sábado, 24 de maio de 2014

A RAPOSA E O GALINHEIRO



Um grande amigo, que faz críticas ao governo petista pela esquerda, costuma dizer que se fosse para implantar o neoliberalismo, era melhor votar nos especialistas da matéria, os políticos da direita. Infelizmente, não podemos assumir esse discurso. Ainda que compartilhemos dessa idéia, qualquer crítica soaria como abandono de posição, como capitulação no meio da batalha. Vivemos numa era de profunda hipocrisia, e as maiores se escondem em neologismos e num linguajar especial para camuflar as reais intenções do interlocutor.

Macaco Simão percebeu isso há algum tempo no vocabulário usado pelos correligionários do PSDB, o tucanês. Nesse dialeto, cheque sem fundo vira “documento de ordem de pagamento imediato sobre banco ou casa bancária, para satisfazer uma dívida, em que há excesso de despesa em relação à receita”; o gordo oferece uma “imagem corporal alternativa”; “informalidade ocupacional” é o famoso biscatear; e o racionamento por falta d’água é tratado como “rodízio por estresse hídrico”.

Ao que tudo indica, nessa campanha parece que eles se ofenderam com a fama que lhes é imputada e rasgaram o dicionário tucanês. Num belo dia, ao invés de propor “ajustes necessários ao recrudescimento das decisões afetas às classes majoritárias”, Aécio Neves, num raro momento de lucidez, prometeu medidas impopulares. Que ele é partidário do arrocho, pelos professores mineiros 150 dias em greve, criminalização dos movimentos sociais e fechamento de qualquer canal de diálogo com a sociedade, já sabíamos. Inédito é assumir, em termos nada pudicos, que o povo que se lasque. No receituário neoliberal, governo bom é governo para minoria.

No mesmo diapasão, o guru e mentor Armínio Fraga, responsável pelo "programa de organização financeira e administração fazendária do presidenciável" (traduzido do tucanês significa: aquele que está de olho na chave do cofre), reclamou que o salário mínimo está alto. Noutras eras, mediria palavras, ao afirmar que “as demandas empresariais sofrem grande pressão pela massa pecuniária direcionada aos colaboradores das organizações”.



Talvez sintam-se confortáveis para expressar tranquilamente o pensam pela segurança que o PIG lhe oferece. Só que isso não rende voto. Até agrada aos suscetíveis eleitores que congregam o contingente denominado “antipetista”. Votos ideológicos e conscientes apenas do 1% que controla a maior parte do capital.

Tanto é assim, que um elogio do PIG acabou por revelar mais do que devia. Timothy Geithner, ex-secretário do tesouro americano, sugeriu a Barack Obama o nome de Armínio Fraga para o banco central americano, o Federal Reserve. É bom lembrar que o Fed é diferente do BACEN, subordinado ao Estado brasileiro: o FED é uma instituição privada que defende bancos privados. É isso que o mercado clama quando pede mais "autonomia" ao Banco central brasileiro.

Armínio, que entende ser o momento do Brasil se "reengatar nas grandes economias mundiais", ex-presidente do BACEN no governo FHC, foi chamado de “confiável e competente”, além de “líder notável” por Geithner em seu livro de memórias, Stress Test – Reflexões sobre Crises Financeiras, onde rememora a crise financeira global de 1998, que levou à desvalorização do real, após um período de paridade com o dólar.

Prossegue o ex-secretário: “Após abandonar uma tentativa inicial de se manter a paridade do real com o dólar, uma liderança econômica soberba do Brasil conseguiu dar a volta por cima em poucos meses”. Ao explicar os pacotes de ajuda do governo norte-americano, acrescenta que “só funcionaram quando lidamos com líderes competentes e confiáveis”.

“O presidente do banco central brasileiro, Armínio Fraga, que também possui cidadania americana, foi tão notável que mais tarde eu o mencionei para o presidente Obama como um potencial presidente do Fed (o BC americano)”, escreve.

Aí está cereja do bolo. Para ser cidadão estadunidense, são necessários vários requisitos: 18 anos, residir nos EUA por cinco anos consecutivos e estar presente fisicamente no país, bons antecedentes, proficiência no inglês, conhecimentos da história e do governo dos EUA e fazer o voto de lealdade. O voto de lealdade é uma espécie de juramento à bandeira, que implica em renunciar a fidelidades estrangeiras, endossar à Constituição ianque e servir aos Estados Unidos, como parte das forças armadas ou por serviços civis.

Esse é o cara que querem colocar para comandar nossa economia. O teor do voto de lealdade, numa tradução aproximada, é o seguinte: “Juro (ou afirmo) solenemente que apoiarei e defenderei a Constituição dos Estados Unidos contra todos os inimigos, estrangeiros e domésticos; que prestarei verdadeira fé e lealdade à mesma; e que aceito esta obrigação livremente, sem qualquer reserva mental, ou intenção de evasão; Assim me ajude Deus”.

Estaríamos remontando Hans Christian Andersen, e a história da raposa cuidando do galinheiro? Ou, tucanando a fábula, “Aves deglutíveis sob atenta vigilância de canídeos em estado selvagem”? Como disse meu grande amigo, para um governo de exclusão social deveríamos eleger o PSDB. Contam com expertise e know how imbatíveis. Respeitando a mesma linha de raciocínio, para defender os interesses americanos e fuder de vez com a nossa soberania, nada melhor que colocar no timão da economia alguém que jurou lealdade aos Estados Unidos.

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