sexta-feira, 27 de agosto de 2010

NOVA CIDADANIA PELA MILITÂNCIA DIGITAL


Sabe quando você sente saudade de algo que não viveu? É uma sensação difícil de explicar, mas é o que sinto em relação o I Encontro dos Blogueiros Progressistas, ao qual infelizmente não pude comparecer. Mesmo assim, o evento proporcionou algumas reflexões em mim, à distância, e gostaria de compartilhá-las.
Cada vez mais eu me convenço que o espaço para militância é o da comunicação. Vários de nós ainda temos um tipo de emprego formal que está se diluindo nas novas relações de emprego (trabalho é um termo mais amplo; seria incorreto utilizá-lo aqui). Essas novidades não são necessariamente boas, tampouco ruins. Nem digo que com isso acaba a luta de classe, o que seria uma grande bobagem. Ela apenas se transfere de arena. O resultado decorrente das tais novas relações de emprego dependerá do contexto no qual acontecer. As possibilidades que a inclusão digital massiva proporcionam para o exercício de uma cidadania crítica tornam o cenário alvissareiro.
E mais: dando uma de profeta, mesmo que escorado nos que estiveram presentes nos debates, creio que a militância não será algo profissional. Será parte constitutiva do “cidadão”, do homem integral e desalienado, que exercerá um determinado metier, no qual se especializará e do qual retirará seu sustento, mas no fim todos que quiserem poderão se tornar sujeitos políticos ativos. Aqueles que ainda vivem os resquícios do emprego formal, talvez não tenham essa percepção e ainda enxerguem a luta de classes sobre o prisma que a via Marx no século XIX – patrões vs. empregados, donos dos meios de produção vs. trabalhadores, capitalistas vs. proletariado. Essa interpretação do mundo não está errada, mas segmentada, representando a realidade de muito poucos. E os ganhos dessa nova ideologia podem ser enormes: detona não só a comunicação na forma como conhecemos (Azenha e outros a chamam, com propriedade, de “hierárquica”, ou ainda “jornalismo industrial”), mas também a política tradicional, com a imensa distância entre o cidadão representado e o político representante.
Tende a desaparecer (ou ao menos diminuir) essa maldita dicotomia entre estatal e privado, própria do modelo de Estado Moderno, que põe regras em algumas coisas e deixa outras a critério dos particulares. Há inúmeros exemplos disso. Para não ir muito longe, um dos pilares do nosso direito civil é que o contrato é uma “lei entre as partes”.
Finalmente emerge a teorizada e almejada “sociedade civil” (acho que todos os filósofos mais à esquerda falam dessa abstração – até agora), que seria a verdadeira esfera pública, não estatal, mas com conteúdo acessível a todos e que permitiria uma vida coletiva sem intermediação, nem dos barões privados (que vêm desde o senhor feudal até os donos dos monopólios midiáticos), nem do Estado (que é sempre um instrumento, e que quando nas mãos erradas, se transforma num aparelho de repressão).
Com esse caráter utilitário, o Estado perderia autoridade, ficando restrito a funções bem específicas, institucionais e de organização dos espaços coletivos. Já o poder privado pode se tornar bem mais agressivo, haja vista a possibilidade de sua supressão. Acuado, tende a reagir com fúria sobre os antigos dominados. Mais do que nunca, a máxima da marxista faz sentido: “Socialismo ou barbárie”.


O próximo passo da blogosfera: incentivar a militância digital

Luiz Carlos Azenha


A Conceição Oliveira, do Maria Frô, definiu bem: os blogueiros mais velhos devem ensinar aos mais novos como fazer política; e os mais novos devem ensinar tecnologia aos mais velhos. Foi a respeito de um momento que considero simbólico no debate final do Encontro Nacional de Blogueiros, quando aqueles que queriam incluir a palavra “mídia colaborativa” na carta foram derrotados pela grande maioria. Perderam duas vezes, por não terem conseguido explicar o que queriam dizer com isso. Talvez não tenham tido tempo de fazê-lo. Vou tentar explicar esse distanciamento entre as gerações, que ficou evidente.

Quando leio os portais da grande mídia e mesmo quando leio a Carta Maior, a Caros Amigos e a CartaCapital na internet (as três com conteúdo editorial excelente), percebo que todos estão ainda na internet do século 20. Na internet 1.0. Na internet verticalizada , em que os editores decidem e os leitores lêem. Sim, há caixas de comentários. E há espaço para os leitores se manifestarem, enviando fotos e informações, em alguns portais. Mas esses espaços ainda refletem, acima de tudo, a transposição da lógica da velha mídia para o espaço virtual. O leitor está ali, mas ainda é tratado como se fosse hierarquicamente inferior aos jornalistas, aos editores e aos especialistas.

Para não cometer uma injustiça, noto o excelente blog do Emir, do professor Emir Sader, que foi ao encontro dos blogueiros; e as mudanças que Celso Marcondes fez, melhorando muito o site da CartaCapital.

Noto, também, que a lógica da velha mídia é reproduzida por muitos blogueiros. Aliás, ela fazia sentido quando a internet começou a se transformar em um espaço para furar o bloqueio dos barões da mídia. Muitos blogueiros se tornaram, eles próprios, micro-barões da mídia, com poder de veto sobre os comentários e a condução da linha editorial do espaço. Fazia sentido, quando não existiam ainda as ferramentas da internet 2.0, da chamada mídia colaborativa ou horizontalizada.

