terça-feira, 13 de agosto de 2013

FEITIÇO PEDAGÓGICO


Nota introdutória: esse texto foi escrito em 2001, no auge do neoliberalismo brasileiro e da minha desilusão com uma graduação que estava no último ano e na qual jamais atuei. À época, por imposição do FMI e do Banco Mundial, o governo FHC tinha como meta a escolarização universal, mesmo que apenas formal. Minha angústia com o quadro da educação brasileira era atroz. Publiquei-o no site Duplipensar, em 04/04/2013. Há exemplos desatualizados, como a legião de doutores desempregados que espantava quem viveu o período, o que não invalida a hipótese defendida: desconsiderar a percepção sensorial da realidade e meramente esquentar a bunda nos bancos escolares pode render terríveis furúnculos, mas não melhora nem a pessoa, nem o mundo.
 


Conclusões quixotescas de conversa interessantíssima


Qual é o sentido de lutar contra os moinhos de vento? Para que, usando a expressão popular, dar murros na ponta da faca? Dom Quixote, o lendário fidalgo de Cervantes fez das causas impossíveis, a despeito de sua eticidade, o motivo de sua luta, de sua vida. Há hoje, no centro do debate educacional brasileiro duas categorias de pessoas que, agindo à moda magnânima de nosso herói espanhol, pensam estar contribuindo para melhorar a sociedade. Talvez por desconhecerem o ambiente pedagógico são acometidos por fantasias dentre as quais engendram o feitiço pedagógico que, em última análise, leva ao seguinte raciocínio: a escola ou a educação são capazes de tudo mudar. São os "reformadores" e os "ideólogos".

Quem se agarra nessa premissa de forma fundamentalista ou mesmo funcionalista, não desvenda a realidade que se forma perante seus olhos e sobre seus raciocínios. Não é má-fé, muito longe disso, não perceber que é o Mercado e não as suas ideologias de remodelar as estruturas de ensino e/ou amparo e aparato, que determinará o valor de uso e as mudanças e reformas escolares.

O circuito internacional dos bens não materiais a respeito da determinação mundial da escolarização, deixa clara a conseqüência invertida da idéia do desenvolvimento social pela ampliação da escolaridade. Senão vejamos: quantos doutores estão à margem do processo, via de regra, desempregados? A exemplos comparativos brutais, mesmos nos países de intenso desenvolvimento capitalista, onde um soldado ganha mais que um professor. Isso ilustra apenas o óbvio, que não é a escolarização que determina o valor do uso do saber e sim o mercado de trabalho. Destarte, torna-se evidente que sem distribuição de renda não há ascensão e nem desenvolvimento social pela escolarização.

Mencionaremos o feitiço pedagógico, pois supõe-se que a escola da sociedade moderna tem em vista o indivíduo, quando na verdade, está a serviço do capital. Caem na utopia pedagógica os reformadores que buscam solucionar os problemas sociais na escolarização de todos. O dito feitiço atinge os educadores e mesmo todos aqueles crentes que a instituição escolar tudo pode mudar. Não perceberam ainda que o eixo econômico é que funciona como um cardã transmissor para os demais, político, cultural, religioso e ideológico.

Afirmamos que o princípio e o fim da filosofia, não da escola, é ensinar a pensar, em utilizar a lógica e em fazer cidadãos críticos, éticos e conscientes. Após absorver conhecimento nos mais variados campos de atuação humana, aquele que sequer sabe de seu potencial filosófico passa a entender que a função da ideologia é inverter a realidade. A ideologia religiosa diz que quem morre vai para o céu, apenas de vermos, com nossos próprios olhos, os restos mortais enterrados sob a terra. A ideologia econômica vigente insiste em dizer que só fica rico quem trabalha.

Todavia sabemos que só o lucro faz as pessoas acumularem riquezas, não o trabalho. Só fica rico, desconsiderando os casos imorais sob a ótica da própria ideologia (corrupção, roubo, extorsão, etc.), quem acumular a mais valia, nas relações comerciais, ou quem escraviza a mão de obra, retendo o suor alheio, na indústria. A ideologia política reza que o comunismo é perverso, mas a maioria das pessoas não enxerga que há comunismo nos preços todos pagam no Mercado, independente de sua condição social, os mesmos preços para as mesmas mercadorias. No entanto, o mesmo Mercado não remunera todos da mesma forma, uns ganham mais, outros quase nada. Por que há comunismo só na hora de pagar, e não na hora de receber pela jornada de trabalho?

É a ideologia do capitalismo que inverte a realidade. O capitalista é duplamente maldoso com os desafortunados. No que tange ao comunismo dos preços eles acham perfeitamente normal os pobres pagarem os mesmos preços dos ricos. Aprovam e até defendem essa igualdade, pois quem lucra com isso é quem detém os bens de consumo. Noutro aspecto, com relação aos gritantes desníveis salariais, acham perfeitamente normal essa diferença, pois quem lucra com isso é quem paga pela força de trabalho.

Pensar criticamente, como se vê, não é um advento surgido no banco escolar, mas sim na percepção sensorial da realidade. Quem vive num mundo de devaneios, entorpecido muitas vezes pelo próprio ambiente escolar não sabe desmontar essa ideologia e vive subjugada a ela. As vezes, chegam ao cúmulo que aprovarem e defenderem o regime que as explora. Já dizia George Bernard Shaw: "O principal obstáculo à vitória do socialismo é que cada pessoa acredita, contra todas as probabilidades e o bom senso, que ficará milionária", e conclui: "a única coisa bem distribuída no mundo é a burrice".

A função da escola é meramente treinar os cidadãos, credenciar e produzir força de trabalho através de um certificado expedido ao final de determinado tempo. A partir daí cria, por conseqüência, funcional, o não-escolarizado. Estabelecida essa diferença pela Instituição, o Mercado, ao utilizar essa mão de obra, determina seus respectivos valores. Assim, desvenda-se os mecanismos perniciosos desta instituição tão útil (a quem?), imparcial e ingênua que a muitos tem enganado.


2 comentários:

Márcio Scott Teixeira disse...

Com exceção do primeiro parágrafo(histórico de 2001, que se alterou significativamente nos dias atuais) concordo plenamente com o texto.

Apelido disponível: Sala Fério disse...

Também se acreditava, nos anos 50 e 60, que a arte teria um papel transformador da realidade e que por isso o artista seria um 'iluminado'. Aos poucos se foi percebendo que tanto o papel da arte como do artista eram superdimensionados e que o artista era, muitas vezes, um simples operário em uma engrenagem cultural ou um mercador de sua arte, disputando espaços para se divulgar e sobreviver. Claro que a arte pode ser transformadora, mas esperar dela a mudança do mundo, como um elixir mágico que quando ingerido por um mortal contamina a todos os outros, é uma aposta muito ambiciosa.