador da campanha de 1994 (capítulos 8 e 9). Já Lula poderia dizer que, entre as inúmeras e abissais diferenças entre o seu jeito de fazer política e o de FHC, está o fato de que não explora os dramas pessoais alheios para obter vantagem eleitoral.
7. Aliás, resta claro que Lula foi roubado três vezes antes de vencer a eleição presidencial de 2002. Em 89, citamos a denúncia sobre Lurian (a mãe da menina, Miriam Cordeiro, aparecia no horário eleitoral de Collor dizendo que Lula teria forçado-a ao aborto, mas ela resistiu). Hoje, Collor se envergonha do episódio, mas o fato é que ele foi levado a público na véspera da votação do 2.º turno, não dando sequer tempo para esclarecimento da situação. Também houve o sequestro do empresário Abílio Diniz, onde os criminosos, uma vez presos, teriam sido flagrados com material de campanha do PT, o que só foi desmentido após a votação. E a pior de todas, a edição do debate final, feita pela rede globo, com favorecimento explícito a Collor, exibindo seus melhores momentos e os piores do Lula. A farsa já foi assumida tanto por Armando Nogueira quanto por Boni, dois cardeais do Cosme Velho.
8. Em 1994, o plano Real foi o estelionato eleitoral. FHC, pintado em cores fortes como o "pai do Real", havia se desincompatibilizado do cargo em abril. O Real entra em cena em julho. Mesmo assim, as primeiras cédulas saíram com a assinatura de FHC, como Ministro da Fazenda. Uma pesquisa citada no livro nos dá conta que no meio do ano, Lula tinha 42% das intenções de voto contra 8% de FHC. (pág. 52). No final do ano FHC foi eleito com 54% dos votos, contra 27% do petista. E após FHC ultrapassar Lula não houve mais debates na TV com a participação do tucano. Nem mesmo no pleito seguinte, em 1998. Somente em 2002 se retomou o hábito do candidato líder nas pesquisas debater propostas com seus adversários. Com Lula. E Palmério Dória nos refresca ainda mais a memória mostrando como tucanos aparelham a máquina administrativa para ganhar eleições: nas págs. 60 e 61, é mostrada uma reportagem baseada num documento "confidencial" da SAE - Secretaria de Assuntos Estratégicos, vazado para o Estadão, que mistura a paranoia anticomunista da ditadura com o medo do Lula e afirma que os sem-terra, fortemente armados, treinavam uma guerrilha na região do bico do Papagaio, como o PCdoB já havia feito em 1966. A matéria feriu gravamente a candidatura lulista, pois o PT se confundia com o MST.
9. Em 1998, parte que ainda estou lendo, há a pior de todas as falcatruas tucanas: a compra da emenda da reeleição. Mais detalhes no livro, ou quando eu concluir a leitura. O irônico é que se empenharam tanto nos subornos para garantir a reeleição casuística depois de votarem contra encaixá-la na Constituição de 1988, por receio de Lula inciar uma série de mandatos, e acabaram por desperdiçá-la em apenas oito anos. Hoje, depois dos dois mandatos de Lula e a caminho do segundo de Dilma, os tucanos se misturam aos black blocs e anonymous para pugnarem o fim do instituto da reeleição.