domingo, 29 de dezembro de 2013

BOM PRINCÍPIO

2013 entra para a história como o ano do fracasso. A se informar pelo PIG, o Brasil se arrasta miseravelmente rumo ao precipício inexorável a que é levado pelo PT, sejam os petistas do governo, fora dele e até mesmo os encarcerados. Por outro lado, o dos fatos, vimos a derrota do levante golpista, da campanha contra os médicos cubanos e do Anderson Silva.

A bem da verdade, essa lenga-lenga já encheu o saco. Nas livrarias, a blitz direitista que assolou a mídia impressa está encalhada. Todos os outros livros venderam como água, exceto os deprimentes Olavo de Carvalho e seus sequazes que entulham as prateleiras. O descolamento da realidade como visto nas manchetes de "pior" (sic) Natal dos últimos 11 anos não repercutiu nos encontros familiares. Antes tão influente, esse tipo de literatura está condenada a morrer à míngua nas páginas cada vez mais obscuras da pitonisa do apocalipse, a revista Veja.

Só para ilustrar uma faceta, o editor do Anti-PIG, que esteve de férias nos últimos dias, cruzou de carro sete unidades da federação: DF, GO, MG, SP, RJ, PR e SC. Nunca se deparou com estradas tão bem conservadas, noves fora as rodovias privatizadas pelo estado de São Paulo, cujo valor médio de tarifas é de R$ 0,13 o km rodado, um dos mais caros do mundo, tema recorrente aqui no nosso blog. Reclamar do trânsito intenso, sobretudo em véspera de feriado, é cair no discurso do burguês incorformado com o aeroporto apinhado de gente ou com aquele não aceitava tantos pobres conseguirem ter seu próprio carro.

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Pensamento: a viagem entre São Paulo e Florianópolis, 700 km percorridos em estradas federais tem 10 praças de pedágios com valor total de R$ 17,60 (R$ 0,025 o km). Ainda assim, optou-se pelo modelo de concessão pelo menor valor cobrado. Me lembro que, quando criança, morava em São Paulo e o pedágio era cobrado pelo DERSA. Nem se aventou a possibilidade da cobrança de pedágio ser feita pelo próprio Estado? Pode ser que haja alguma restrição legal que desconheço, mas a causa me parece ser o "custo" representado pela contratação necessária de servidores públicos para manutenção das rodovias, em oposição aos atuais prestadores de serviços sem a mesma cobertura de direitos trabalhistas bem como os contratos de empreita.

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O fato é que o Brasil do PIG não existe. E uma impressão que estes últimos dias na estrada fizeram calar fundo é que o Brasil real já não acredita na papagaiada catastrofista do PIG. Nem mesmo no lugar mais abastado em que já estive na minha vida (Jurerê Internacional) há eco para a ladainha do contra. Foi desproporcional a repercussão entre a visita da Dilma à Floripa e o lançamento da candidatura Aécio no Café de la Music, espécie de embaixada de paulistanos rentistas em Jurerê. Não se compara, em termos de relevância e estatura moral, uma gigante e um anão.

Pobres, ricos e até a classe média, em que pese o chororô, melhoraram seu padrão de vida. Vivemos o menor desemprego já mensurado. E pleno emprego proporciona ao trabalhador maior poder de barganha junto aos patrões. Ao invés do que ocorria 15/20 anos atrás, quando o pauta era a redução de benefícios e a "empregabilidade", hoje falamos, ano após ano, em aumento real. O incremento nas vendas de shopping no período natalino de 6% (triplo da expectativa de crescimento do PIB) ilustra quais os dados concretos em que se fiar. Como escreveu o Conversa Afiada, desenvolvemos o Capitalismo com características brasileiras, que a direita e sua mentalidade colonizada é incapaz de entender.

Não se admite mais a mídia corporativa como formadora de opinião, o que é um excelente presságio para o porvir. Breno Altman, perseguido por uma súcia de psicopatas, vislumbrou o porquê. Enxergou certa direita republicana (palavras dele), que tenta vincular os êxitos do governo a eventuais ações do período administrativo anterior, com quem seria possível até certa discussão política. Já a outra manifestação, de cunho liberal-fascista (por mais que pareçam termos contraditórios, é a junção do Pinochet com a escola de Chicago e os seguidores de Ludwig von Mises), tomou conta dos grandes veículos de comunicação e empreende uma campanha de ódio, fundada no preconceito social e de cor que faria o corvo corar. São os caras que obstruem as livrarias citados acima. O guinchar dessa corja assusta até leitores conservadores, conduzindo esses meios à extinção em marcha acelerada e inevitável. Há que se considerar, porém, um tipo de Síndrome de Estocolmo na própria esquerda, que perde seu tempo falando sobre a novela. ou a capa de Veja. ou sobre o devoice.

O AntiPIG anseia dar boas notícias. Seremos a maior indústria naval do século XXI. Com o Pré-Sal, teremos a segurança econômica que alicerçará vôos maiores. O mundo renova suas esperanças na boa nova: queremos escrever sobre a comuna de Riace, na Calábria, e o projeto Agroflorestar, no Vale do Ribeira, em São Paulo. Continuaremos precavidos contra a sordidez costumeira, mas entendo que a hora é de nos apropriarmos de mais do que da agenda de debates: é hora de assumir as rédeas do nosso destino, como nação altaneira e povo autodeterminado.

Feliz 2014!

sábado, 7 de dezembro de 2013

MADIBA (1918-2013)

Os últimos anos têm nos reservados obituários difíceis de suportar. Ano passado se foram, nos últimos meses, Eric Hobsbawn e Oscar Niemeyer, o estudioso e o artista, o metódico e o gênio, o historiador e o inovador, humanistas que elevaram a dignidade da espécie a qual pertencemos.

Agora, depois do adeus a Hugo Chavez, lamentamos a passagem de Mandela. Nas palavras do presidente sul-africano Jacob Zuma, "Esta nação perdeu um grande filho". Vou além, e digo que o mundo se despediu de um gigante, talvez como os que povoaram a terra no princípio dos tempos. Um colosso em estatura moral.

(...)

Plutarco foi o criador do gênero que conhecemos como biografia. Sua monumental obra, Vidas Paralelas, traz 23 pares de relatos da vida de um grego e a de um romano. A mais conhecida é a que contrapõe Alexandre a Júlio César. Não de hoje, mas é fato que no mundo moderno, há um paralelo entre Mandela e Lula. A origem humilde, na essência de suas respectivas pátrias, a luta contra a legalidade instituída de forma iníqua, a formação de um partido político que representa o povo à margem das decisões e, o principal, a renúncia à vingança como forma de fazer política, apesar das absurdas injustiças que sofreram. Os "grandes interlocutores dos pobres", nas palavras de Bono Vox.

Um capítulo menor deste paralelo é a capacidade de preparar terreno para seus sucessores, que continuam sendo assediados pelo poder econômico: Na África do Sul, primeiro foi Thabo Mbeki, que o seguiu, rotulado ora como "radical", ora como "intransigente". Depois veio Jacob Zuma, tachado de "populista", além de impropérios mais baixos. Aqui, todos os defeitos foram imputados à Dilma Rousseff, por enquanto.

(...)

É importante aos incautos saber que Mandela tinha lado. Ou, usando uma palavra que cada vez mais se torna obscura, ele tinha ideologia. Era um socialista democrático que, quando bloqueado pela repressão, não hesitou em defender suas ideias pelos meios que estivessem à disposição. O poder branco, e todos os que legitimaram a bestialidade que ocorreu na áfrica do sul tinham em Mandela um adversário.

