sexta-feira, 8 de abril de 2011

CAVALEIRO DA ESPERANÇA

Nessa fase da minha vida, procuro por coisas que façam sentido. Viver uma vida inteira e depois se perguntar: “Pra quê?”, é um destino vil, inglório, que não desejo para ninguém. Nesse mar tormentoso, nesse universo de cegos, talvez o exemplo possa nos guiar. E escolho como exemplo alguém que desde sempre admirei.
A vida de Prestes é icônica em termos de vontade, fibra moral, princípios e coerência. Será que ainda se fazem homens como antigamente? Natural de Porto Alegre, mudou-se para o Rio de Janeiro em tenra idade. Órfão de pai, foi criado pelo esforço e suor da mãe. Adolescente sem recursos ingressou na gratuita Escola Militar do Realengo. Ao fim do curso, eleito o melhor da classe, torna-se tenente. E depois capitão, aos 23 anos. O mais jovem da história do Exército Brasileiro. Foi transferido para Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, onde aflorou sua indignação com a situação do povo, e do país, governado por Arthur Bernardes.
Em 1924, aos 26 anos, pede demissão do Exército. Pediu demissão, sem exigir indenização ou aceitar qualquer recompensa. Em ato vingativo e torpe, que maculou ainda mais uma vez sua história, o Exército publicou a sua expulsão. É lógico que no arquivo da instituição já constava a demissão a pedido do capitão. Logo, o Exército estava expulsando alguém que não poderia ser expulso, pois já se revertera, voluntariamente, à condição de civil.
Nesse interregno, lá no Sul, forma um grupo de militares que compactuava com suas ideias. Obtém o apoio de outras regiões. De 1924 a 1926 lidera a mítica Coluna Prestes, que combatia a República Velha e, entre outras bandeiras, defendia reformas sociais, como o ensino público universal, e políticas, como o fim do voto de cabresto.
Em dois anos percorreram 25 mil quilômetros do nosso território. A marcha inspirou tempos depois Mao Tsé-tung, pois seu intento era revolucionar a nação a partir do interior. Em cada localidade, denunciavam a miséria da população e o poder opressor das oligarquias locais. Recebeu a patente popular que o acompanharia dali em diante: Cavaleiro da Esperança. Contudo, o apoio popular não foi suficiente. Diante do cerco do Exército, parte da Coluna se exilou na Bolívia. Entre eles, Prestes, que lá começaria a estudar com profundidade o marxismo.
Em 1930, Siqueira Campos e João Alberto, foram a Montevidéu (onde Prestes morava, depois do exílio boliviano), convidá-lo a chefiar a “Revolução de 30”, que já era favas contadas. Prestes poderia ter comandado a Revolução, assumido o Poder, e nessas condições, mudado os rumos do país. Mas ele indagou aos perplexos ex-companheiros da brava Coluna: “A Revolução é comunista?” A dita revolução não era nada disso; na verdade era burguesa, aristocrática e reacionária, e por isso ele recusou. Sequer admitiu a hipótese, considerava traição. Em resposta à plataforma varguista, e suas concessões ao voto secreto e avanços socias, lançou o Manifesto Comunista em 29 de maio de 1930. Não só rompia com seus ex-companheiros da Coluna que haviam aderido a Getúlio como, além de rotular o programa como "anódino", denunciou-o como uma manobra neo-oligárquica.
Em 1931, foi à União Soviética. Voltou em 1935, trazendo Olga Benário, uma judia alemã tão doce quanto revolucionária e que foi o grande amor da sua vida. Integrou-se definitivamente ao PCB, e tornou-se líder da ANL, que reunia a esquerda oposicionista a Vargas.
Após conflitos no Nordeste, Prestes ordena que a revolta se propague pelo País. Combates eclodem no Rio e no Recife, num episódio que entrou para a história como a Intentona Comunista. Quixotesca, sem recursos, praticamente existindo apenas no interior da Paraíba, Rio Grande do Norte e no Rio, no 3º RI (Onde hoje existe um monumento, na Praia Vermelha).
O governo age com extrema violência para combater os revoltosos. Capturados pela polícia, Prestes e Olga descobrem que terão um filho. Ainda assim, Getulio envia Olga para a Alemanha, onde encerra seus dias no campo de concentração. A criança, batizada Anita Leocádia, sobreviveu e foi criada por sua avó paterna.
Já Prestes foi levado para a Polícia Central, onde ficou sob jugo do antigo companheiro de coluna, Filinto Muller. Foi um dos brasileiros mais torturados de todos os tempos, ficando num vão de escada até 1940. (Só saía para os julgamentos no Tribunal de Segurança Nacional). Nesse ano, graças à adesão do Brasil às forças aliadas, o governo soviético solicitou ao Brasil a libertação dele. Vargas não atendeu, mas o transferiu para a Penitenciária Frei Caneca, onde ficou até 1945.
Após nove anos de cárcere, Prestes deixa a prisão, época em que o PCB desfrutou um breve período de legalidade. Em comemoração, o partido organizou um grande evento no Pacaembu, em São Paulo. Cem mil pessoas se acotovelaram para ouvir o discurso do líder recém-liberto. “Organizemos as grandes massas trabalhadoras da cidade e do campo, fazendo uso das armas da democracia: livre discussão, livre associação de ideias e sufrágio universal”, clamou a um público hipnotizado.

