quinta-feira, 24 de outubro de 2013

PROTESTOS, CACHORROS E PETRÓLEO

PROTESTOS

1. Toda manifestação com o mínimo de organização deve coibir a infiltração e expurgar os Black Blocs. Eles deslegitimam qualquer causa. Antes de ser ilegal o anonimato, é imoral numa democracia com amplas salvaguardas como a nossa que se vista carapuça para defender ou atacar qualquer coisa. Afinal de contas, esses pulhas são pelo quê? E na prática, onde atuaram pela derrubada do velho, colocaram o quê no lugar? Nos dois assuntos que pretendo tratar adiante, eles se imiscuíram e deformaram seus reais significados.



É falsa a sugestão de que se aproximam de uma democracia direta ou ateniense da idade clássica. Essa é a versão de jornalistas semi-cultos que ignoram como funcionaria uma democracia direta e que crêem na versão popularesca de que Atenas era governada pelo Ágora – uma espécie de Largo da Candelária repleto de mascarados e encapuzados trajando luto. Os Ágoras só tratavam de assuntos locais de cada uma das dez tribos atenienses. Em outras três instituições eram resolvidos os assuntos gerais da cidade, entre elas a Pnyx, que acolhia os primeiros seis mil atenienses homens que lá chegassem. Ali falava quem desejasse, apresentassem as propostas que bem houvessem e votos eram tomados. Os nomes dos proponentes, porém, ficavam registrados e um conselho posterior avaliava se o que foi aprovado fez bem ou mal à cidade. Se mal, seu proponente original era julgado, podendo ser condenado ao confisco de bens, exílio ou morte. A idéia de democracia direta como entrudo, confete e um cheirinho de loló é criação de analistas brasileiros.

CACHORROS

2.1. Sou totalmente a favor do respeito aos animais como seres que não devem ser utilizados pelos homens. Não acredito que a haja uma hierarquia natural entre a vida humana e a dos outros animais. Se ela existe, se baseia em força e astúcia, não em razão e justiça. Para mim, não serve.

2.2. Algum dia, a humanidade sacou que o limite ético para coisificação de outros homens não permitiria testes em laboratório (como os nazistas, ou norte-americanos em Tuskegee e na Guatemala), nem escravidão jurídica.

2.3. Em termos sumários, proponho que estendamos nosso limite ético: que sejam extintos todos os experimentos que impliquem em dor ou sacrifício animal. Que a modelagem dos testes que restarem sejam públicas. Que a ciência pare de usar expedientes medievais para acobertar aquilo que causa repulsa nas pessoas. E que se o seu filinho de quatro anos não tiver o remédio que vai lhe curar, e for morrer por que não matamos infinitos macacos, cachorros, coelhos e camundongos por causa disso, assumiremos a responsabilidade de viver em uma sociedade diferente da atual, cuja incoerência intrínseca justifica a morte de uns em nome da vida de outros (?!?!?!)

2.4. Me causou surpresa quem melhor descreveu as reações sobre o resgate dos beagles, em São Roque. O Esquerdopata definiu muito bem o que é a luta em defesa dos animais: "garanto a vocês que 100% (não 95 ou 99) dos que reagem às boas ações a favor do animais com ironias sobre a falta de interesse dos protetores de animais pelas criancinhas (sniff...) nunca, jamais e em tempo algum fizeram nada por crianças em situação de necessidade. Desnecessário provar, mas se alguém quiser pode me mostrar um defensor das 'criancinhas pobres' que não faça nada por animais ou pelo meio ambiente ou seja lá pelo que for. Civilidade, bondade e vontade de criar um mundo melhor não vêm em porções separadas". Para finalizar, ele retira o véu que cobre os hipócritas: "o que critico e desprezo é essa posição de quem não faz nada por ninguém e sempre usa essa desculpa de que tem coisa mais importante a ser feita. Se você acha que tem coisa mais importante a fazer, faça. Simples assim. Não precisa criticar e ofender quem faz coisas 'menos importantes'."

