A eleição acabou, mas ainda são ouvidos os ecos de uma facção que não aceita as regras democráticas. Como disse uma prima, ao votar, você endossa o que as urnas apontam, seja favorável às suas ideias ou não. Infelizmente, não é o pensamento dominante entre os defensores do impeachment: insistem em absurdos, como a suposta supressão das liberdades individuais, vociferando contra o governo a plenos pulmões e por todos os canais possíveis e imagináveis.
Esse pessoal lembra os boleiros sulamericanos. Argentinos, chilenos, uruguaios e paraguaios são useiros e vezeiros desta prática: quando percebem a derrota iminente e que não têm mais forças para reagir, se entregam às botinadas, procuram todo tipo de confusão, tentam diminuir a conquista do rival, não aceitando o destino inglório da derrota.
Para não ser mal interpretado, esclareço que é apenas uma metáfora, pois eleição não é uma competição desportiva. Ninguém é obrigado a comemorar a derrota, mas sim a acatar o resultado legítimo que representa a voz do povo. Não existe o tal Fla x Flu eleitoral, como bem lembrou Ana Moser: você faz opções políticas racionais e, independente das escolhas da maioria, as mantém, de acordo com a força das suas convicções.
Outra tese berrada por essa turma é a da divisão do país. Um ícone das liberdades ameaçadas pelo governo, Romeu Tuma Jr.propôs um muro ao estilo Palestina x Israel, para dividir o Brasil entre o que ele gosta e o que ele despreza. É interessante que ele toma para seu lado MG e RJ, estados onde Dilma venceu e desdenha de RO, AC e RR, onde seu candidato saiu-se melhor. Deste "país da maravilhas" de Tuma Jr., saíram quase 30 dos 54 milhões de votos que elegeram Dilma Presidenta da República. Outro defensor das garantias ameaçadas pelo PT, o coronel Telhada dá ares de seriedade ao seu manifesto: "Já que o Brasil fez sua escolha pelo PT entendo que o Sul e Sudeste
(exceto Minas Gerais e Rio de Janeiro que optaram pelo PT) iniciem o
processo de independência de um país que prefere esmola do que o
trabalho, preferem a desordem ao invés da ordem, preferem o voto de
cabresto do que a liberdade".
Não é a primeira vez que o Brasil é atacado por separatistas. Na ditadura militar, de onde emergem alguns destes que pregam novamente a secessão, ficou famoso o slogan "Ame-o ou Deixe-o", sem qualquer espaço para o diálogo ou a construção de uma nação plural. A mensagem era clara: ou se amava o país, do jeitinho que os militares o tratavam, ou a porta da rua era serventia da casa. Ao contrário do que fez Lobão, que prometeu chispar e arregou, essa possibilidade não existia naquela época.
Como disse Breno Altman, por ora, a tese da divisão do país mal acoberta a tentativa de desestabilização e sabotagem de um governo recém-eleito. Em sua faceta mais visível, esse tese busca coagir este governo a medidas e nomeações afeitas ao bloco político-social batido nas urnas. Como se a vitória por margem estreita retirasse legitimidade da governante, que só a recuperaria se atendesse aos interesses dos adversários. Alguém imagina o contrário, Aécio Neves eleito por exígua diferença sendo obrigado a nomear um ministro do trabalho sindicalista ou ainda a reduzir taxa de juros como indutor do crescimento da economia?
Sobre a vantagem da candidata eleita ser pequena e isso ensejar o movimento sepatista, é sempre bom ter à mão números confiáveis. Em 2012, na França, Hollande derrotou Sarkozy por 51,6 x 48,4, mas nem o Le Pen ousou questionar a legitimidade do sufrágio.
É a velha chantagem do dividir para conquistar. Vem de Felipe da Macedônia, passa por Júlio César e Napoleão. Os europeus ao chegarem aqui, a utilizaram, explorando as rivalidades locais entre os indígenas. Expediente retido à exaustão nas colõnias da África e da Ásia. Ao colonizado, resta o papel de joguete das potências, o que cai como luva na mentalidade de Tuma Jr, Telhada, Lobão e companhia golpista.