Reproduzimos abaixo o texto de Atílio A. Borón, do jornal Página 12, da Argentina. Foi transcrito no Conversa Afiada e traduzido pelo ANTI-PIG.



A morte de Nelson Mandela precipitou uma enxurrada de interpretações de sua vida e obra, todas as quais apresentam-no como um apóstolo do pacifismo e uma espécie de Madre Teresa na África do Sul.

Se trata de uma imagem essencial e premeditadamente errada, que ignora que, após o massacre de Sharpeville, em 1960, o Congresso Nacional Africano (CNA) e seu líder, precisamente Mandela, adotaram a luta armada e sabotagem a empresas e grandes projetos econômicos, porém sem atentar contra vidas humanas. 

Mandela recorreu a vários países da África em busca de ajuda econômica e militar para sustentar esta nova tática de luta. Caiu preso em 1962 e pouco depois foi condenado à prisão perpétua, o que iria mantê-lo relegado a um cárcere de segurança máxima, uma cela de dois por dois metros, durante 25 anos, exceto os dois últimos anos em que a formidável pressão internacional para alcançar sua libertação melhoraram as condições de sua detenção. 

Mandela, portanto, não foi um "adorador da legalidade burguesa", mas um extraordinário líder político cuja estratégia e táticas de combate foram variando conforme as diferentes condições sob as quais lutava suas batalhas. 

Dizem que foi o homem que acabou com a odioso "apartheid" sul-africano, o que é uma meia-verdade. A outra metade do mérito cabe a Fidel e a Revolução Cubana, que com sua intervenção na guerra civil angolana selou o destino dos racistas, ao derrotar as tropas do Zaire (hoje República Democrática do Congo), o Exército Sul-Africano e dois exércitos mercenários angolanos organizados, armados e financiados pelo os EUA através da CIA.

Graças à sua heroica colaboração, na qual uma vez mais se demonstrou o nobre internacionalismo da Revolução Cubana, se conseguiu manter a independência de Angola, assentar as bases para a posterior emancipação da Namíbia e disparar o tiro de misericórdia contra o "apartheid" sul-africano. Por isso, interado do resultado da crucial batalha de Cuito Cuanavale, em 23 de março de 1988, Mandela escreveu desde o cárcere que o desfecho do que foi chamado de "a Stalingrado Africana" era "o ponto de inflexão para a libertação do nosso continente, e do meu povo, do flagelo do apartheid".

A derrota dos racistas e seus mentores americanos desferiu um golpe mortal à ocupação sul-africana da Namíbia e precipitou o início das negociações com o CNA que, em pouco tempo, terminaria por demolir o regime racista sul-africano, obra conjunta daqueles dois gigantescos estadistas e revolucionários. Anos mais tarde, na Conferência da Solidariedade cubana-sul-africana de 1995, Mandela diria que "os cubanos vieram para a nossa região, como médicos, professores, soldados, técnicos agrícolas, mas nunca como colonizadores. Eles compartilharam as mesmas trincheiras na luta contra o colonialismo, o subdesenvolvimento e o 'apartheid'... Jamais esqueceremos este incomparável exemplo de desinteressado internacionalismo". É um bom lembrete para aqueles que falam da "invasão" cubana a Angola.

Cuba pagou um preço enorme para este nobre ato de solidariedade internacional que, como recorda Mandela, foi o ponto de inflexão da luta contra o racismo na África. Entre 1975 e 1991, cerca de 450.000 homens e mulheres da ilha foram parar em Angola, jogando-se nisso suas vidas. Pouco mais de 2.600 perderam-na lutando para derrotar o regime racista de Pretória e de seus aliados. A morte deste líder extraordinário que foi Nelson Mandela é uma excelente ocasião para render homenagem à sua luta e também ao heroísmo internacionalista de Fidel e da Revolução Cubana.

sábado, 23 de novembro de 2013

A DIREITA TACANHA DO DIA A DIA

Cena 1: Fico perplexo a cada postagem de Luís Nassif. Ele mantém sincera esperança de que haja no Brasil um opositor ao governo petista, no campo das ideias, com a mesma capacidade de formulação e execução de políticas públicas. Nassif imagina uma arena política onde direita e esquerda se equivaleriam em termos morais e o cidadão se comportaria como o eleitor-consumidor a escolher o melhor produto. Mais espantosa ainda é a crença de que esse contraponto possa ser feito pelo PSDB. A oposição feita pelos tucanos desde o primeiro dia de mandato do PT é negar tudo que eles fazem chegando ao ridículo de condenar quando os juros sobem e quando os juros caem.

Cena 2: Antonio Prata nos brindou com uma peça irônica, "Guinada à direita". Se infiltra nas hostes elitistas e repete a ladainha hidrofóbica contra negros privilegiados com cotas, vivandeiras do Bolsa Família, homossexuais e feministas. Apoios entusiasmados se multiplicaram nas redes sociais, pretexto para todos os bordões de menosprezo ao "crioléu, bichas, feministas rançosas e ao poderosíssimo lobby dos antropólogos". Uma semana depois, teve que se explicar: a realidade está tão grotesca que Prata foi menos "grosseiro, violento e delirante na sátira do que muitos têm sido a sério. Poucos dias antes da crônica ser publicada, um vereador afirmou em discurso que os mendigos deveriam virar 'ração pra peixe'".

Cena 3:  Meu irmão compartilhou esse meme aí ao lado na sua página do face, a partir do perfil "Um quê de Marx". Foi o suficiente para um primo nosso distante dizer que:
1.º Todo marxista sofre de falta de caráter;
2.º Parente ou não, que defende uma ideia que matou 100 mil pessoas é um tremendo canalha;
3.º Que o PT, que todo marxista adora (palavras dele), tem um acordo secreto com as FARC e que o Foro de São Paulo, fundado por Lula e Fidel Castro (palavras dele again), vai espalhar o comunismo pelo continente.

Com esse enredo, me pergunto: por que a direita é tão tacanha?

Explicações mais profundas podem ser encontradas na gênese da colônia de exploração e a utilização da escravidão. Os índios foram dizimados como um entrave ao butim dos brancos. Os negros, seres humanos da base da pirâmide social, eram objetos sem qualquer direito reconhecido. A desigualdade encontrou terreno fértil para se propagar e até hoje vivemos seu rescaldo. Aprendi isso lá pela 8.ª série e qualquer bom livro didático de história do Brasil traz o assunto. Ou trazia, pois a patrulha anti-comunista tem feito todos os esforços para retirar de circulação o material que apresente qualquer risco vermelho aos pupilos. Parte dessa estratégia está no fato da Ed. Abril controlar a distribuição de livros para os estudantes das escolas públicas do estado de São Paulo.

Tive um professor na Faculdade, oriundo da Escola Superior de Guerra (para quem não sabe, celeiro de "próceres" como Castelo Branco, Ernesto Geisel, e o Gal. Golbery do Couto e Silva), que foi o único caso de "intelectual de direita" que conheci pessoalmente: numa conferência reconheceu, à contragosto, dada sua veia militar, que o fim do capitalismo e do socialismo são o mesmo, o comunismo, a sociedade sem classes, sem carência de bens, sem poder político ou econômico dominante. A divergência está no caminho, ou nos meios.

Essa lufada de ar fresco em seu pensamento se deve, talvez, ao curso de pós-graduação em Ciência Política que fez na Universidade de Princeton. Nos EUA também há uma facção direitista tão obtusa como a nossa, representada pelo Tea Party, formado por racistas, defensores do mercado, contrários ao sistema público de saúde e demonstraram sua força na crise fiscal que quase levou o país à moratória. Todavia, em geral, a direita estadunidense é de uma racionalidade utilitária: se assim estão se dando bem, que assim prossiga.

