Nota
introdutória: esse texto foi escrito em 2001, no auge do neoliberalismo brasileiro e da minha desilusão com uma graduação que estava no último ano e na qual jamais atuei. À época, por imposição do FMI e do Banco Mundial, o governo FHC tinha como meta a escolarização universal, mesmo que apenas formal. Minha angústia com o quadro da educação brasileira era atroz. Publiquei-o no site Duplipensar, em 04/04/2013. Há exemplos desatualizados, como a legião de doutores desempregados que espantava quem viveu o período, o que não invalida a hipótese defendida: desconsiderar a percepção sensorial da realidade e meramente esquentar a bunda nos bancos escolares pode render terríveis furúnculos, mas não melhora nem a pessoa, nem o mundo.
Conclusões quixotescas de conversa
interessantíssima
Qual é o sentido de lutar contra os moinhos
de vento? Para que, usando a expressão popular, dar murros na ponta da faca?
Dom Quixote, o lendário fidalgo de Cervantes fez das causas impossíveis, a
despeito de sua eticidade, o motivo de sua luta, de sua vida. Há hoje, no
centro do debate educacional brasileiro duas categorias de pessoas que, agindo
à moda magnânima de nosso herói espanhol, pensam estar contribuindo para
melhorar a sociedade. Talvez por desconhecerem o ambiente pedagógico são
acometidos por fantasias dentre as quais engendram o feitiço pedagógico que, em
última análise, leva ao seguinte raciocínio: a escola ou a educação são capazes
de tudo mudar. São os "reformadores" e os "ideólogos".
Quem se agarra
nessa premissa de forma fundamentalista ou mesmo funcionalista, não desvenda a
realidade que se forma perante seus olhos e sobre seus raciocínios. Não é
má-fé, muito longe disso, não perceber que é o Mercado e
não as suas ideologias de remodelar as estruturas de ensino e/ou amparo e
aparato, que determinará o valor de uso e as mudanças e reformas escolares.
O circuito
internacional dos bens não materiais a respeito da determinação mundial da
escolarização, deixa clara a conseqüência invertida da idéia do desenvolvimento
social pela ampliação da escolaridade. Senão vejamos: quantos doutores estão à
margem do processo, via de regra, desempregados? A exemplos comparativos
brutais, mesmos nos países de intenso desenvolvimento capitalista, onde um
soldado ganha mais que um professor. Isso ilustra apenas o óbvio, que não é a
escolarização que determina o valor do uso do saber e sim o mercado de
trabalho. Destarte, torna-se evidente que sem distribuição de renda não há
ascensão e nem desenvolvimento social pela escolarização.
Mencionaremos o feitiço pedagógico, pois supõe-se que a escola da sociedade
moderna tem em vista o indivíduo, quando na verdade, está a serviço do
capital. Caem na utopia pedagógica os reformadores que buscam
solucionar os problemas sociais na escolarização de todos. O dito feitiço
atinge os educadores e mesmo todos aqueles crentes que a instituição escolar
tudo pode mudar. Não perceberam ainda que o eixo econômico é que funciona como
um cardã transmissor para os demais, político, cultural, religioso e
ideológico.
Afirmamos que o princípio e o fim da filosofia, não da escola, é ensinar a pensar, em utilizar a lógica e em fazer cidadãos críticos, éticos
e conscientes. Após absorver conhecimento nos mais variados campos de atuação
humana, aquele que sequer sabe de seu potencial filosófico passa a entender que
a função da ideologia é inverter a realidade. A ideologia religiosa diz que
quem morre vai para o céu, apenas de vermos, com nossos próprios olhos, os
restos mortais enterrados sob a terra. A ideologia econômica vigente insiste em
dizer que só fica rico quem trabalha.
Todavia sabemos
que só o lucro faz as pessoas acumularem riquezas, não o trabalho. Só fica
rico, desconsiderando os casos imorais sob a ótica da própria ideologia
(corrupção, roubo, extorsão, etc.), quem acumular a mais valia, nas relações
comerciais, ou quem escraviza a mão de obra, retendo o suor alheio, na
indústria. A ideologia política reza que o comunismo é perverso, mas a maioria
das pessoas não enxerga que há comunismo nos preços todos pagam no Mercado,
independente de sua condição social, os mesmos preços para as mesmas mercadorias.
No entanto, o mesmo Mercado não remunera todos da mesma forma, uns ganham mais,
outros quase nada. Por que há comunismo só na hora de pagar, e não na hora de
receber pela jornada de trabalho?
É a ideologia do
capitalismo que inverte a realidade. O capitalista é duplamente maldoso com os
desafortunados. No que tange ao comunismo dos preços eles acham perfeitamente
normal os pobres pagarem os mesmos preços dos ricos. Aprovam e até defendem
essa igualdade, pois quem lucra com isso é quem detém os bens de consumo.
Noutro aspecto, com relação aos gritantes desníveis salariais, acham
perfeitamente normal essa diferença, pois quem lucra com isso é quem paga pela
força de trabalho.
Pensar
criticamente, como se vê, não é um advento surgido no banco escolar, mas sim na
percepção sensorial da realidade. Quem vive num mundo de devaneios, entorpecido
muitas vezes pelo próprio ambiente escolar não sabe desmontar essa ideologia e
vive subjugada a ela. As vezes, chegam ao cúmulo que aprovarem e defenderem o
regime que as explora. Já dizia George Bernard Shaw: "O principal
obstáculo à vitória do socialismo é que cada pessoa acredita, contra todas as
probabilidades e o bom senso, que ficará milionária", e conclui: "a
única coisa bem distribuída no mundo é a burrice".
A função da
escola é meramente treinar os cidadãos, credenciar e produzir força de trabalho
através de um certificado expedido ao final de determinado tempo. A partir daí
cria, por conseqüência, funcional, o não-escolarizado. Estabelecida essa
diferença pela Instituição, o Mercado, ao utilizar essa mão de obra, determina
seus respectivos valores. Assim, desvenda-se os mecanismos perniciosos desta
instituição tão útil (a quem?), imparcial e ingênua que a muitos tem enganado.
2 comentários:
Com exceção do primeiro parágrafo(histórico de 2001, que se alterou significativamente nos dias atuais) concordo plenamente com o texto.
Também se acreditava, nos anos 50 e 60, que a arte teria um papel transformador da realidade e que por isso o artista seria um 'iluminado'. Aos poucos se foi percebendo que tanto o papel da arte como do artista eram superdimensionados e que o artista era, muitas vezes, um simples operário em uma engrenagem cultural ou um mercador de sua arte, disputando espaços para se divulgar e sobreviver. Claro que a arte pode ser transformadora, mas esperar dela a mudança do mundo, como um elixir mágico que quando ingerido por um mortal contamina a todos os outros, é uma aposta muito ambiciosa.
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