2.5. Nunca entendi porque politicamente a bandeira de defesa dos animais estava nas mãos de direitistas como Feliciano Filho e Roberto Trípoli. Eis que, mais uma consequência positiva no caso dos beagles, Protogénes Queiroz tomou a iniciativa de ir ao Instituto Royal e propôs uma comissão de investigação parlamentar. O custo pela demora na esquerda em se manifestar, está nos comentários dos trolls: oportunismo. Não me parece. Vejamos os próximos passos.

2.6. Escrevi um texto sobre maus tratos e comportamento humano em 2009. Está aqui. Há duas vertentes sérias para a discussão. A primeira, simbolizada por Peter Singer, pensador australiano, escritor de Libertação Animal (1975), que divulgou a categoria "especismo": a atribuição de valores ou direitos diferentes a seres de diferentes espécies. Análoga ao racismo e ao machismo, a discriminação especista pressupõe que os interesses de um ser são de menor importância pelo mero fato de pertencer a uma determinada espécie. Infligir dor a um animal sem se preocupar com isso é ignorar o princípio básico da igualdade. Singer considera que todos os seres que são capazes de sofrer (sencientes) devem ter seus interesses considerados de forma igualitária e conclui que o uso de animais é injustificável.

2.7. Mas em geral sua filosofia é utilitarista, e admite que se faça um mal (não só contra animais) se os benefícios dele decorrentes forem maiores. Por isso também tem seu limite, e se exaure no "bem estarismo animal": a proteção do semovente enquanto propriedade humana, e a condenação dos maus tratos por prejuízos de ordem econômica.

2.8. A inclusão de todos os animais sencientes na comunidade moral é defendida pelo professor de Direito Gary Francione. Ele afirma que a capacidade de sofrer é o único determinante válido para o status moral. Seu trabalho parte da premissa de que a condição de propriedade atual impede aos animais qualquer direito garantido. Falar em igual consideração de interesses de uma propriedade contra o próprio interesse do proprietário é um absurdo que tende ao cinismo. Sem o direito de não ser propriedade, não há quaisquer outros direitos. Por sugerir a abolição da condição de propriedade dos animais, o termo "abolicionismo" é utilizado para designar esta ideia.

PETRÓLEO

3.1. Li tanta coisa a respeito que ferveram meus miolos, como diria o turco Nacib. À princípio, por orientação ideológica - e pelos números apresentados, acreditei que o resultado do leilão e o modelo de partilha são um passo gigantesco na formação de um país com maior justiça social. As críticas, alinhadas ao PIG, ao grande capital financeiro e travestidas com suas máscaras a la V de Vingança, me causaram aversão.

3.2. Os números, que vão além dos que a presidenta Dilma apresentou em seu pronunciamento, são alvissareiros. Lejuene Mirhan foi quem conseguiu demonstrá-los com mais didatismo, na minha opinião. Senão vejamos:

Preço do barril = US$100.00
Custos de Produção = US$30.00
Royalties da União (15%) = US$15.00
Parte da União na Partilha (41,65%) = US$22.9 (sobre US$55.00 que sobram depois de retirar os custos de produção e os royalties)
Parte das Empresas do Consórcio = US$32.1 (restante da diferença dos US$55.00)
Imposto de Renda = US$8.02 (25% sobre o ganho das empresas)
CSLL (Contribuição sobre Lucro Líquido) = US$2.89 (9% sobre ganho das empresas)
Lucro Final do Consórcio = US$21.18
Lucro da Petrobrás = US$8.47 (Ela tem 40% sobre o lucro final)
Dividendos do Governo sobre a Petrobras = US$4.06 (Lembremo-nos que a União tem 48% das ações da Petrobrás que repartem lucros e esse percentual é aplicado sobre US$8.47)
Fatia Final da União = US$52.88 (Essa soma leva em conta os royalties, mais os 41,65%, mais IR, CSLL e lucro da Petrobras).

