domingo, 5 de junho de 2011

ASSUNTOS DA SEMANA - PARTE III

Por causa de recentes acontecimentos na minha vida, havia tomado a decisão de não escrever mais textos cuja leitura inspirassem sentimentos negativos. Essa minha resolução interna em princípio vivia atormentada por uma ótica de que tal iniciativa me levaria a uma espécie de alienação das coisas mundanas, materiais.
Na verdade, esse estágio foi superado. Não imagino que o mundo se tornou um lugar melhor pelo simples fato de eu não olhar para ele. Mas é que, quando escrevemos, subentendem-se dois processos: um interno, de extravasão de idéias, e outro, externo, de recepção das tais idéias. Percebi que não tinha nenhum controle sobre essa segunda parte e que, analisando em perspectiva histórica, meus textos mais críticos, mais ácidos, em nada (ou em muito pouco, para ser bem condescendente) influíram para que seus leitores agissem para transformarem a realidade que os cerca.
Presunçoso, não?
Mas, afinal de contas, para quê escrever? E esse escrever não se reduz a um diário de memórias: está publicado e acessível ao mundo inteiro. Quando me deparei com a dimensão de "mundo inteiro" no sentido literal é que resolvi fazer algo para atingir o receptor de maneira mais eficiente.
O primeiro impacto foi de que eu teria que abandonar os assuntos políticos. Podia falar de futebol, que eu também gosto. Mas a simbiose entre futebol e política gera cada vez mais frutos corruptos e deformados. Aliás, Mino Carta discorreu com brilhantismo sobre isso. Eu acrescentaria que cada vez mais os papas da comunicação esportiva, como Milton Neves e Galvão Bueno, repetem que o futebol não é tão importante assim. "É a mais importante era as coisas menos importantes do mundo". Ao mesmo tempo, cada vez mais dinheiro é injetado na indústria do entretenimento esportivo. Entretenimento é business. Assim como deformou uma arte - o cinema - a grana corrompe os princípios norteadores da prática esportiva competitiva: o prazer, a diversão, o espetáculo, o desafio.
Poderia escrever sobre frivolidades como a eleição de Merval Pereira para a ABL, em substituição ao notável Moacyr Scliar, que deve estar revirando no túmulo. Talvez nem tanto, já que Merval fará companhia a Sarney e Pitanguy, entre outros próceres guardiões de nosso idioma. Mas o Carlos Motta já matou a pau, ao lembar da reusa de Monteiro Lobato em receber tal galardão:
"De forma nenhuma esta recusa significa desapreço à Academia, pequenino demais que sou para menosprezar tão alta instituição...Não é modéstia, pois não sou modesto; não é menosprezo, pois na Academia tenho grandes amigos e nela vejo a fina flor da nossa intelectualidade.
"É apenas coerência; lealdade para comigo mesmo e para com os próprios signatários; reconhecimento público de que rebelde nasci e rebelde pretendo morrer. Pouco social que sou, a simples ideia de me ter feito acadêmico por agência minha me desassossegaria, me perturbaria o doce nirvanismo ledo e cego em que caí e me é o clima favorável à idade."
Mas nada é mais degradante do que escrever sobre a raça humana. E, na ausência de argumentos, me limito a trascrever o que li bestificado:
http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/internacional/2011/06/01/policia-descobre-fabrica-de-bebes-na-nigeria-e-liberta-32-garotas-gravidas.jhtm

A polícia nigeriana descobriu uma casa, na cidade de Aba, onde garotas adolescentes eram forçadas a ter bebês que eram vendidos ou usados para outros propósitos, segundo o jornal inglês "The Telegraph".
Os policiais encontraram e libertaram 32 garotas, entre 15 e 17 anos, que estavam grávidas e prendeu o proprietário do imóvel. As adolescentes afirmaram que eram obrigadas a vender os bebês por cerca de 30.000 nairas (R$ 300), dependendo do sexo da criança.
Os traficantes, então, revendiam os bebês por até 1 milhão de nairas (R$ 10.200), de acordo com a agência estatal de combate ao tráfico humano na Nigéria.
Se for condenado, o dono da "fábrica de bebês" poderá pegar uma pena de até 14 anos de prisão.
Casos de abuso de criança e tráfico humano são cada vez mais comuns no oeste africano. Muitas crianças são vendidas para serem usadas como mão-de-obra barata em plantações, minas, fábricas e nos afazeres domésticos. Outras acabam na prostituição e há ainda as que são mortas ou torturadas em rituais de magia negra.
Na Nigéria, o tráfico humano é o terceiro crime mais comum, atrás das fraudes econômicas e do tráfico de drogas, de acordo com a Unesco.

Cheguei a essa surreal notícia via Esquerdopata, que ainda teve sarcasmo para intitular: "Ingerência Estatal atrapalha Livre Iniciativa". Nós mesmos já havíamos mostrado a ligação que existe entre a bandeira da desregulamentação dos mercados, lá no início do liberalismo, com a escravidão, que era vigente, mais então se tornou exponencial.
Mas, como continuam me faltando palavras, recorrerei a um verdadeiro imortal do nosso idioma, citado pela minha prima Ana: transcrevo o trecho do Saramago, que está no seu diário Cadernos de Lanzarote, que ele escreveu no dia em que assistia pela TV ao extermínio dos croatas pelos sérvios em Sarajevo: “Chorei enquanto as imagens terríveis se sucediam, chorei por aqueles desgraçados, chorei por mim mesmo, por esta impotência, pela inutilidade das palavras, pela absurda existência do homem. Só me consola saber que tudo isto acabará um dia. Neste derradeiro instante o último ser humano vivo poderá dizer enfim: ‘Não haverá mais morte.’ E terá de dizer também: ‘Não valeu a pena termos habitado este lugar do universo’.”

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