Mas há menos resistência lá do que aqui com relação à cotas raciais e outras políticas inclusivas como bolsas de estudo, assistência social, cotas midiáticas, etc. Aliás, no mundo inteiro a resistência a essas iniciativas que objetivam a promoção da igualdade material, e cuja classificação jurídica varia da prevenção (ação afirmativa) ao mecanismo de compensação (discriminação positiva), é menor do que aqui. Porque a igualdade é um valor perseguido por quase todas as sociedades ocidentais, ao passo que aqui se tem a impressão de um anseio latente pela volta da escravidão. Não por acaso, há vários rankings que nos colocam como os campeões da desigualdade.

Na verdade, o que move nossa direita é a mais profunda ignorância. Ignorância é medo. É o medo de perder suas reservas de mercado. É o receio de ter que dividir privilégios. É o horror do aeroporto apinhado de pobretões. É a mania golpista de não aceitar as derrotas democráticas. É o temor que uma nova ordem destrua as estruturas viciadas. É a inconfessável tara pela bunda da mulata que serve como doméstica. É a fobia de ter que lavar as próprias ceroulas. É o pânico da educação popular. É a covardia de negar ao semelhante o que recebeu. É o pavor da emancipação do povo.

A mim, sinceramente, pouco importa. Enquanto a direita for guiada por Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo, Ali Kamel, et caterva, nenhuma ideia brotará em seu esteio. A única coisa que prolifera é o número de "entendidos" que ganham páginas nos jornais e tempo na TV para defenderem seus patrões. A segunda geração de imbecis que escrevem à soldo ideias ultrapassadas a, no mínimo, dois séculos, é ainda inferior à primeira. Para eles, igualdade social é coisa de comunista, e os comunistas comem criancinha, invadirão sua casa junto ao pessoal do MST, pintarão a bandeira de vermelho e tocarão fogo nas igrejas.


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

QUANTO MAIS MEXE, MAIS FEDE

Nossos milhões de seguidores devem estar com a pulga atrás da orelha: por que um blog cujo título é uma oposição ao partido da imprensa golpista, o PIG, não toca no assunto do Mensalão e os desdobramentos da AP-470?

Resposta breve: merda, quanto mais mexe, mais fede. 
Elaborando melhor: esse blogueiro não tem vocação para mexer em latrinas.

O Anti-PIG tem lado. Na verdade, ele é profundamente influenciado por uma frase que consta no último parágrafo do prefácio do livro O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro:

"Portanto,
 não 
se 
iluda 
comigo,
 leitor. 
Além 
de 
antropólogo, 
sou 
homem
 de fé
 e 
de 
partido. 
Faço 
política 
e 
faço 
ciência 
movido 
por 
razões
 éticas 
e 
por 
um
 fundo
 patriotismo.
 Não
 procure,
 aqui,
 análises
 isentas.
 Este
 é
 um
 livro
 que 
quer 
ser 
participante, 
que 
aspira 
a 
influir 
sobre
 as 
pessoas,
 que
 aspira
 a
 ajudar 
o 
Brasil
 a 
encontrar‐se 
a 
si
 mesmo".



Na história das nossas 220 postagens, há varias críticas ao governo, ao PT, e até mesmo à esquerda em geral (principalmente sua falta de respostas às demandas impostas pelo mundo atual), motivadas por um viés ideológico assumido, socialista e humanista. Logo, sempre achei desnecessário dar qualquer repercussão aos escândalos midiáticos insuflados pelos grandes meios de comunicação. Francamente, se o leitor procura acusações contra o governo petista, aquelas fartamente denunciadas pela mídia fascista, de cunho direitista, não precisa vir aqui.

Também, se tiver interessado no julgamento da AP-470 sob o enfoque que o PIG deu e ao qual vários dos juízes do STF se curvaram, a página da folha da veja, e do globo e logo ali.



Se estiver disposto a sair do casulo criado pelas falsas informações, interpretamos do caso parte das seguintes premissas:

1.º Após 28 anos de carreira, um funcionário de carreira dos Correios, Maurício Marinho, vinculado ao PTB de Roberto Jefferson, que ocupava o cargo em comissão por causa da "cota" do seu partido, é flagrado se sujeitando a um suborno de R$ 3.000,00.

2.º Como soubemos posteriormente, o vídeo do achaque foi encomendado por Carlinhos Cachoeira, que agia em conluio com o araponga Jairo Martins e o jornalista Policarpo Jr., vulgo "caneta", diretor da sucursal da revista Veja em Brasília.

3.º Roberto Jefferson, cujo grupo assumiu posições na administração federal em nome da governabilidade, se sentiu fritado por essa armação e partiu para a retaliação. Em entrevista à Folha de São Paulo, denunciou um suposto esquema de compra de apoio da base do governo no congresso nacional. Daí o nome que o consagrou: "Mensalão", uma espécie de mesada, com repasses operados por Marcos Valério.



4.º José Dirceu, chefe da casa civil à época, não se esforçou em salvar Jefferson, ao contrário. Em termos pragmáticos, era interessante se livrar dessa pústula, pois seu incremento à coligação em número de votos e no parlamento não justificava a aliança. Isso o fez cair em desgraça com o petebista, que imaginou a tramóia da gravação ter sido orquestrada pelo próprio Dirceu.

5.º Na sua defesa, os advogados de Jefferson desmentem a existência do mensalão, exercício de "pura retórica", segundo a petição. Aludem a um acordo para as eleições municipais de 2004, na qual houve repasse legal de verbas do PT para o PTB, em conformidade com resolução do TSE. Em outras palavras, NEGOU a existência de uma pagamento sistemático de sinecuras para deputados da base aliada. Até porque seria paradoxal parlamentares do PT receberam propina para votar a favor do PT!

6.º Para confundir a situação e torná-la palatável como "mar de lama" lacerdista, a grana, apesar de operada por Marcos Valério, teria origem pública, através do Banco do Brasil. Na verdade, essa é uma cortina de fumaça que oculta o óbvio: quem é o agente (privado) corruptor de bancava repasses a deputados. Maior distorção ainda é entender o fundo Visanet, dinheiro de uma multinacional administradora de cartões de crédito, como dinheiro público.

Com essa "base factual" foi urdida a ação penal 470, que não merece pormenores, nem da peça acusatória, que serviu de púlpito para Roberto Gurgel demonstrar sua preferência de classe, nem do julgamento de exceção, que fez corar os juristas mais conservadores. Recordarei apenas da inicial, quando a PGR apresentou denúncia contra 40 indiciados, forçando paralelo com a história de Ali Babá (incluíram o Gushiken para completar o número cabalístico) e das vergonhosas arbitrariedades do julgamento, televisionado em dias e horários adequados ao encaixe na grade e nos interesses da Globo, cujo ápice se deu sexta-feira passada, um 15 de novembro para manchar a história republicana pátria.

Tive o prazer de conhecer o PT por dentro. Aprendi que não é um partido homogêneo nem centralista. É formado por tendências, que são ao mesmo tempo o que me encantam e me repelem. Me agradam porque o tornam o partido um organismo vivo, suscetível a mudanças, ao embate democrático, a correlação de forças representativas dos vários segmentos sociais que abraçam e depuram o sectarismo. E me afastam porque, como simpatizo com as correntes mais à esquerda, entraria no partido para fazer oposição a ele, o que considero uma esquizofrenia. No PED 2013, teria votado ou em Paulo Teixeira ou em Valter Pomar. Com isso, também deixo claro que Dirceu e Genoíno, mártires esquartejados na praça pública televisiva não são das tendências que eu mais aprecio.