7 comentários:
No gelado dezembro de 1851, um fulano que dizem ter sido um pinguço, desocupado e mulherengo, e que em suas horas de vagabundagem andara lendo os rabiscos de um velhote falecido havia alguns anos, chegou à conclusão inquietante de que a história se repete, aparecendo primeiro como tragédia e depois como farsa. Pois bem, algumas ideias (e parece que esse fulano desconfiava que as ideias e as condições históricas tinham lá alguma relação entre si) parecem se repetir ainda mais vezes, e a cada vez que elas eclodem os seus enunciadores parecem farsantes mais decrépitos, desbotados, pegajosos. O Diário Popular da província de São Paulo publica em 08/03/1887 um texto com o seguinte teor: “Ora, se além da sua opulenta lavoura, São Paulo vai adquirindo notável desenvolvimento industrial, breve será enorme o desequilíbrio econômico entre esta província e as do norte. Será então fatal a separação, a não querer esta província ser uma colônia californiana, explorada pelo norte intransigente por interesse próprio e pela força da sua representação no Parlamento. É urgente, pois, a formação de um partido forte, prudente e criterioso que encaminhe e acelere o fatal desenlace da separação.” Assistimos emergir, como se fossem novas e inspiradoras, ideias caducas, sem originalidade, resultado da inaptidão para a reflexão sobre os caminhos da história já trilhada, que brotam da boca inconsequente de gente que ostenta orgulhosa sua própria ignorância, que sequer sabe o que é a história e por isso não pode compreendê-la, gente que esparrama sem constrangimento o ímpeto de submeter o outro à sua vontade e não possuem a mais remota condição de aquilatar as consequências envolvidas no que repetem irrefletidamente. Inaptos para o pensamento, não se põem sequer como objeto desafiador à reflexão de outros. Desejo com cada fibra do meu ser que essas ideias se dissipem sem maiores consequências e que não testemunhemos os capítulos mais sombrios de nossa história nos atropelarem como farsa.
Este texto é o resultado de uma profunda pesquisa sobre a criação do Plano Real e a economia neoliberal que inspira a direita brasileira. Acredito que seja de grande utilidade. Obrigada!
http://www.diariosdadesinformacao.com/2014/10/diarios-da-desinformacao-iii-oximoros.html
Dilma ganhou por 50 Maracanãs de diferença (considerando-se a capacidade atual do estádio). A diferença de votos entre Aécio e Dilma, embora percentualmente pequena, é equivalente a toda a população de Salvador e periferia, ou de Manaus e adjacências. Dilma teve votação expressiva em vários estados em que Aécio ganhou, mas ganhou por margem reduzida. Quem propaga teses discriminatórias e secessionistas é porque é, no fundo, preconceituoso e burro. Ignora que grandes expoentes da cultura e da ciência nacionais são vêm do norte e nordeste. Faz de conta que não sabe que boa parte do que hoje existe foi construído com esforço e mão de obra desses que hoje desdenha. Dilma ganhou, o povo ganhou, o Brasil ganhou e a América Latina também. Parabéns a todos os que lutaram e votaram por isso!
Um bom artigo publicado na Alai.net:
http://alainet.org/active/78302
Ana,
1. Fique tranquila. A história, sempre ela, generosa a ponto de nos oferecer o bote da salvação ante a condenação pela repetição dos erros, fará com que as teses separatistas sejam enterradas na vala comum das ideias espúrias. Gostei da palavra que você empregou: "consequências". Elas não existirão, pois advêm dos inconsequentes, e somente durarão até a próxima polêmica em que irão se digladiar via facebook: o beijo gay na novela, o gol em impedimento, a alta sazonal do tomate, ou o aplique daquela famosa cantora de axé.
2. Esse mesmo fulano, o pinguço a que você se refere, padecendo de furúnculos nas nádegas que o obrigaram a terminar sua obra prima de pé, também fez questão de esfregar da cara dos hipócritas que a luta de classes é o motor da história. Assim, mesmo que estivéssemos divididos, esse racha se daria pelas classes social, e não pelo mapa dos estados. O ineditismo é a classe dos punhos de renda chamar para o combate os rotos e maltrapilhos. E por fim, uma dúvida: se realmente fosse verdade que somente os pobres votaram e elegeram o PT, qual é o mal disso? O critério de maioria, santificado pela democracia burguesa, só serve se a dita for "qualificada" pelos seus representantes?
3. Apareça mais, comente mais, escreva mais. Você me força a escreve melhor.
Marco
JG e Val Klay,
Narro uma conversa com a moça telefonista aonde eu trabalho.
Ela se enfurece à simples menção da sigla PT. Logo, votou no PSDB. Eu a lembrei que ela é trabalhadora, que não deveria votar em patrões, ao que ela me respondeu: Ué, então para que aquelas milhares de pessoas foram às ruas ano passado?
Retruquei que foram pedir para mudar o país, mas mudar para melhor, e que o Aécio representava o retrocesso, o passo do caranguejo, o Fernando Henrique. Aí ela disse: Mas o Fernando criou o Real, a melhor coisa para os trabalhadores.
Voltei à carga, falando para ela que à época do governo FHC o desemprego era enorme, o salário pífio. Tomei meu próprio exemplo: o que consegui foi um "emprego" de vendedor de enciclopédias de porta em porta (e é lógico que naquela pindaíba lascada em que vivíamos não rendia quase nenhum caraminguá). Ela não se deu por vencida: disse que se hoje eu estou melhor é por meu esforço, e não por qualquer "ajuda" do governo.
Aí eu desisti.
Mas peguei a fala dela para entender os eixos do discurso da oposição:
Antes de mais nada um clima de insatisfação, como se estivéssemos em crise, com a inflação descontrolada, etc, etc, etc. Logo que isso foi insuflado pela mídia, que coordenou esse massacre da auto estima brasileira, e que pudemos vivenciar na tensão pré copa do mundo.