Ou seja, do lucro de US$ 70,00 na extração de cada barril, 75,55% ficarão com a União. Às empresas privadas do consórcio vencedor (com 20%) terão, para cada US$ 6,00 investidos, um retorno de US$ 10,23, um lucro líquido de 61,23%. Prevê-se a extração de 10 bilhões de barris em 30 anos. Quase US$ 1,5 bi por ano livre de ônus.

3.3. Assim, todos ganham e vivemos felizes para sempre? Errado! Minha primeira preocupação foi exposta por Paulo Henrique Amorim: quem vai defender o pré-sal? Quem garante que não seremos atacados pelo mar? Será que os EUA ficarão satisfeitos com nossa evolução de país satélite à "player" global? Aonde está estacionada a 4.ª frota, a que "policia" a América do Sul? E, como desdobramento, se aparelharmos muito bem nossas forças armadas, qual é o risco? Pelo histórico, a quem eles se subordinarão?

3.4. Outras preocupações honestas foram apontadas no blog da Maria Frô. A primeira sobre uma suposta urgência no leilão, atropelando o diálogo com os movimentos sociais. "Por conta da gradativa evolução do uso de outras fontes de energias mais limpas, que envolvem tecnologias inovadoras, o pré-sal poderia deixar de ser “bilhete premiado” dentro de algum tempo, e aí o Brasil perderia espaço na correlação de forças mundial sobre as reservas de petróleo". Um bom argumento, mas que ela mesma refuta: "em 30 anos a energia suja continuará a todo vapor, o capital está se lixando para o meio ambiente".

3.5. Outro ponto, este sim envolvendo a soberania nacional, puxa o fio da meada de uma série de objeções publicadas por Hildegard Angel, nossa militante socialite mais consciente (mais improvável que isso, só mesmo a Luisa Mell revolucionária): a questão da transferência de tecnologia. Porque NINGUÉM no mundo detém a tecnologia para extração de petróleo a 6.000m abaixo do nível do mar, e somente a Petrobrás tem a capacidade de fazer sua prospecção. Todos exigem que, na compra dos aviões militares, as técnicas de construção sejam repassadas para o Brasil. Mas e agora? A Petrobrás, sócia majoritária do consórcio, vai passar para os demais como se acha óleo em alto-mar?

3.6. Essa e outras polêmicas conseguiram me deixar com a pulga atrás da orelha. Principalmente a nomeação do presidente da PPSA, Osvaldo Pedrosa, primeiro brasileiro a defender o fim do monopólio do petróleo e ex-braço direito de David Zilberstajn, na ANP de FHC. Uma raposa a cuidar do galinheiro.

3.7. Com o coração apertado (e não sangrando, como o da Hildegard Angel), prefiro conceder o benefício da dúvida ao governo, que apesar das inúmeras contradições, mostrou uma firmeza jamais vista na questão da prévia regulamentação da destinação dos recursos que serão auferidos deste tesouro do fundo do mar.

Um comentário:

Apelido disponível: Sala Fério disse...

Marcos, no total dos ganhos do governo pode-se incluir também a parcela de impostos a serem cobrados sobre os componentes nacionais obrigatórios, previstos contratualmente. Dá mais alguns bons quebrados. Quanto à questão da mudança gradual das fontes de energia, vejo isso como um motivo para se explorar o quanto antes essa riqueza, enquanto vale tanto, lembrando que também há muitos outros derivados não energéticos e ainda sem substitutos viáveis. Creio que a questão tecnológica seja mais complexa do que a pintam, pois exigirá, a meu ver, desenvolvimento conjunto de novas tecnologias, já que é uma situação nova. Sobre os B.Blocs, acho que é um modismo errado, só isso. Não têm consistência, como você diz, e nem propostas concretas. Grande abraço