José Dirceu foi o cérebro que fez Lula vencer a eleição para presidência, após três derrotas. É prático, e consegue resultados que assustam o poder constituído. Por isso é tão odiado. Paulo Nogueira apresentou uma tese que explica o fenômeno: ele tinha tudo para dar certo nas regras estabelecidas, mas preferiu lutar para mudar as coisas. Seu linchamento público tem o condão de apavorar futuros idealistas de classe média: nada de se meter com subversão; caso contrário, cadeia!

José Genoíno, já na curva descendente da carreira política e da existência, só foi preso porque, fortuitamente era o presidente do PT em 2005. O encarcerado seria Berzoini, José Eduardo Dutra, Rui Falcão, ou qualquer outro que estivesse no cargo. Agora, passa pelo constrangimento de provar que seu problema cardíaco não é um atestado forjado de aluno que cabulou aulas.

Henrique Pizolatto assinou um documento no qual haviam outras cinco assinaturas, mas só ele foi indiciado, e teve o mandato de prisão expedido exclusivamente por ser do PT. A justiça italiana pode expor o STF, que no caso se converteu em tribunal da inquisição, a uma humilhação internacional.

Por essas e outras, o "maior escândalo da história brasileira" se tornou uma salada indigesta. E as alternativas são excludentes. Ou se vomita essa pataquada e se repudia a farsa, ou se engole o prato do jeito que foi servido, o processa e o transforma no esterco que o PIG mexe e remexe.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

OS REAÇA DA CLASSE MÉRDIA

Um artigo bombou: "Desvendando a espuma: o enigma da classe média brasileira", de Renato Santos de Souza, da Universidade Federal de Santa Maria, RS. Publicado em 30/10/2013, no Nassif, foi reproduzido por diversos blogs interessantes. No original, chegou a quase 500 comentários, o que ensejou a continuação: "Desvendando a espuma II: de volta ao enigma da classe média".

Além de recomendar entusiasticamente a leitura de ambos, quero expor algumas idéias relacionadas. O texto parte do espanto, e da posterior tentativa de entender os impropérios com que Marilena Chauí classifica a classe média: violenta, fascista e ignorante. Renato defende a tese verossímil de que o alicerce ideológico em que se funda o reacionarismo da classe média vem da sua particular interpretação e valoração da meritocracia.

Oras, num sistema que legitima a herança, a meritocracia é só um enfeite para a retórica mais demagoga. Na segunda geração, a proposta já está desvirtuada. Meritocracia pressupõe que, partindo de iguais condições, com as mesmas oportunidades, as pessoas alcancem resultados econômicos equivalentes aos seus esforços. Mas não estamos nesse estágio e as circunstâncias são brutalmente díspares. O "de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades"* é uma referência ao mérito não hipócrita: um vez satisfeitas as carências de todos os homens, o excedente estará disponível conforme a aptidão de cada um.

Outro problema do mérito é sua subjetividade. Esse talvez insolúvel. Depende mais do avaliador do que de quem recebe. Nos testes para habilitação, os candidatos rezam para pegar um instrutor mais condescendente, sendo que sua competência para dirigir não se altera em nada se cair com um examinador severo. Ou um professor que marque prova, sem falar qual é a matéria, qual a nota mínima para aprovação nem quais os critérios que utilizará. Quais os méritos "justos" para se valorar um sujeito perante a sociedade? Sem uniformidade total de raciocínio, que está longe de ser uma das metas da humanidade, o julgamento em que se baseia a meritocracia é inerente à moral do juíz.

Renato ressalva que não propõe a extinção dos concursos públicos, nem a volta das indicações para a ocupação dos cargos. Ele entende que um dos limites da meritocracia é justamente esse: no afã de criar critérios de aceitação universal, ela deixa de mensurar o mérito (aliás, sua conclusão é que o valor subjetivo do mérito é imensurável) e passa a verificar o desempenho. Logo, ao invés de vivermos uma meritocracia, estamos numa "desempenhocracia" e, levando-se em conta as relações sociais desiguais que perfazem a lógica do mercado e da sociedade capitalista, a outrora aceitável "ética do merecimento" se transforma na perversa "ética do desempenho".

Discussão do mérito à parte, tenho outras proposições. Na divisa entre Goiânia e Aparecida de Goiânia há um bairro em litígio, chamado popularmente de "Nem": nem Goiânia, nem Aparecida. Esquecido pelos dois poderes públicos. A classe média também se realiza nesse papel de encaixe: nem ricos, nem pobres;  nem detentores dos meios de produção, nem meras engrenagens do sistema produtivo; nem burgueses, nem proletários.

Por pressão social, a classe média é instável; por posição hierárquica é relativa e variável. Não existe "média" sem extremos e sua situação depende deles. Falamos de quem acabou de emergir dos estratos econômicos inferiores (fenômeno com que lidamos de maneira inédita, num país que incluiu 60 milhões de almas no mercado de consumo). De quem estacionou nessa faixa econômica, e não demonstra ímpeto em enriquecer. E como velhas e gordas ratazanas, parecem saciar-se com as migalhas caídas dos lautos banquetes dos poderosos. Ou ainda de quem imita e inveja o modus vivendi dos abastados, seu modelo cultural e seu padrão de enbanjamento. Então, a classe média é reacionária, mas há um erro conceitual em lhe tachar como "conservadora".

A classe média reage quando se opõe às políticas de inclusão social que podem lhe retirar o prestígio relativo de estar em posição superior aos pobres. Se estes ascenderem ao nível econômico da classe média, esta se tornará o quê? Por definição, não estará acima de ninguém. Ralé, chão, base da pirâmide social. Ser contra as cotas universitárias, médicos estrangeiros, bolsa família é o pano de fundo de defesa de uma posição, marcação de território. Mas nada calou tão fundo, no dia a dia da classe média, quanto a garantia dos direitos trabalhistas às empregadas domésticas. Era nessa relação suserano-vassalo que se manifestava de maneira mais evidente a supremacia classista sobre os miseráveis.

Já entre os que estão na classe média a algum tempo, ou se preparando para escalar os paredões do alpinismo social, o reacionarismo está na questão de se aferrar em privilégios históricos que constituem o ideal de vida. Desmontar a estrutura de regalias e benefícios que estão arraigados na sociedade pelo menos desde Cabral, agora que eles estão "chegando lá", seria uma injustiça desmedida. Eles também querem desfrutar da boquinha. É o que Veblen chamou de emulação pecuniária: indivíduos se comparam uns aos outros de forma a determinar quem é o melhor, ou quem é o vencedor, a disputa de egos e poder na arena econômica.

Para obter a estima de seus pares, não é suficiente a mera posse de poder ou riqueza. Há que se por em evidência e mostrá-las, como os fiscais da prefeitura de São Paulo apanhados em delito. Esta pantomima simbólica se materializa através da posse de certos bens, cujos anseios são infinitos, pois uma vez saciados todos os desejos, é inerente ao prórpio sistema a criação de necessidades artificiais. Como dizia a assinatura da marca Diesel, temos que buscar “The Successful Living”: o sucesso ou o poder são expressos pela posses de bens e marcas de prestígio, raras e pouco acessíveis. O status é algo tão irracional que bagunça qualquer teoria econômica pressuposta na razão.