Essa condição posta, vamos lá:
Primeiro: marchas de junho coordenadas no sentido de expiar os pecados da pátria no bode petista. Todas as mazelas do Brasil - e do mundo - são culpa do PT. Tem até um vídeo de um rapaz que diz que se os corruptos do PSDB não estão presos, a culpa também é do PT que foi incompetente para fazer as denúncias quando era oposição.
Cada qual à sua maneira, mas todos os militantes sociais perceberam mal cheiro naquelas passeatas do ano passado. Eu não medi palavras: para mim era golpismo praticado por uma massa que ansiava por ser manipulada.
Segundo: e aí entra seu texto. O Plano Real foi o que se fez nesse país algum dia pelos menos favorecidos. Sua digressão sobre a paternidade do plano é bem interessante, lembrando de Itamar e Ricúpero, e principalmente deixando Ciro Gomes falar. Mas meu ponto não é o exame do DNA do Real.
O fenômeno inflacionário era um mecanismo através do qual o mercado se empanturrava de dinheiro. Lembra do Over Night? Mas um tanto quanto inseguro.
A inflação se torna um tema econômico que mereça atenção a partir da década de 70, quando Nixon resolve desatrelar a emissão de papel moeda do padrão ouro. Seu primeiro intento era o de financiar as aventuras do Tio Sam no Vietnã. E muita gente graúda ganhou dinheiro nesse tipo de especulação.
Na década de 1990, porém, a inflação foi praticamente extinta no planeta. De repente parece que todos os governos do mundo descobriram a fórmula para acabar com ela. Fica evidente que seu desmantelamento foi consensual, pois embora fosse um excelente instrumento para promover a concentração de riquezas, era frágil para garantir sua manutenção. Um exemplo emblemático, que mostra a dificuldade em acabar com a inflação isoladamente, foi a tentativa que o Brasil empreendeu em 1986. Naquela oportunidade, junto com o plano econômico de nome Cruzado, o Governo implantou uma série de medidas de proteção aos negócios em andamento. Tablitas e fatores corretivos disciplinavam as relações existentes. Oito anos mais tarde, no plano Real, porém, não houve qualquer preocupação nesse sentido, uma vez que o poder econômico leva em consideração, quando da implantação de suas medidas, somente as consequências que atendam seus interesses.
Terceiro: o mito da meritocracia e do esforço individual. Para não me alongar ainda mais, digo a vocês o que pensei em responder para a telefonista: porque será que eu não me "esforçava" antes, no governo FHC? Porque eu era petista e queria sabotar o modelo econômico? Por que não havia lugar para todos?
E entre essas alternativas, podem ser pensadas outras várias.
Obrigado pela visita e sintam-se em casa.
Marco.
Flávio,
Gostei do texto que mandou.
Na verdade, ele põe o dedo na ferida petista e aperta: o partido arca com o pesado fardo da burocratização e cooptação dos dirigentes sociais para o governo.
Não sei se você está acompanhando uma série de vídeos em que o própria Lula fala. Um é a sobre a socialização da felicidade, outro é sobre a maldita tese do "país dividido" e o de hoje sobre o real papel da Veja como instrumento de campanha anti-petista.
Se ele continuar, toda semana falando diretamente com o povo, sem a filtragem midiática, vai galvanizar novamente as forças populares do partido e romper com esse processo em que estão na frente os pilotos de escrivaninha.
Como o texto não foi escrito por um brasileiro, ele enfoca principalmente os avanços na política externa do Brasil. Mas fala com pouco propriedade de algo fundamental para compreender o projeto de governo petista.
Há claramente duas frentes de batalha contra a desigualdade social. A primeira, chamada tradicionalmente de "vertical" tem como políticas essenciais o Bolsa Família, o aumento real do poder de compra do Salário Mínimo, a manutenção das taxas de pleno emprego. Aqui já se vê certa arcela elitista torcendo o nariz, principalmente contra a inclusão fomentada pelo BF.
A segunda, e aí é onde explode o preconceito, é a "horizontal", ou transversal, que ataca as desigualdades regionais, com uma série de obras de infra estrutura, sejam do PAC ou não, exigência do conteúdo nacional, apropriação de tecnologias, e nada disso acontece na Av. Paulista.
Veja esse texto e perceba que o Nordeste já não é mais aquela terra que a seca castigava e a desesperança terminava de enterrar. Não é mais a terra da morte e vida severina, em que se morria de velhice antes dos 30, de emboscada antes dos 20 e de fome um pouco por dia.
http://crimideia.com.br/blog/?p=1739
Um forte abraço, companheiro!
Marco
Valeu, Marco. Falta de poder marcar um chopp com o pessoal com quem eu falo só pela internet! Lembro-vos que o Plano Real foi implantado a um alto custo para a população pobre (conversões do cruzeiro para URV e desta para o real, com taxas de inflação recordes no período).
Aquele abraço a vc e seus leitores!
Flávio
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