Entre os presentes, meu avô (que já foi tema de uns posts atrás) e o poeta chileno Pablo Neruda, que leu um histórico poema em sua homenagem.
Pouco depois, Prestes elege-se senador da república (o mais votado do país), dividindo a bancada com outros 14 comunistas, entre os quais Jorge Amado, Carlos Marighella e João Amazonas. É atuante e influencia a Constituição de 1946, tida como a mais progressista da história.
Em Janeiro de 1950, Getulio Vargas pede apoio a Prestes para sua candidatura à presidência. Apesar dos anos passados, era o mesmo político que o havia mandado à prisão, proibido a existência de seu partido e, mais grave, enviado seu único amor ao holocausto. A resposta surpreendeu a companheiros e inimigos: “Não posso colocar os meus dramas pessoais acima dos interesses do partido. Aceito apoiá-lo.”
Após o golpe militar de 1964, Prestes tem os direitos civis novamente revogados. Parte novamente para a União Soviética, onde fica até 1979. Na volta, encontra um país mudado. Inclusive os próprios companheiros. A cúpula do PCB não o reconhecia mais como líder. Achava suas ideias atrasadas. Numa entrevista, disparou: “O partido comunista não é mais comunista. De comunista só tem o nome.” Laconicamente, é afastado do partidão e encontra guarida no PDT, de Leonel Brizola.
Em 1989, mostrando mais uma vez a firmeza de seu caráter, apóia a candidatura de Lula. Me levam às lágrimas, mesmo enquanto escrevo esse arremedo de biografia, a lembrança da imagem daquele senhor, já quase centenário, com o microfone em punho, conclamando seus concidadãos a se darem uma chance de finalmente exercer o poder, luta pela qual ele dedicou sua vida inteira.

Durante mais de 60 anos, Luís Carlos Prestes doou sua energia aos ideais em que acreditava. Comprometeu-se até a raiz com o sentido de justiça e igualdade que conheceu durante a vida e compreendeu após estudar com todo afinco as causas da desigualdade. Em uma de suas últimas entrevistas, em 1986, um jornalista perguntou se não se sentia frustrado por ter devotado tanto tempo a um ideal, ter sido preso, exilado, e não ter visto mudanças significativas no País. “Absolutamente. A transformação é um processo demorado, um processo longo. Leva tempo para convencer a classe operária que ela deve assumir um papel dirigente na luta por uma nova sociedade.”
Mais interessante que os elogios, são as críticas que Prestes recebeu durante sua trajetória política, confirmando a tenacidade e perseverança com que defendeu seus ideais. Nessa passagem, Voltaire Schilling avalia seu comportamento no episódio de 1930 (o convite para chefiar a revolução): “Para Prestes, num dos seus tantos abismais erros políticos, Washington Luís ou Vargas, dava na mesma. Não passava de "uma mudança de homens". Somente uma "verdadeira insurreição generalizada"..."das mais vastas massas", aferrou-se o Cavaleiro da Esperança, é que daria fim ao domínio dos proprietários fundiários e do imperialismo. Propôs então, a lá soviética, "um governo de todos os trabalhadores...baseado nos conselhos de trabalhadores...soldados e marinheiros...". Enquanto isso Vargas, depois de chefe vitorioso do Movimento 3 de Outubro de 1930, era confirmado como presidente constitucional em 1934.”
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/brasil/2004/08/26/001.htm
Já Hélio Fernandes se refere a ele dessa forma: Luiz Carlos Prestes pode sofrer críticas, mas nada em matéria pessoal (...) errou em todas as posições políticas ou em atos que dependiam exclusivamente de sua vontade, mas errou CONTRA ELE MESMO, não se beneficiou de coisa alguma. Ele sempre disse: “Os interesses pessoais não podem prevalecer acima de qualquer coisa, e prejudicar a coletividade” E cumpriu na prática o que pregava na teoria. E sobre o apoio dado a Getulio, depois de ter sido seviciado de todas formas, Hélio Fernandes diz: Nesse ano, a ditadura ameaçadíssima, Vargas soltou Prestes. E este assombrosamente, passou a defender a CONSTITUINTE COM VARGAS. Um disparate completo, Prestes ERRAVA TOTALMENTE, mas por convicção. Logo depois de solto, outra violenta contradição de Prestes, mas como sempre coerente com suas idéias. Foi fazer um comício no Estádio do Vasco, (ainda não existia o Maracanã), uma multidão foi ouvi-lo e saiu de lá chorando. Prestes criticou o próprio povo, afirmou: “Vocês estão se aburguesando, só pensam num rádio novo e mais potente ou em geladeira”. (Textual)
http://www.tribunadaimprensa.com.br/?p=6412
O Cavaleiro da Esperança morreu em 7 de março de 1990 no Rio. No mesmo dia, um de seus sonhos foi realizado: a Justiça Eleitoral concedeu o registro definitivo ao PCB.