A faculdade particular é o exemplo mais bem acabado desta realidade. Para ampliar o número de alunos e diminuir os problemas de inadimplência, decidem baixar os preços. O efeito é o reverso: a redução dá a entender que a qualidade caiu, junto com o prestígio da escola em si, causando uma queda correspondente na procura. Por outro lado, quando aumentam as mensalidades, cresce o número de matrículas. No entanto, há o problema prático de acessibilidade. A solução adotada por muitas instituições é incrementar simultaneamente o preço do ensino e a disponibilidade de auxílio financeiro e descontos para alunos carentes, o que permite que a instituição amplie o número de alunos matriculados, reforce seu “revestimento” de qualidade e pareça benevolente ao oferecer mais auxílio e descontos para os alunos. (…) essas táticas devem ser usadas com cuidado, pois os programas de auxílio ou descontos excessivamente abundantes minam o efeito.

Assim como as casas noturnas prediletas da classe média. Quanto mais cara, singifica melhor e mais bem frequentada, pois quem tá lá é quem teve grana/contato para entrar. E tem coisa melhor do que cair na night rodeado de gente rica e bonita? Ainda bem que nem todos pensam assim...




* "Na fase superior da sociedade comunista, quando houver desaparecido a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, o contraste entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho não for somente um meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando, com o desenvolvimento dos indivíduos em todos os seus aspectos, crescerem também as forças produtivas e jorrarem em caudais os mananciais da riqueza coletiva, só então será possível ultrapassar-se totalmente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá inscrever em suas bandeiras: De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades" Karl Marx, Crítica ao Programa de Gotha, 1875.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

SEMIÓTICA

Atribui-se a Confúcio a máxima de que uma imagem vale mais que mil palavras.


Marshall McLuhan deixou como frase à posteridade "o meio é a mensagem". Não caberia explicação, mas o meio a que se refere encampa o conjunto de expressões que uma linguagem midiática pode decodificar ao ser apropriada por outro usuário.


O termo ideologia foi criado por Antonie Destutt, o Conde de Tracy. Seu significado logo foi deformado quando Napoleão  chamou o conde e seu séquito de "ideólogos", enfatizando o carater de deformadores da realidade.


Marx abre uma senda na ideologia, como concepção de uma consciência falsa, oriunda da divisão do trabalho entre os manuais e os intelectuais. Logo, geraria a inversão (ou camuflagem) da realidade, obviamente em favor da classe dominante.


Chegamos ao estágio onde a reprodução da ideologia dos senhores, de linhagem econômica, alcança cada cidadão ininterrupta e sistematicamente. O governo, que tem o condão de contrapor a política à dominância, abastece as burras de seus adversários. Os desvalidos da história seguem assimilando o discurso do opressor, a subjetividade do patrão em seu próprio prejuízo. E meia dúzia de intelectuais (ou ideólogos, na primeira acepção do verbete) acendem o rastilho de uma quixotesca disputa, no pandemônio da www.


O que é possível?

Subverter a ordem?
Democratizar os meios de comunicação?
Escrever um artigo com quatro fotos?

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

DOIS ASSUNTOS

BOLSA-FAMÍLIA

Fernando Rodrigues, outrora vivaz repórter que descortinou a compra dos votos para a reeleição de FHC, hoje escreve ao gosto do patrão, a Folha: "Até quando o Bolsa Família será vital nas eleições presidenciais no Brasil?"

A pergunta retórica é para destilar seu repertório anti-petista: "Se depender do PT, para sempre." Depois de algumas rasas ponderações sobre a disputa eleitoral, salteada pelo inexorável refluxo da economia, finaliza: "interessa a Dilma e ao PT manter o programa bem vivo na mente dos eleitores mais pobres".

Penso que na verdade seria melhor que os eleitores mais pobres se lembrassem das falas que receitam o aumento do desemprego e redução dos salários. Que se lembrassem como era a vida durante o governo FHC. Aí sim, as massas ignaras votariam conscientes, nos senhores que melhor empunham o chicote. Parece o Prof. Hariovaldo, mas é o repórter da Folha que nos conduz a esse raciocínio.

Melhor que eu, o próprio Lula pode responder até quando a elite terá que aturar "essa gente":
  
"É mais difícil vencer o preconceito que a fome.
Chamam de “Bolsa Vagabundagem”, mas 70% dos adultos do Bolsa trabalham.
Eles têm preconceito: acham que se é pobre por indolência.
Para a mãe, o dinheiro do Bolsa não é esmola: é um direito !
O eleitor não precisa mais trocar o voto por um prato de feijão, por uma cuia de farinha.
Essa Sociologia que ataca o Bolsa está acostumada a servir à elite.
O Bolsa tem 10 anos e a injustiça vem de 5 séculos."

Fernando Rodrigues não explicita, mas claramente prefere a época onde os votos eram vendidos a troco de botinas, de um saco de arroz, ou até mesmo em troca do transporte até a urna. Os 500 anos de opressão não o amolam tanto quanto a importância que o governo do PT dá a essa programa de transferência de renda.

Mas voltemos ao "cara". Em outra parte de seu discurso hoje, por ocasião da comemoração dos 10 anos do bolsa-família, Lula, também ataca o arrocho pleiteado pela oposição:
  
"Se desemprego e arrocho salarial resolvessem, não existiriam os problemas que a gente tinha quando o PT chegou ao poder.
Se arrocho e desemprego resolvessem, a Europa já teria resolvido seu problema.
"

O PIG faz incessante campanha contra qualquer bolsa (aliás, contra qualquer política do governo federal, exceto o aumento de juros). Todo dia na TV e nos jornais temos exemplos de uma minoria que faz mal uso da bolsa, como se fosse mais importante que a maioria que se beneficia. Uma das coisas que mais incomoda às elites é que o Bolsa-Família entrega o dinheiro direto ao cidadão, e depende dele fazer bom uso. Para quem conhece as pequenas cidades do interior do país, isso detona o clientelismo, o escravismo a que o povo era submetido com cestas básicas e outras coisinhas. Além de lhes permitir recusar salários abaixo do mínimo...
Além de reconhecer os direitos trabalhistas das empregadas domésticas...
Essa dor de cotovelo não sara nunca!





PROCURADOR ESQUECIDO

O Procurador Federal de São Paulo, Rodrigo de Grandis, é protagonista de um dos episódios mais estarrecedores da História do Ministério Público: ele se esqueceu de atender a pedido da Justiça da Suíça que, inevitavelmente, levaria à punição de uma revoada de tucanos de São Paulo, envolvidos até medula do propinoduto.

Logo ele, que deveria procurar as coisas, as esqueceu dentro de uma gaveta.

Em 2011.

E desde então, nenhuma vez, teve a curiosidade despertada!

Fico pensando naquela legião de bocós açulados pelo PIG, marcheteando contra a PEC-37 como se essa fosse uma causa de comoção nacional. Numa palestra para secundaristas, da qual fui debatedor, ouvi um professor afirmar aos alunos, ainda que com a voz trêmula, que a PEC-37 era uma censura ao MP. Que falta faz essa censura hoje, hein? Um amigo, promotor de justiça, ainda com um pingo de sensatez, me disse que era um temor deixar todo poder investigatório nas mãos da polícia, de histórico repressivo contra pobres e subserviência com o poderosos.

Lindo, mas será que Rodrigo de Grandis se travestiu de delegado? Logo ele, que todo faceiro, bradava por punição aos condenados no Mensalão? Segue os passos de Roberto Gurgel que obstruiu e retardou a investigação sobre Carlinhos Cachoeira que respingaria no seu par, Demóstenes Torres. Todos os perigos aos quais fomos alertados contra a PEC-37, na maior mobilização corporativista da nossa história, estão acontecendo: favorecimento aos criminosos do colarinho branco, anuência com a corrupção, impunidade... Alivio, é claro, para o PSDB!

