domingo, 14 de novembro de 2010

RUMO AO FUNDO DO POÇO

O discurso político no Brasil apresentava um vácuo. Desde as "Diretas já" não havia um movimento capaz de catalizar os anseios da sociedade. Talvez o impeachment de Collor, com ressalvas acerca do controle que a Rede Globo exerceu sobre as manifestações cara-pintada. Nos raríssimos momentos de participação popular - as eleições - as escolhas sempre se pautaram pelo pragmatismo, pelos interesses imediatos de classe, ou apenas pelo protesto inconsequente do voto em um Enéas, Clodovil, et caterva.
Essa eleição fez emergir do "submundo da política" (expressão lapidar do apedeuta) outros interesses, outrora tachados de mesquinhos e/ou inconfessáveis. Simbolizando a ideologia que mistura o que há de pior em termos de preconceito - xenofobia, racismo, aristocracismo tardio e deslocado, enoclofobia - Mayara Petruso encarna o ideal da "eugenia paulista", uma suposta "POI", resultado do amálgama das três raças - branco, negros e índios - como de resto, todo o Brasil, mas que atingiu excelência em termos culturais e evolutivos, e agora deve tomar as rédeas do destino de todo povo brasileiro, purgando-o da miscigenação e remindo-o dos sangue impuro de seus ancestrais indignos.
Mayara foi barbaramente defendida em dois editorais na Folha de São Paulo. Na quinta, dia 11, Leandro Narloch assina o nazista "Sim, eu tenho preconceito", justificando o injustificável e fazendo a apologia do preconceito contra "cidadãos que nem sequer sabiam, dois meses antes da eleição, quem eram os candidatos a presidente", "com quem tem graves deficiências educacionais e se mostra contente com isso e apto a decidir os rumos do país" e "quem insiste em pregar o orgulho de sua origem", entre outras baboseiras.
Mais longe foi Janaína Conceição Paschoal, advogada e professora associada de direito penal na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Seu texto tem como título “Em defesa da estudante Mayara”, publicado no matutino do dia 12. O cúmulo foi atribuir a Lula (!) a responsabilidade pelas declarações da "Patricinha Fascista", supostamente motivadas oposição de regiões promovidas pelo atual governo: "Mayara é um resultado da política separatista há anos incentivada pelo governo federal".
Mayara, Leandro e Janaína são estão sozinhos: Ju Tedesco aí ao lado (clique na imagem para ampliar) vem corroborar e tornar mais agudas as posições até então demonstradas. Daqui uns dias, eles, que já não têm vergonha de pleitear a dissolução da União, clamarão pela revogação do sufrágio universal e - mais adiante - da Lei Áurea.



Patricinha fascista

A estupidez está sempre ao alcance de todos. Mayara Petruso, patricinha paulista, estudante de direito, saiu do anonimato para a fama, via Twitter, graças a um coice na inteligência nacional.

Indignada com a vitória de Dilma Rousseff, a moça disparou este petardo: "Nordestino não é gente, faça um favor a São Paulo, mate um nordestino afogado. Tinham que separar o Nordeste e os bolsas-vadio do Brasil (...) Construindo câmaras de gás no Nordeste, matando geral". No Facebook, a burrinha racista se atolou um pouco mais: "Afunda, Brasil. Deem direito de voto pros nordestinos e afundem o país de quem trabalha pra sustentar vagabundos que fazem filhos pra ganhar bolsa 171". Mayara já perdeu o emprego no escritório onde trabalhava e sofrerá ação judicial protocolada pela OAB.


Alguns jovens universitários paulistas têm revelado um grau superior de idiotice. Depois da turminha que hostilizou uma guria por causa da sua minissaia, apareceu o bando do "rodeio das gordas", propondo tratar meninas obesas como animais. E agora entra em cena a tal Mayara. O escândalo maior é imaginar que isso representa uma opinião média difundida na Internet. Como será que a mulinha Mayara explica a vitória de Dilma em Minas Gerais? Achar que as ajudas sociais são incentivos à vagabundagem é típico de uma elite primitiva ou de uma classe média ignorante. Qualquer país civilizado, a começar por França, Alemanha, Inglaterra e, evidentemente, países escandinavos, oferece mais ajudas sociais que o Brasil. Não adianta ir à Europa só para comprar bolsas Vuitton. É preciso espiar o cotidiano.

Quem não recebeu e-mails dizendo que Dilma não podia ser candidata por ter nascido na Bulgária? Quantos analistas têm por aí sugerindo que os nordestinos são subeleitores que votaram com o estômago? Quando um empresário escolhe um candidato seduzido pela possibilidade de redução de impostos, o que é legítimo, não se trata de voto por interesse? Não é voto com o bolso? Quando ruralistas votam num candidato na esperança de conseguir mais incentivos, o que é comum, não é voto interesseiro? Mayara não deixa de ser o produto de uma estratégia perigosa, a divisão ideológica entre bem e mal. Foi essa perspectiva, cara ao vice Índio da Costa, que José Serra adotou. A revista Veja e o jornal Estado de S. Paulo deram aval a essa idiotice retrógrada. Uau!

O PSDB, que nasceu pretendendo ser moderno e racional, podia mais. Veja, que se acha mais moderna do que os modernos, acabou por produzir leitores Mayara. Isso não tem a ver com partidarismo como imaginam os mais simplórios ou ideológicos. Eu jamais terei partido. Meu único capital é a independência selvagem. Sou a favor do voto de castidade partidária para jornalistas. Tudo pela liberdade de dizer que quem acha o Bolsa-Família um incentivo à vadiagem pensa como Mayara. Esse foi o principal erro tucano na campanha eleitoral: ter guinado à direta para tentar seduzir as Mayaras, que arrastaram um intelectual progressista como Serra para o reacionarismo rasteiro do Estadão e da Veja. Mayaras, nunca mais!

Juremir Machado da Silva
Artigo publicado no Correio do Povo de 5/11/2010

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