Saudações aos que têm coragem!
Ainda em frangalhos, não tenho estrutura para comentar a alegria dos que vibraram com o fracasso do nosso time de futebol. A cada dia aceito melhor uma concepção espiritual da vida que diz que somos mais que irmãos; somos parte de uma imaterial inteligência que age movida por leis universais e busca objetivos insondáveis, mas que se explicam em três singelas palavras: Deus é Amor. Não sinto raiva dos alemães, que levaram ao extremo a máxima de que respeitar o adversário é praticar o melhor futebol possível. Mas o que dizer das capas dos jornais? Na falta de palavras, fico com as do Miguel do Rosário. Nenhum esforço para levantar o astral do povo, como se quisessem se vingar da alegria que sentimos: "Vocês vão pagar pela esperança que tiveram na seleção. Vão pagar por essa alegria criminosa que alimentaram".
Como se vê, além da tristeza pela derrota, uma brutal contradição metafísica se escancara à minha frente.
Restam apenas dois jogos para o final da Copa das Copas. Os jogos da fase final tiveram menos dinâmica e plasticidade que os da primeira fase. Em compensação, aumentaram até o limite do impossível a dramaticidade. Decisões por pênaltis, por exemplo, são tão injustas quando decidir o
classificado, ou o campeão, num par ou ímpar. Mas em termos de emoção,
que diferença! Já não importam mais o público ou a média de gols, dois dados que vínhamos acompanhando para justificar o êxito do torneio também dentro das quatro linhas. A Copa é o mais retumbante sucesso do Brasil perante o mundo. É o evento que marca nossa definitiva inserção entre os países mais respeitados do planeta. Mas cujo futebol terá que passar obrigatoriamente por um processo que o faça retornar ao posto que já ocupou.
Dando meu palpite nessa seara, assino embaixo a coluna de Bob Fernandes, sobre qual seria o primeiro passo: a renúncia de toda cúpula da CBF, que só está lá se refestelando de privilégios porque são sucessores indicados por ninguém menos que Ricardo Teixeira e João Havelange. Ouço dizerem que a seleção é da CBF. Trata-se de apropriação indébita: a seleção é brasileira, se apropria do nosso hino, nossas cores, nossos cidadãos. É como meu time do coração, o Santos F.C.: discordo das imensas cagadas da diretoria, das burradas dos técnicos, das contratações estapafúrdias, do que os pernas de pau fazem em campo. Mas continuo torcendo, e esse quê de irracionalidade é parte essencial do futebol.
Mas após defenestrar os cartolas, expulsar a Globo do comando econômico de campeonatos paupérrimos, o que colocar no lugar? A primeira lição, com toda humildade, deve ser apreendida aos algozes. A Alemanha é a referência a que devemos seguir e dar os primeiros passos para ressuscitar o futebol brasileiro.
Participaram de três finais - 82, 86 e 90, onde se sagraram tri-campeões (os títulos anteriores foram em 54 e 74). Em 94, com um geração envelhecida, porém orgulhosa de seu passado recente, naufragaram nas quartas de final, diante da questionável Bulgária. Em 98, ainda mais velhos e prepotentes, caíram na mesma fase, desta feita diante da surpreendente Croácia. A luz amarela foi ligada, mas o alerta máximo aconteceu na Eurocopa 2000 quando o mesmo time ficou ainda na fase grupos.
O orgulho alemão estava ferido de morte, mas ele reagiram à sua maneira: com trabalho. Os times foram obrigados a manterem centros de excelência para formação de atletas. O Estado interviu, gastando em 12 anos algo como US$ 1 bilhão na construção de academias e centros de treinamento para jovens. A "CBF" deles não é uma entidade privada como a nossa, e a FIFA jamais levantou um dedo contra a "ingerência" governamental no esporte. O campeonato nacional foi reformulado, com a exigência de que cada time tenha a maioria de jogadores alemães, que hajam pelos menos um número "x" de atletas com menos de 23 anos, "y" de 20 anos, além de manterem severa austeridade econômica. Com isso, o campeonato é nivelado (por cima) e o público médio é o maior do mundo. A "safra" de atletas é excelente, e as perspectivas são desanimadoras - para os adversários, lógico.
A Argentina também tentou salvar seu futebol. Tirou a transmissão do grupo Clarín, que mantinha os clubes escravos do adiantamento dos direitos de imagem, e a repassou para os canais públicos. As categorias de base recebem atenção especial, inclusive de ex-jogadores brasileiros, mas sofrem com uma chaga comum no continente: a figura do empresário de atletas, que vampiriza as promessas, e lucra com eventuais transferências. Messi, por exemplo, saiu do país aos 14 anos! Sem querer ofender, é mais espanhol (catalão, para ser mais preciso) que argentino.
Palpites para o fim de semana
A razão diz Alemanha; a emoção, Argentina. O trabalho em equipe é alemão; o talento individual, argentino. O planejamento é germânico; a genialidade, portenha. A simpatia é européia; a paixão é sudaca. Melhor ataque, tedesco; melhor defesa, pampeira. Enfim, o corpo explica por A+B que dá Alemanha, mas a alma insinua que dá Argentina.
Quanto ao 3.º lugar, é um jogo psicológico. Diz respeito a quem consegue melhor se recompor das frustrações da rodada anterior. As expectativas brasileiras eram imensas, do tamanho do país sede, e da tensão provocada pelo clima de instabilidade que víamos e líamos na imprensa. Mas as holandesas não eram menores: uma geração toda, inclusive o técnico, sabiam que era sua última chance. Vêm de dois 0x0 e decisões por pênaltis. Nesse encontro não há dúvida: Brasil de corpo e alma, pela honra e pela pátria.
2 comentários:
Futebol brasileiro tem que deixar de ser só entusiasmo ou depressão. Tem que voltar aquela velha garra em campo, aquela vontade de vencer mesmo quando o resultado em campo está muito desfavorável e a clareza de também corrigir os erros que possam ser corrigidos na hora. Nota fúnebre da Copa: arbitragem. Em alguns momentos esteve pior que em campeonato de segunda divisão, chegando, a meu ver, a afetar resultados.
Flávio, sem querer polemizar, vou bancar o advogado do diabo, quer dizer, da arbitragem. Depois que o jogo passou a ser transmitido por 483 câmeras toda arbitragem humana é péssima.
Isso, na minha opinião, torna estéril a discussão sobre o uso ou não dos recursos tecnológicos. Faz tanto sentido quanto voltar usar uma câmera apenas. Essa "oposição à tecnologia", em nome das discussões da segunda feira no trabalho, no buteco, soam absurdo em outros esporte e para mim, escondem o desejo sádico de querer linchar o juiz. Uma espécie de judas com apito na boca.
Outra coisa que se tornaria ridícula, com a tecnologia seria a função de "comentarista de arbitragem" que a Globo inventou para agasalhar alguns apaniguados.
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