Há dois dias, o Conversa Afiada, matou a charada das eleições de 2014: a Dilma não tem concorrentes. Digo no sentido clássico, de haver candidatos oponentes, projetos diferentes, e até um possível (quiçá frutífero) debate de ideias. A eleição é entre o PT, que Dilma e seu principal cabo eleitoral, Lula, representam, e o antiPT, vista ele a máscara de Guy Fawkes ou Aécio Neves.
Um grande amigo sonha em ver no Brasil algo que ocorreu em alguns países europeus. Forças políticas antagônicas deixaram de lado suas desavenças e criaram, em conjunto, políticas de alcance amplo, representativas e que moldaram o tipo de sociedade da qual fazem parte. Cita, com a propriedade de estudioso e viajado que é, a Irlanda e a Suécia para sua utopia.
Contudo, não posso deixar de lembrar que ele é, no mínimo, para conservar a amizade, um ingênuo. O tipo de oposição que é feita no Brasil desde 2002 é covarde, destrutiva e irracional. É aquela que chamou o Bolsa Família de estímulo à vagabundagem, mas que depois quis assumir a paternidade do programa. Ou a que critica o governo quando o dólar cai e depois critica quando o dólar sobre. Ou até mesmo quando permanece estável. Como é pouco significativa entre os populares, é conduzida pelos meios de comunicação, o PIG, que já assumiu esse papel publicamente.
Às vezes, sinto o jornalista Luis Nassif acalentar o mesmo devaneio. Isso ficou patente na sua recusa em fazer parte do Barão de Itararé, para manter sua neutralidade ou imparcialidade. Ele, que cunhou expressões célebres como "cabeças de planilha" e também "assassinato de reputações", entende bem os maneirismos e traquejos do jogo político. Foi muito perseguido pelos "órgãos oficiais da oposição", mas não abre mão do ideal de congraçamento das diversas correntes sociais num projeto de país.
Não rejeito a ideia, pelo contrário. Mas sei que para isso teremos que superar uma chaga alastrada como um cancro pela imprensa: o antipetismo. Não há como dialogar com uma linha de conduta que só tem a destruição em seu horizonte. Para o antipetismo, a terra arrasada, o país bombardeado por forças da OTAN, a guerra civil, qualquer coisa é melhor que sentar para conversar, civilizadamente, com o único partido que tem legitimidade para representar uma parcela do povo brasileiro. Reconhecer isso já se torna insuportável, pois evidencia a irracionalidade da postura.
O antipetismo é a manifestação nacional e tardia do ódio de classe na
política. É algo presente desde a Revolução Francesa, quando o
governo do povo foi chamado de “terror” pelo PIG da época. O antipetismo
é anterior ao PT, e mistura elitismo, falta de conhecimento e doses alopáticas de ódio. No Brasil, é
visível lá na formação dos sindicatos, 100 anos atrás. Antes de Lula e o
PT, quem mais arcou com esse preconceito foi Luiz Carlos Prestes e o
Partido Comunista.
O antipetismo só existe no contexto da polarização esquerda/direita,
capitalismo/socialismo, da Guerra Fria, onde o Brasil
se postou como satélite cultural dos EUA, o perigo vermelho e a ameaça do
Comunismo aos valores que se tornaram tão caros ao Ocidente. André
Singer tratou disso em “As raízes sociais e ideológicas do Lulismo”.
De como o PT surgiu desse caldo de cultura, como partido alternativo, de luta contra a
ditadura, abarcando sindicalistas, religiosos, intelectuais, rebeldes
ou gente “descolada”, e passou a ser de fato um partido de massas, o
único da nossa história.
A linguagem foi atualizada. Não se fala mais
operário ou proletário. Hoje, o politicamente correto diz "colaboradores". Procuram substituir a luta de classes por um quase sempre sem sentido "esforço de integração". Mas a conquista
de direitos sociais continua provocando asco e resistência da elite.
Para que homens e mulheres, independente da cor ou posição econômica,
pudessem votar e serem votados, muito sangue correu e inúmeras barreiras
foram derrubadas. Para o antipetismo, a “política” até hoje deveria ser passatempo de
dândis enfastiados. Bancar uma eleição não é para "trabalhador", que labuta o sustento do dia a dia, sem reclamar...
O PT foi forçado a abrandar sua retórica, para convencer os iludidos com o discurso conservador, pois trabalhadores sabotavam suas próprias necessidades até darem um voto de confiança ao PT. Já o antipetismo, por seu turno, sobe o tom e vive uma escalada de agressividade sem precedentes. É que na prática os governos petistas conciliam interesses: tiraram milhões da pobreza, expandiram a classe média e permitiram os maiores ganhos aos abastados. A esses, a única regalia extraída foi o direito de "exclusividade" em ambiente antes restritos a uma meia-dúzia. O exemplo dos aeroportos é cabal. Isso é insuficiente para um programa de oposição. Todo mundo se deu bem no governo PT. Então, o que faz com que a elite seja contra a reeleição da Dilma?
O elemento irracional do antipetismo é o pânico, que desmancha a sensatez por motivos inexplicáveis. Os neo macartistas deitam e rolam com esse temor. Ao invés de mobilizarem pessoas por "causas", polemizam na internet por "coisas". Vivem num mundo à parte do real, denunciando guerrilheiros cubanos travestidos de médicos que se infiltram no nosso país, a eminente bolchevização da sociedade e a encarnação do mal, antes um leviatã que brandia a foice e o martelo, hoje, um polvo com nove tentáculos que pigarreia discursos com sua voz roufenha, prometendo a bolivarização da economia.
4 comentários:
Acredito que esse texto compartilhe das mesmas ideias do seuhttp://www.opovo.com.br/app/opovo/politica/2014/06/09/noticiasjornalpolitica,3263875/ricos-e-classe-media-querem-tirar-pt-do-poder-diz-economista-pochmann.shtml
Márcio,
Não exatamente.
Meu foco é dizer que no Brasil existe apenas UMA força política organizada: chama-se PT. E a reação ao PT se chama antipetismo. É essa idéia que a candidatura do Aécio representa.
O seu xará Pochmann, a quem admiro desde longa data, aborda outra questão: a de que o PT governa para quem precisa de governo, e como consequência dessa política, os mais ricos perdem exclusividade em setores antes restritos, como viagens ao exterior, carro novo (citados por ele) e andar de avião (citado por mim).
Mas isso é apenas um acessório no meu argumento, para chegar à questão que eu proponho: o porquê da rejeição dos ricos ao PT, sendo que eles ganharam como nunca nesse governo.
Minha resposta não tem muito a ver com o que o Pochmann diz. Creio na instigação do medo, na mensagem subliminar da Regina Duarte, no afloramento do primitivo pânico ao desconhecido. Em uma palavra, a rejeição é irracional, na minha opinião.
Pochmann, ao contrário, acredita numa consciência de classe da elite para combater o projeto popular petista, quase como um projeto articulado para tirar o PT do poder.
Mas a instigação do medo que você aponta não seria uma das estratégias de marketing forjada por pessoas que fazem parte, conscientemente, da elite?
É. Não vi nenhum site petista entender que a corrupção, o amadorismo e a guerra aos valores tradicionais que o PT trava contra a sociedade é que estão fazendo o POVO rejeitá-lo. Mais da metade da população rejeitou essa forma arcaica e degradante de fazer política e ainda falam que é a ELITE que rejeita o PT. São cegos, ou se fazem de cegos. O anão diplomático vai se livrar dessa gente corrupta e mentirosa e crescerá novamente.
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