terça-feira, 24 de agosto de 2010

CIRCO DE HORRORES

Pouco tempo atrás, cismei que iria estudar filosofia. Não deu, por uma série de circunstâncias. Um dos produtos finais do meu mestrado inconcluso foi esse pequeno desabafo publicado no blog do Márcio, que anda às moscas.
Se serviu para alguma coisa, os dois anos de submissão ao método asfixiante com que os herméticos acadêmicos filósofos supliciam suas vítimas, foi para me aproximar de uma delas. Talvez a maior vítima da academia burguesa.
Rousseau foi enxovalhado de todas as maneiras possíveis e imagináveis. Só isso daria assunto para um blog inteiro: "As Injustiças Cometidas Contra Rousseau". Uma internet inteira. Mas como o nosso blog aqui prefere malhar um adversário ainda vivo (o PIG continua guinchando alto) do que ressuscitar um aliado ultrajado, esse não é o nosso enfoque. Trouxe Rousseau à baila apenas para citá-lo:
"A soberania não pode ser representada pela mesma razão porque não pode ser alienada, consiste essencialmente na vontade geral e a vontade absolutamente não se representa. É ela mesma ou é outra, não há meio-termo. Os deputados do povo não são, nem podem ser, seus representantes; não passam de comissários seus, nada podendo concluir definitivamente. É nula toda lei que povo diretamente não ratificar; em absoluto, não é lei. O povo inglês pensa ser livre e muito se engana, pois só o é durante a eleição durante as eleições dos membros do parlamento; uma vez estes eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves momentos de sua liberdade, o uso que dela faz, mostra que merece perdê-la". (Contrato Social, Livro Terceiro, Capítulo XV).
O fundamento intelectual é preciso: não se pode querer por terceiros. No máximo, pode-se exprimir a vontade de outrem, desde que esteja conclusa e explícita. Logo, o legislador não pode "representar" o povo, mas apenas enunciar a uma vontade alheia já firmada e formulada.
O rígido argumento de Rousseau nesse ponto tornou-se fonte de lancinantes disputas, motivando até guerras e execuções. Na Assembléia revolucionária, o tema provocaria violentos debates, não se furtando Robespierre em afirmar que cada lei, para exprimir a vontade soberana do povo, deveria ser submetida ao "plebiscito" (Robespierre generaliza plebiscito como consulta popular. Na moderna terminologia jurídica, usamos referendo, quando uma lei aprovada pelo congresso é submetida ao crivo popular, e plebiscito para resoluções populares que depois são ratificadas pelo legislativo).
Contrapondo-se a Robespierre, Siéyès faria a defesa do sistema representativo, que foi o adotado, integrando-se na estrutura constitucional da França, posteriormente copiado pelos Estados Unidos e demais democracias representativas.
E eis que na atual eleição nos deparamos com verdadeiras aberrações que advogam o direito de serem representantes dos anseios populares. Faltam-me adjetivos para desqualificar tamanho oportunismo. Pessoas que, no afã de se manterem em evidência, amealhando seus patrimônios às custas da alienação do cidadão comum, buscam agora expandir sua atividade econômica para dentro do Estado. O privado invadindo o público, numa confusão bem afeita à corrupção de massa.
Inobstante o despreparo evidente dos tais candidatos, salta aos olhos a repentina preocupação com as coisas públicas. Até outro dia, a única importância que davam para isso residia na possibilidade de abrirem suas casas para fotos da revista Caras.
Mas, depois de verem Clodovil, Frank Aguiar e outros se elegerem, vários perceberam que a boquinha pode ser ainda maior. Creio que é papel da blogosfera denunciar esse tipo de manobra, ilusória aos corações mais simples e boicotar esses "artistas".
Se já os ignorava pela baixa qualidade musical/humorística/esportiva, agora passo a desprezá-los também pelo desdém com que exercem sua cidadania.




















4 comentários:

patrick disse...

Meu caro Marco, já discutimos muito sobre os textos do Rousseau e concordo com o teor desse em específico. A representação da vontade é uma ficção política. Um dos capítulos da minha dissertação de mestrado (que foi devidamente atacada tanto na banca de qualificação quando na banca final)tenta refletir sobre o motivo da representação política da vontade do povo ser uma das vacas sagradas da democracia de corte ocidental.Certamente, vários seriam os motivos, mas um deles me chama muito a atenção: a representação é fundamental para o capitalismo já que libera a choldra, a escumalha do exercício da Política, direcionando toda sua potencialidade apenas para a devida produção de mais-valia. Sem a criação da democracia representativa (que foi a grande invenção política do liberalismo)as travas seculares que amarravam a produção industrial jamais seriam desarmadas e a sociedade de consumo em massa seria impossível. E, em última análise, é a mídia em todo o mundo que garante a validade desse arranjo desqualificando sempre que possível a política e adormecendo a mente dos membros de seguidas gerações com todo tipo de apelo aos instintos mais básicos dos cidadãos. A candidatura desses indivíduos é tratada como uma anedota pelos meios de comunicação reforçando de maneira velada a incapacidade da Política de regular a vida em sociedade e que resta apenas a troça da vida pública, reforçando cada vez mais a distância entre a esfera pública e a esfera privada para deleite dos liberais de plantão.

Marco disse...

O arranjo é o seguinte: desonerando o indivíduo de sua faceta cidadão, resta pouca coisa além da sua capacidade de sobreviver.
Mais ou menos como estudamos na distinção que os gregos faziam entre bios e zoe para dizerem "vida". Bios é uma vida plena, completada pela participação em uma atividade como a política (ou a filosofia). Já a Zoe é só a vida animalesca, sem qualquer traço distintivo.
Acontece que não ando tão pessimista, e vejo uma forma de exercer a cidadania muito clara: essa aqui, pela internet, analisando o mundo em que vivemos, questionando a realidade, influenciando e sendo influenciado, propondo soluções para a coletividade.
Não é necessário ter um cargo público. Não é necessária a filiação a um partido. Não são necessários profundos conhecimentos de política.
Uma base material mínima - que tende a ser mais mínima ainda, na medida em que a democratização da internet se consolide -, algum tempo (sim, não dá para ser cidadão se se ficar totalmente alienado pelo trabalho) e vontade.
Internet, algum tempo e vontade. É o que basta para uma nova forma de militância política aconteça. Acho que escreverei mais sobre isso...

Márcio Scott Teixeira disse...

Será que na época da revolução francesa esses seres teriam conhecido a guilhotina?

Márcio Scott Teixeira disse...

Uma coisa que me chamou atenção foi o nível de escolaridade de alguns deles "lê e escreve". Que mentira! Ninguém lê nesse país.