O Poema “Mensagem”, de Pablo Neruda
http://www.fmauriciograbois.org.br/portal/noticia.php?id_sessao=53&id_noticia=1722

Quantas coisas quisera hoje dizer, brasileiros,
quantas histórias, lutas, desenganos, vitórias,
que levei anos e anos no coração para dizer-vos, pensamentos
e saudações. Saudações das neves andinas,
saudações do Oceano Pacífico, palavras que me disseram
ao passar os operários, os mineiros, os pedreiros, todos
os povoadores de minha pátria longínqua.
Que me disse a neve, a nuvem, a bandeira?
Que segredo me disse o marinheiro?
Que me disse a menina pequenina dando-me espigas?

Uma mensagem tinham. Era: Cumprimenta Prestes.
Procura-o, me diziam, na selva ou no rio.
Aparta suas prisões, procura sua cela, chama.
E se não te deixam falar-lhe, olha-o até cansar-te
e nos conta amanhã o que viste.

Hoje estou orgulhoso de vê-lo rodeado
por um mar de corações vitoriosos.
Vou dizer ao Chile: Eu o saudei na viração
das bandeiras livres de seu povo.

Me lembro em Paris, há alguns anos, uma noite
falei à multidão, fui pedir auxílio
para a Espanha Republicana, para o povo em sua luta.
A Espanha estava cheia de ruínas e de glória.
Os franceses ouviam o meu apelo em silêncio.
Pedi-lhes ajuda em nome de tudo o que existe
e lhes disse: Os novos heróis, os que na Espanha lutam, morrem,
Modesto, Líster, Pasionaria, Lorca,
são filhos dos heróis da América, são irmãos
de Bolívar, de O' Higgins, de San Martín, de Prestes.
E quando disse o nome de Prestes foi como um rumor imenso.
no ar da França: Paris o saudava.
Velhos operários de olhos úmidos
olhavam para o futuro do Brasil e para a Espanha.

Vou contar-vos outra pequena história.

Junto às grandes minas de carvão, que avançam sob o mar,
no Chile, no frio porto de Talcahuano,
chegou uma vez, faz tempos, um cargueiro soviético.
Quando a noite chegou
vieram aos milhares os mineiros, das grandes minas,
homens, mulheres, meninos, e das colinas,
com suas pequenas lâmpadas mineiras,
a noite toda fizeram sinais, acendendo e apagando,
para o navio que vinha dos portos soviéticos.

Aquela noite escura teve estrelas:
as estrelas humanas, as lâmpadas do povo.
Também hoje, de todos os rincões
da nossa América, do México livre, do Peru sedento,
de Cuba, da Argentina populosa,
do Uruguai, refúgio de irmãos asilados,
o povo te saúda, Prestes, com suas pequenas lâmpadas
em que brilham as altas esperanças do homem.
Por isso me mandaram, pelo vento da América,
para que te olhasse e logo lhes contasse
como eras, que dizia o seu capitão calado
por tantos anos duros de solidão e sombra.

Vou dizer-lhe que não guardas ódio.
Que só desejas que a tua pátria viva.
E que a liberdade cresça no fundo
do Brasil como árvore eterna.

Eu quisera contar-te, Brasil, muitas coisas caladas,
carregadas por estes anos entre a pele e a alma,
sangue, dores, triunfos, o que devem se dizer
o poeta e o povo: fica para outra vez, um dia.

Peço hoje um grande silêncio de vulcões e rios.
Um grande silêncio peço de terras e varões.
Peço silêncio à América da neve ao pampa.
Silêncio: com a palavra o Capitão do Povo.
Silêncio: que o Brasil falará por sua boca.