Quais são essas ferramentas? O twitter e o formspring, os microblogs que permitem a você trocar informações com outros internautas; as redes sociais como o facebook e o orkut, em que você se integra a uma comunidade de internautas; e ferramentas como o twitpic, a twitcam e o ustream, que permitem a você enviar e receber imagens de internautas e transmitir vídeo ao vivo enquanto interage com os leitores. Há dezenas de outras, essas são apenas as mais conhecidas.

O que significam essas ferramentas? Basicamente, interação.

Qual a consequência do uso delas por um blogueiro, seja jornalista ou não? Fica implícito que ele desce do pedestal, se iguala aos leitores, passa a ser apenas o coordenador do espaço, que na verdade é tocado pelos interesses dos leitores e comentaristas.

A longo prazo, seria o fim do jornalismo industrial. Seria, não, será. Talvez eu não viva para testemunhar isso, mas o papel tradicional da mídia, assim chamada por pretender fazer a mediação entre os diversos atores sociais, receberá um estaca no coração cravada pela “mídia colaborativa”.

As razões para isso residem no fato de que há uma infinidade de leitores muito mais qualificados do que eu ou qualquer blogueiro para escrever sobre engenharia, medicina e informática. Para fazer humor ou opinar sobre política. Para tratar de questões éticas ou legais. E essas pessoas começam a participar da blogosfera, criando seus próprios espaços ou comentando nos já existentes.

Como demonstrei no Encontro Nacional de Blogueiros, onde apresentei a minha “mala de ferramentas” (câmeras, gravadores, cabos de conexão etc.), quando quero carrego comigo uma emissora de rádio, de TV e um jornal. Quanto Assis Chateaubriand gastou para formar seu império? E o Roberto Marinho? Guardadas as devidas proporções, as novas tecnologias de informação permitem a um blogueiro ter seu mini-império informativo com um investimento total de menos de 5 mil reais.

Qual é a diferença essencial entre ele, blogueiro, e o jornalista que trabalha em uma corporação? A liberdade para falar e escrever o que quiser, desde que se submeta de maneira elegante à chuva de críticas de seus próprios leitores, quando for o caso. Sim, porque os leitores deixam de ser apenas receptores de informação. Eles opinam, criticam, acrescentam e anunciam na caixa de comentários. Funcionam como abelhas em um processo de polinização. Trazem sugestões de textos, insights e informações que muitas vezes se transformam em posts, ou seja, os leitores se tornam co-responsáveis pelo espaço.

É justamente por isso que, como notou o Rodrigo Vianna, do Escrevinhador, talvez o foco do Segundo Encontro Nacional de Blogueiros deva ser na troca de informações entre os blogueiros sobre essas novas tecnologias. Fizemos alguns painéis que tiraram o fôlego do público, tantas eram as novidades sobre as quais falamos.

Já antevejo o passo seguinte: esses blogueiros, futuramente, poderão ser os professores dessas tecnologias em seus bairros, em escolas técnicas ou junto aos movimentos sociais.

Essas tecnologias, obviamente, são politicamente neutras, mas devem ser apropriadas para que um número cada vez maior de brasileiros possa produzir conteúdo informativo e participar direta e ativamente do trabalho de aprofundamento de nossa nascente democracia.


2 comentários:

patrick disse...

Eu entendo bem o que você quer dizer quando diz sobre a saudade do que não viveu. Também lamentei muito não ter podido ir ao encontro por limitações de tempo e grana mesmo. Mas lendo o seu texto, ocorreram-me algumas dúvidas e talvez você pudesse me explicar o seu ponto de vista.
- Realmente concordo que hoje em dia a militância digital oferece enormes possibilidades, que tendem a crescer à medida que a inclusão digital avance. O que quer dizer que isso precisa de uma política pública específica.Mas será que esse potencial democrático ora em plena expansão não poderia ser tolhido se a mundo da comunicação através da internet começar a aumentar sua influência no "mundo físico"? digo, no fim das contas, salvo estiver falando uma grande besteira, esses portais de hospedagem são empresas que vendem um serviça da mesma forma que a firma clássica, despendem enorme montante de capital para montar servidores potentes, cabos para transimssão de dados, investem em crescente capacidade de circulação de dados. Fico imaginando quem são os reais donos da web e se eles se mostrariam no caso de necessidade de real defesa de um estilo de vida ameaçado.
- uma segunda ideia que me ocorreu baseado no que vc escreveu é se você entende o surgimento dessa "sociedade civil que seria a verdadeira esfera pública" a realização, em algum nível, da teoria habermasiana da "ação comunicativa", ou uma comunicação livre, racional e crítica a se opor a uma "ação instrumental" aprisionada pela lógica instrumental de mercado?

Marco disse...

Caro Patarick,
Me faltam elementos para responder a sua segunda indagação. Não entendo lhufas dessas teorias de Habermas. Quando estava na academia, ainda ouvia falar e tinha alguma noção, mas hoje, o pouco que já soube, esqueci.
Quanto à primeira, também tenho essa preocupação. Estamos vivendo o que pode ser chamado de "primeiro momento", onde os serviços de hospedagem auferem seu quinhão graças à disposição dessa militância digital. Daí em diante, há muitas dúvidas, mas eu imagino que faz todo sentido lutar e defender o PNBL, que realmente democratize o acesso.
Depois do acesso universalizado, as possibilidades de contato são infinitas. Comparação grosseira, imagine um sindicato, ou uma associação de bairro, estudantil, qualquer foma de militância do que você chamou de "mundo físico". Eles precisam de uma "sede". Alugam um imóvel no mercado, como qualquer outro cliente, que trabalhe em qualquer ramo ou atividade. É isso que acontecerá na internet. Basta você lembrar o exemplo do que o Nassif vem fazendo: ele já tem um portal, no qual você se cadastra e mantém seu blog interagindo com os demais.