Mas há salvação. Como alertou Paulo Moreira Leite, o Procurador tem que ser enquadrado no crime de prevaricação, previsto no art. 319, do CP: Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

Só não há cura para a cara de tacho dos que creram na farsa que mobilizou o país. Os que acreditaram na fúria do Jabor contra a PEC 37. Quem rompeu o bloqueio da Globo e está sabendo do fato, deve estar com vergonha. Ou se sentido usado. Ou os dois.

 


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

PROTESTOS, CACHORROS E PETRÓLEO

PROTESTOS

1. Toda manifestação com o mínimo de organização deve coibir a infiltração e expurgar os Black Blocs. Eles deslegitimam qualquer causa. Antes de ser ilegal o anonimato, é imoral numa democracia com amplas salvaguardas como a nossa que se vista carapuça para defender ou atacar qualquer coisa. Afinal de contas, esses pulhas são pelo quê? E na prática, onde atuaram pela derrubada do velho, colocaram o quê no lugar? Nos dois assuntos que pretendo tratar adiante, eles se imiscuíram e deformaram seus reais significados.



É falsa a sugestão de que se aproximam de uma democracia direta ou ateniense da idade clássica. Essa é a versão de jornalistas semi-cultos que ignoram como funcionaria uma democracia direta e que crêem na versão popularesca de que Atenas era governada pelo Ágora – uma espécie de Largo da Candelária repleto de mascarados e encapuzados trajando luto. Os Ágoras só tratavam de assuntos locais de cada uma das dez tribos atenienses. Em outras três instituições eram resolvidos os assuntos gerais da cidade, entre elas a Pnyx, que acolhia os primeiros seis mil atenienses homens que lá chegassem. Ali falava quem desejasse, apresentassem as propostas que bem houvessem e votos eram tomados. Os nomes dos proponentes, porém, ficavam registrados e um conselho posterior avaliava se o que foi aprovado fez bem ou mal à cidade. Se mal, seu proponente original era julgado, podendo ser condenado ao confisco de bens, exílio ou morte. A idéia de democracia direta como entrudo, confete e um cheirinho de loló é criação de analistas brasileiros.

CACHORROS

2.1. Sou totalmente a favor do respeito aos animais como seres que não devem ser utilizados pelos homens. Não acredito que a haja uma hierarquia natural entre a vida humana e a dos outros animais. Se ela existe, se baseia em força e astúcia, não em razão e justiça. Para mim, não serve.

2.2. Algum dia, a humanidade sacou que o limite ético para coisificação de outros homens não permitiria testes em laboratório (como os nazistas, ou norte-americanos em Tuskegee e na Guatemala), nem escravidão jurídica.

2.3. Em termos sumários, proponho que estendamos nosso limite ético: que sejam extintos todos os experimentos que impliquem em dor ou sacrifício animal. Que a modelagem dos testes que restarem sejam públicas. Que a ciência pare de usar expedientes medievais para acobertar aquilo que causa repulsa nas pessoas. E que se o seu filinho de quatro anos não tiver o remédio que vai lhe curar, e for morrer por que não matamos infinitos macacos, cachorros, coelhos e camundongos por causa disso, assumiremos a responsabilidade de viver em uma sociedade diferente da atual, cuja incoerência intrínseca justifica a morte de uns em nome da vida de outros (?!?!?!)

2.4. Me causou surpresa quem melhor descreveu as reações sobre o resgate dos beagles, em São Roque. O Esquerdopata definiu muito bem o que é a luta em defesa dos animais: "garanto a vocês que 100% (não 95 ou 99) dos que reagem às boas ações a favor do animais com ironias sobre a falta de interesse dos protetores de animais pelas criancinhas (sniff...) nunca, jamais e em tempo algum fizeram nada por crianças em situação de necessidade. Desnecessário provar, mas se alguém quiser pode me mostrar um defensor das 'criancinhas pobres' que não faça nada por animais ou pelo meio ambiente ou seja lá pelo que for. Civilidade, bondade e vontade de criar um mundo melhor não vêm em porções separadas". Para finalizar, ele retira o véu que cobre os hipócritas: "o que critico e desprezo é essa posição de quem não faz nada por ninguém e sempre usa essa desculpa de que tem coisa mais importante a ser feita. Se você acha que tem coisa mais importante a fazer, faça. Simples assim. Não precisa criticar e ofender quem faz coisas 'menos importantes'."

2.5. Nunca entendi porque politicamente a bandeira de defesa dos animais estava nas mãos de direitistas como Feliciano Filho e Roberto Trípoli. Eis que, mais uma consequência positiva no caso dos beagles, Protogénes Queiroz tomou a iniciativa de ir ao Instituto Royal e propôs uma comissão de investigação parlamentar. O custo pela demora na esquerda em se manifestar, está nos comentários dos trolls: oportunismo. Não me parece. Vejamos os próximos passos.

2.6. Escrevi um texto sobre maus tratos e comportamento humano em 2009. Está aqui. Há duas vertentes sérias para a discussão. A primeira, simbolizada por Peter Singer, pensador australiano, escritor de Libertação Animal (1975), que divulgou a categoria "especismo": a atribuição de valores ou direitos diferentes a seres de diferentes espécies. Análoga ao racismo e ao machismo, a discriminação especista pressupõe que os interesses de um ser são de menor importância pelo mero fato de pertencer a uma determinada espécie. Infligir dor a um animal sem se preocupar com isso é ignorar o princípio básico da igualdade. Singer considera que todos os seres que são capazes de sofrer (sencientes) devem ter seus interesses considerados de forma igualitária e conclui que o uso de animais é injustificável.

2.7. Mas em geral sua filosofia é utilitarista, e admite que se faça um mal (não só contra animais) se os benefícios dele decorrentes forem maiores. Por isso também tem seu limite, e se exaure no "bem estarismo animal": a proteção do semovente enquanto propriedade humana, e a condenação dos maus tratos por prejuízos de ordem econômica.

2.8. A inclusão de todos os animais sencientes na comunidade moral é defendida pelo professor de Direito Gary Francione. Ele afirma que a capacidade de sofrer é o único determinante válido para o status moral. Seu trabalho parte da premissa de que a condição de propriedade atual impede aos animais qualquer direito garantido. Falar em igual consideração de interesses de uma propriedade contra o próprio interesse do proprietário é um absurdo que tende ao cinismo. Sem o direito de não ser propriedade, não há quaisquer outros direitos. Por sugerir a abolição da condição de propriedade dos animais, o termo "abolicionismo" é utilizado para designar esta ideia.

PETRÓLEO

3.1. Li tanta coisa a respeito que ferveram meus miolos, como diria o turco Nacib. À princípio, por orientação ideológica - e pelos números apresentados, acreditei que o resultado do leilão e o modelo de partilha são um passo gigantesco na formação de um país com maior justiça social. As críticas, alinhadas ao PIG, ao grande capital financeiro e travestidas com suas máscaras a la V de Vingança, me causaram aversão.