Por fim, a carta daquela sobrevivente do holocausto, Anita Leocádia Prestes, publicada em janeiro de 2010, no auge da celeuma sobre o pagamento de anistias aos perseguidos políticos.
http://prestesaressurgir.blogspot.com/2010/01/carta-de-anita-prestes-o-globo.html

Tendo em vista matéria publicada em “O Globo” de hoje (p.4), intitulada “Comissão aprovará novas indenizações” e na qualidade de filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, devo esclarecer o seguinte:
Luiz Carlos Prestes sempre se opôs à sua reintegração no Exército brasileiro, tendo duas vezes se demitido e uma vez sido expulso do mesmo. Também nunca aceitou receber qualquer indenização governamental; assim, recusou pensão que lhe fora concedida pelo então prefeito do Rio de Janeiro, Sr. Saturnino Braga.
A reintegração do meu pai ao Exército no posto de coronel e a concessão de pensão à família constitui, portanto, um desrespeito à sua vontade e à sua memória. Por essa razão, recusei a parte de sua pensão que me caberia.
Da mesma forma, não considerei justo receber a indenização de cem mil reais que me foi concedida pela Comissão de Anistia, quantia que doei publicamente ao Instituto Nacional do Câncer.
Considerando o direito, que a legislação brasileira me confere, de defesa da memória do meu pai, espero que esta carta seja publicada com o mesmo destaque da matéria referida.
Atenciosamente,
Anita Leocádia Prestes

6 comentários:

Rogerio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rogerio disse...

Excelente Matéria. Ele tinha um companheiro em Goiânia em cuja casa se hospedou várias vezes: Um juiz que a ditadura perseguiu e exonerou, Dr. Sebastião Naves, cujos filhos se chamam Luis Carlos e Olga. O mais velho, Antônio Rabelo, era médico, e partiu prematuramente do nosso meio, deixando ele também muita saudade nos familiares e amigos.

james brasil de kur disse...

Cumprir o dever no Brasil é sinônimo de subversão. Acreditem!
Ao fato:

Na minha cidade, mora um juiz aposentado. Fora juiz na comarca de Cavalcante, onde existiram conflitos constantes entre quilombolas ( negros que se refugiaram no sertão do Brasil, para escapar das mazelas da escravidão) e os grileiros,posseiros e latifundiários daquela região goiana. Ao aplicar a justiça nesta área, entendera que os negros tinham direito sobre as terras que viviam há décadas. Incomodora a oligarquia da região;sofrera perseguição política; e teve que abandonar a profissão,pois fora aposentado compulsoriamente por suas convicções.
Hoje é um pessoa com transtornos mentais. Hoje, é um incapaz.
Ele é um exemplo, de muitos, que tentara aplicar a justiça social neste país e pagaram "caro" pela sua "subversão"!
Até quando?

james brasil de kur disse...

Cumprir o dever no Brasil é sinônimo de subversão. Acreditem!
Ao fato:

Na minha cidade, mora um juiz aposentado. Fora juiz na comarca de Cavalcante, onde existiram conflitos constantes entre quilombolas ( negros que se refugiaram no sertão do Brasil, para escapar das mazelas da escravidão) e os grileiros,posseiros e latifundiários daquela região goiana. Ao aplicar a justiça, entendera que os negros tinham direito sobre as terras que viviam há décadas. Incomodora a oligarquia da região;sofrera perseguição política; e teve que abandonar a profissão,pois fora aposentado compulsoriamente por suas convicções.
Hoje é um pessoa com transtornos mentais. Hoje, é um incapaz.
Ele é um exemplo, de muitos, que tentara aplicar a justiça social neste país e pagaram "caro" pela sua "subversão"!
Até quando?

Abilon Naves disse...

Prezado Rogério e interessados.

Considerando o exposto em seu excelente Comentário publicado em 8 de abril de 2011, seria possível informar maiores detalhes sobre o Dr. Sebastião Naves? - Quem foi sua esposa? Filhos? Teve outros parentes conhecidos? - Qual era sua especialidade? - e outras informações.

Pois, mantemos um sítio de relacionamento, denominado "Blog Família Naves", que envolve todos os assuntos relacionados sobre os seus integrantes.

Agradecemos todas as informações que disponibilizar.

Atenciosamente.
Abilon Naves
Blog Família Naves
http://familiaresnaves.blogspot.com.br/
blogfamilianaves@hotmail.com

Apelido disponível: Sala Fério disse...

Bela postagem, Marco. Teu avô tava lá naquele comício! Legal! Acho que minha avó o conheceu também, ela era professora aqui no RJ e muito enfronhada em tudo. Abraço!
p.s. Vi o Taiguara cantar duas vezes: uma no antigo teatro Casa Grande, outra no João Caetano. Ele cantou essa música, com certeza.