3.2. Os números, que vão além dos que a presidenta Dilma apresentou em seu pronunciamento, são alvissareiros. Lejuene Mirhan foi quem conseguiu demonstrá-los com mais didatismo, na minha opinião. Senão vejamos:

Preço do barril = US$100.00
Custos de Produção = US$30.00
Royalties da União (15%) = US$15.00
Parte da União na Partilha (41,65%) = US$22.9 (sobre US$55.00 que sobram depois de retirar os custos de produção e os royalties)
Parte das Empresas do Consórcio = US$32.1 (restante da diferença dos US$55.00)
Imposto de Renda = US$8.02 (25% sobre o ganho das empresas)
CSLL (Contribuição sobre Lucro Líquido) = US$2.89 (9% sobre ganho das empresas)
Lucro Final do Consórcio = US$21.18
Lucro da Petrobrás = US$8.47 (Ela tem 40% sobre o lucro final)
Dividendos do Governo sobre a Petrobras = US$4.06 (Lembremo-nos que a União tem 48% das ações da Petrobrás que repartem lucros e esse percentual é aplicado sobre US$8.47)
Fatia Final da União = US$52.88 (Essa soma leva em conta os royalties, mais os 41,65%, mais IR, CSLL e lucro da Petrobras).

Ou seja, do lucro de US$ 70,00 na extração de cada barril, 75,55% ficarão com a União. Às empresas privadas do consórcio vencedor (com 20%) terão, para cada US$ 6,00 investidos, um retorno de US$ 10,23, um lucro líquido de 61,23%. Prevê-se a extração de 10 bilhões de barris em 30 anos. Quase US$ 1,5 bi por ano livre de ônus.

3.3. Assim, todos ganham e vivemos felizes para sempre? Errado! Minha primeira preocupação foi exposta por Paulo Henrique Amorim: quem vai defender o pré-sal? Quem garante que não seremos atacados pelo mar? Será que os EUA ficarão satisfeitos com nossa evolução de país satélite à "player" global? Aonde está estacionada a 4.ª frota, a que "policia" a América do Sul? E, como desdobramento, se aparelharmos muito bem nossas forças armadas, qual é o risco? Pelo histórico, a quem eles se subordinarão?

3.4. Outras preocupações honestas foram apontadas no blog da Maria Frô. A primeira sobre uma suposta urgência no leilão, atropelando o diálogo com os movimentos sociais. "Por conta da gradativa evolução do uso de outras fontes de energias mais limpas, que envolvem tecnologias inovadoras, o pré-sal poderia deixar de ser “bilhete premiado” dentro de algum tempo, e aí o Brasil perderia espaço na correlação de forças mundial sobre as reservas de petróleo". Um bom argumento, mas que ela mesma refuta: "em 30 anos a energia suja continuará a todo vapor, o capital está se lixando para o meio ambiente".

3.5. Outro ponto, este sim envolvendo a soberania nacional, puxa o fio da meada de uma série de objeções publicadas por Hildegard Angel, nossa militante socialite mais consciente (mais improvável que isso, só mesmo a Luisa Mell revolucionária): a questão da transferência de tecnologia. Porque NINGUÉM no mundo detém a tecnologia para extração de petróleo a 6.000m abaixo do nível do mar, e somente a Petrobrás tem a capacidade de fazer sua prospecção. Todos exigem que, na compra dos aviões militares, as técnicas de construção sejam repassadas para o Brasil. Mas e agora? A Petrobrás, sócia majoritária do consórcio, vai passar para os demais como se acha óleo em alto-mar?

3.6. Essa e outras polêmicas conseguiram me deixar com a pulga atrás da orelha. Principalmente a nomeação do presidente da PPSA, Osvaldo Pedrosa, primeiro brasileiro a defender o fim do monopólio do petróleo e ex-braço direito de David Zilberstajn, na ANP de FHC. Uma raposa a cuidar do galinheiro.

3.7. Com o coração apertado (e não sangrando, como o da Hildegard Angel), prefiro conceder o benefício da dúvida ao governo, que apesar das inúmeras contradições, mostrou uma firmeza jamais vista na questão da prévia regulamentação da destinação dos recursos que serão auferidos deste tesouro do fundo do mar.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

CAPITALISMO E DESTRUIÇÃO DA INFÂNCIA

INTRODUÇÃO

1. Do início do feudalismo até meados do séc. XVI, o poder político se concentrava no monarca. De baixo refinamento teórico, sua essência foi descrita tardiamente por Bossuet (1627-1704), no que tange à origem transcendental, o direito divino dos reis, representantes mundanos do maior poder ao qual o homem do medievo reverenciava, o poder de Deus. “O trono régio não é o trono de um homem, senão o do mesmo Deus”.
2. Como reação à autocracia surge o liberalismo, que conforma em suas teses, não sem contradições internas, os anseios da emergente classe burguesa com a manutenção dos privilégios aristocráticos. Em que pese suas pretensões universais, o liberalismo nunca encampou os desejos das classes inferiores – servos de gleba, artesãos, incipientes trabalhadores urbanos. Também se presta a pano de fundo teórico do capitalismo, que empírico não foi idealizado previamente.
3. Essa introdução propositalmente esquemática, tem como objetivo esclarecer que a doutrina liberal jamais se coadunou com as necessidades populares. Apesar de buscar no povo sua legitimação, os procedimentos de ascensão, exercício e manutenção do poder político nunca foram acessíveis erga omnes. Desde sua gênese, o liberalismo se funda numa farsa.

A INFÂNCIA NO INÍCIO DO CAPITALISMO

4. Outros engodos, considerados pouco atrativos hoje em dia, participaram da matriz dessa ideologia. Para John Locke (1632-1704) convém, já desde os três anos, direcionar para o trabalho as crianças das famílias que não têm condições para alimentá-las. Necessária também a intervenção na vida dos seus pais, retirando a guarda e o respectivo pátrio poder, entre outras restrições.
5. Um século à frente, não há divergência substancial entre o posicionamento de Locke e Jeremy Bentham (1748-1832), que fala com entusiasmo das fábricas onde crianças até os quatro anos de idade ganham alguma coisa, e com cinco ganham o suficiente para viver bem (!). Diante desta lógica, torna-se positivo “tomar as crianças das mãos dos pais o mais possível e até totalmente”. Uma vez interditadas, as possibilidades são imensas:
Vocês podem jogá-los em uma casa de inspeção e depois fazer o que bem entenderem. Poderiam permitir, sem remorso, ao pais de dar uma espreitada por trás da cortina no lugar do mestre. Com isso, poderiam manter separados por 17 ou 18 anos os vossos jovens alunos homens e mulheres”.

6. A situação degradante imposta às crianças das famílias mais pobres nos primórdios do capitalismo causa repugnância até em alguns liberais. É do economista Edward Wakefield (1796-1862) a sentença que define com clareza o que ocorria: “Não sou eu, é toda imprensa inglesa que chama de escravos brancos as crianças inglesas” de derivação popular. “São obrigadas a jornadas tão extensas que desmaiam de sono nas manufaturas para depois serem acordadas e tornarem ao trabalho mediante pancadas e suplícios de toda espécie”.
7. Pior é a situação dos que não são reclamados, dos órfãos. É dessa época a transformação dos institutos de acolhida, os orfanatos: na Idade Média tinham por função receber os filhos portadores de deficiência e os espúrios, educando-os para a vida religiosa. Daí, passam a recinto de treinamento para trabalhos forçados, as chamadas casas de correção. Nas portas destas casas haviam anúncios que promoviam a venda dos infantes, o que novamente é atestado por Wakefield: “Em Londres, o preço de meninos e meninas colocados assim no mercado é sensivelmente inferior ao dos escravos negros na América; nas regiões rurais, a mercadoria em questão é ainda mais barata”.
8. Desfilando mórbida ironia, Jonathan Swift (1667-1745) apresenta uma “Modesta Proposta para impedir que os filhos dos pobres da Irlanda pesem sobre seus pais ou sobre o país, tornando-os úteis ao povo”. A sátira buscava evitar a essas crianças a penúria e o desabrigo a que estavam condenadas, poupá-las das doenças, agravadas pela fome e pelo frio, e dos vícios que vicejavam nas ruelas imundas, salvá-las da vida solitária de trombadinhas perseguidos ou operários explorados horas a fio. Swift propunha, crítica e jocosamente, reservar 10% das crianças para procriação, perpetuando a espécie, e o restante que fossem engordadas e abatidas tais quais porquinhos, tornando-se refinada iguaria nos banquetes dos grandes proprietários. A pele, no dizer do autor, é igualmente deliciosa, mas quem, por qualquer particularidade gustativa, não a apreciasse, poderia empregá-la na confecção de luvas, por exemplo. O material não é apenas bonito, bem como macio e resistente, garante Swift. Chocando meio mundo, a proposta repercutiu como um grito de fúria do povo irlandês. A troça do autor mostrava a que ponto a miséria pode atingir os homens, sob o patrocínio do sistema liberal-capitalista.
9. Outra manifestação literária se dá no insurgente realismo. O clássico Oliver Twist, de Charles Dickens (1812-1870), narra as aventuras e desventuras de um garoto que sequer nome tem, tratando do fenômeno da delinqüência causada pelas péssimas condições de vida das classes subalternas. Levado a um reformatório em tenra idade, Oliver é exposto a situações humilhantes até ser adquirido por um comerciante que precisa de um capataz. Não suportando o jugo de seu proprietário, foge para Londres, e é apresentado à atualíssima condição dos menores abandonados, que vivem nas ruas praticando delitos de todos os gêneros, de forma a garantir sua subsistência. Ainda que apresente um final conciliador, com o jovem sendo adotado por um benevolente aristocrata, fica óbvio o insignificante alcance da caridade privada e a calamitosa desigualdade social causada pelo novo (à época) modelo de produção, às custas da exploração do trabalho alheio.
10. Marx (1818-1883) denuncia o “grande rapto herodiano” das crianças realizado pelo capital no início do sistema de fábrica nas casas dos pobres e nos orfanatos, por meio do qual incorporou um material humano totalmente desprovido de vontade. Além da utilização das casas de correção como fonte quase inesgotável de mão-de-obra passiva a custo ínfimo, é possível tecer considerações de caráter mais geral: os filhos dos pobres estão destinados à primeira ocasião a serem utilizados exatamente na sua qualidade de instrumentos e máquinas de trabalho, o que se explicita no relato de Engels (1820-1895) acerca das condições da classe trabalhadora na Inglaterra do século XIX, reportando minúcias, que iam da forma de construção das sub-habitações a alimentação, precária, decomposta e insuficiente. Lembremos que formavam quadros da classe trabalhadora operários de até quatro anos de idade, e não havia complacência que isentasse os pequenos das agruras generalizadas.
11. Remonta à essa época a definição etmológica de proletário: os descendentes das grandes proles típicas do povo campesino, objetivando o número de filhos suficientes para cultivar a terra. Com uma das mãos, o capitalismo expulsou essas populações dos campos, graças ao cercamento das terras, rumo aos caminhos e estradas. Com a outra, sancionou uma brutal legislação que previa o enforcamento sumário de todos que se encontrassem em vadiagem ou mendicância, coagindo a migração para as grandes cidades e constituindo o excedente populacional que caracteriza desde então a classe trabalhadora. Outra ponderação é lembrar que a Inglaterra era a maior economia do mundo, sediando um império tão vasto, ao ponto de se dizer que sob seu solo o sol jamais se punha. Apesar de tamanha pujança e abastança, a infância dos humildes foi relegada a desumanidade. O que imaginar então dos rincões onde o capitalismo não foi capaz de gerar a mesma riqueza?

DA MODERNIDADE À PÓS-MODERNIDADE
12. Varrida para debaixo do tapete da historiografia oficial, a situação apresentada não dista muito dos dias atuais. A novidade momentânea é a capacidade sistêmica em absorver na infância seu primeiro segmento de mercado. As tradicionais festas religiosas perderam completamente seu significado imaterial para se converterem em pretexto à compra de presentes – no caso, as crianças são os maiores consumidores em potencial.
13. Nesse contexto, a infância pretensamente digna oferecida à burguesia, desumaniza tanto quanto se permite. Ao invés das consagradas brincadeiras infantis, do ludismo que caracteriza essa etapa da vida, vemos pequenos adultos de quatro anos manuseando computadores, sob pena de uma futura limitação ao ingressar no mercado de trabalho. Recente pesquisa aponta que uma criança com alto padrão de vida já consumiu, aos cinco anos de idade, mais de 1.000 objetos. Estes, com embargo, têm em seu custo o valor agregado de infinitas marcas, propagandas e personagens.
14. As implicações desse modo de vida profundamente alienado se refletem na precarização das relações sociais. Estas se dão, em última análise, apenas no consumo. Cada vez mais precocemente se sedimenta a compreensão de que se mede um ser humano pelo que ele tem, e não pelo que ele é! Em contrapartida, os adultos gerados por essa deformidade social crescem com sentimentos infantilizados, sempre propensos a se enganarem pelos encantos propangandísticos. A máxima depreendida do senso comum, de que “o que muda de um adulto para uma criança é o preço dos seus brinquedos”, vai se revestindo de aspecto perpétuo e inquestionável.
15. Toda ilusão consumista que o capitalismo oferece sob a aparência de felicidade cobra seu preço. Prevalecem as leis do mercado, e como a procura aumenta, o tempo se torna uma mercadoria valorosíssima. E as crianças estão perdendo seu precioso e irretornável tempo de formação intelectual, alternando-se ora em sujeitos, ora em objetos de consumo, expostos ao ridículo pelos pais nos concursos de talentos mirins. Instigados à férrea competição quando estariam naturalmente desenvolvendo noções de convivência, de civilidade, transformar-se-ão em que tipo de adulto?
16. Outra conseqüência desastrosa da perda da infância e da fetichização do consumo é a própria fetichização humana. Meninas seguem o padrão de vestuário e de comportamento das festejadas apresentadoras de televisão e das dançarinas, reedição não menos promíscua das antigas coristas, pelo contrário. Se explora uma proto-sexualidade e uma sensualidade ainda em desenvolvimento – forçado – cada vez mais cedo.




O FRACASSO DA ALTERNATIVA LIBERAL-CAPITALISTA
17. As legislações liberais contemporâneas contemplam o direito à infância como inalienável, reservando em alguns países inclusive a dignidade de cláusula pétrea. Não é necessário um exame mais aprofundado para, no contraste com a realidade, percebermos a falácia dessa garantia. Na verdade, precisa-se de grande cinismo para acreditar que a mera condição jurídica seja suficiente para que a preservação da infância, da formação psíquica e moral do cidadão, e de toda assistência que lhe compraz, esteja assegurada. As concessões legais têm forte inspiração socialista, onde pela primeira vez, por exemplo, se estipulou uma idade mínima para o início da carreira profissional. Resta claro que se trata de uma forma de amainar os ímpetos revolucionários, pois somente um alienado se satisfaria com o que o liberalismo reservou para a infância nos seus diplomas legais. Nesse caso, quem se alienou da própria vida, foi todo o direito burguês.
18. Por fim, não podemos nos cegar para um dado conseqüente desse exame, e perturbador: a explosão, endêmica, da pedofilia, na forma atual do capitalismo. Nunca na história da humanidade tal prática esteve tão alastrada. Sinais dos tempos.