sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O ANTIPETISMO

Há dois dias, o Conversa Afiada, matou a charada das eleições de 2014: a Dilma não tem concorrentes. Digo no sentido clássico, de haver candidatos oponentes, projetos diferentes, e até um possível (quiçá frutífero) debate de ideias. A eleição é entre o PT, que Dilma e seu principal cabo eleitoral, Lula, representam, e o antiPT, vista ele a máscara de Guy Fawkes ou Aécio Neves.

Um grande amigo sonha em ver no Brasil algo que ocorreu em alguns países europeus. Forças políticas antagônicas deixaram de lado suas desavenças e criaram, em conjunto, políticas de alcance amplo, representativas e que moldaram o tipo de sociedade da qual fazem parte. Cita, com a propriedade de estudioso e viajado que é, a Irlanda e a Suécia para sua utopia.

Contudo, não posso deixar de lembrar que ele é, no mínimo, para conservar a amizade, um ingênuo. O tipo de oposição que é feita no Brasil desde 2002 é covarde, destrutiva e irracional. É aquela que chamou o Bolsa Família de estímulo à vagabundagem, mas que depois quis assumir a paternidade do programa. Ou a que critica o governo quando o dólar cai e depois critica quando o dólar sobre. Ou até mesmo quando permanece estável. Como é pouco significativa entre os populares, é conduzida pelos meios de comunicação, o PIG, que já assumiu esse papel publicamente.

Às vezes, sinto o jornalista Luis Nassif acalentar o mesmo devaneio. Isso ficou patente na sua recusa em fazer parte do Barão de Itararé, para manter sua neutralidade ou imparcialidade. Ele, que cunhou expressões célebres como "cabeças de planilha" e também "assassinato de reputações", entende bem os maneirismos e traquejos do jogo político. Foi muito perseguido pelos "órgãos oficiais da oposição", mas não abre mão do ideal de congraçamento das diversas correntes sociais num projeto de país.

Não rejeito a ideia, pelo contrário. Mas sei que para isso teremos que superar uma chaga alastrada como um cancro pela imprensa: o antipetismo. Não há como dialogar com uma linha de conduta que só tem a destruição em seu horizonte. Para o antipetismo, a terra arrasada, o país bombardeado por forças da OTAN, a guerra civil, qualquer coisa é melhor que sentar para conversar, civilizadamente, com o único partido que tem legitimidade para representar uma parcela do povo brasileiro. Reconhecer isso já se torna insuportável, pois evidencia a irracionalidade da postura.

O antipetismo é a manifestação nacional e tardia do ódio de classe na política. É algo presente desde a Revolução Francesa, quando o governo do povo foi chamado de “terror” pelo PIG da época. O antipetismo é anterior ao PT, e mistura elitismo, falta de conhecimento e doses alopáticas de ódio. No Brasil, é visível lá na formação dos sindicatos, 100 anos atrás. Antes de Lula e o PT, quem mais arcou com esse preconceito foi Luiz Carlos Prestes e o Partido Comunista.

O antipetismo só existe no contexto da polarização esquerda/direita, capitalismo/socialismo, da Guerra Fria, onde o Brasil se postou como satélite cultural dos EUA, o perigo vermelho e a ameaça do Comunismo aos valores que se tornaram tão caros ao Ocidente. André Singer tratou disso em “As raízes sociais e ideológicas do Lulismo”. De como o PT surgiu desse caldo de cultura, como partido alternativo, de luta contra a ditadura, abarcando sindicalistas, religiosos, intelectuais, rebeldes ou gente “descolada”, e passou a ser de fato um partido de massas, o único da nossa história.

A linguagem foi atualizada. Não se fala mais operário ou proletário. Hoje, o politicamente correto diz "colaboradores". Procuram substituir a luta de classes por um quase sempre sem sentido "esforço de integração". Mas a conquista de direitos sociais continua provocando asco e resistência da elite. Para que homens e mulheres, independente da cor ou posição econômica, pudessem votar e serem votados, muito sangue correu e inúmeras barreiras foram derrubadas. Para o antipetismo, a “política” até hoje deveria ser passatempo de dândis enfastiados. Bancar uma eleição não é para "trabalhador", que labuta o sustento do dia a dia, sem reclamar...

O PT foi forçado a abrandar sua retórica, para convencer os iludidos com o discurso conservador, pois trabalhadores sabotavam suas próprias necessidades até darem um voto de confiança ao PT. Já o antipetismo, por seu turno, sobe o tom e vive uma escalada de agressividade sem precedentes. É que na prática os governos petistas conciliam interesses: tiraram milhões da pobreza, expandiram a classe média e permitiram os maiores ganhos aos abastados. A esses, a única regalia extraída foi o direito de "exclusividade" em ambiente antes restritos a uma meia-dúzia. O exemplo dos aeroportos é cabal. Isso é insuficiente para um programa de oposição. Todo mundo se deu bem no governo PT. Então, o que faz com que a elite seja contra a reeleição da Dilma?

O elemento irracional do antipetismo é o pânico, que desmancha a sensatez por motivos inexplicáveis. Os neo macartistas deitam e rolam com esse temor. Ao invés de mobilizarem pessoas por "causas", polemizam na internet por "coisas". Vivem num mundo à parte do real, denunciando guerrilheiros cubanos travestidos de médicos que se infiltram no nosso país, a eminente bolchevização da sociedade e a encarnação do mal, antes um leviatã que brandia a foice e o martelo, hoje, um polvo com nove tentáculos que pigarreia discursos com sua voz roufenha, prometendo a bolivarização da economia.

4 comentários:

Márcio Scott Teixeira disse...

Acredito que esse texto compartilhe das mesmas ideias do seuhttp://www.opovo.com.br/app/opovo/politica/2014/06/09/noticiasjornalpolitica,3263875/ricos-e-classe-media-querem-tirar-pt-do-poder-diz-economista-pochmann.shtml

Marco disse...

Márcio,

Não exatamente.

Meu foco é dizer que no Brasil existe apenas UMA força política organizada: chama-se PT. E a reação ao PT se chama antipetismo. É essa idéia que a candidatura do Aécio representa.

O seu xará Pochmann, a quem admiro desde longa data, aborda outra questão: a de que o PT governa para quem precisa de governo, e como consequência dessa política, os mais ricos perdem exclusividade em setores antes restritos, como viagens ao exterior, carro novo (citados por ele) e andar de avião (citado por mim).

Mas isso é apenas um acessório no meu argumento, para chegar à questão que eu proponho: o porquê da rejeição dos ricos ao PT, sendo que eles ganharam como nunca nesse governo.

Minha resposta não tem muito a ver com o que o Pochmann diz. Creio na instigação do medo, na mensagem subliminar da Regina Duarte, no afloramento do primitivo pânico ao desconhecido. Em uma palavra, a rejeição é irracional, na minha opinião.

Pochmann, ao contrário, acredita numa consciência de classe da elite para combater o projeto popular petista, quase como um projeto articulado para tirar o PT do poder.

Márcio Scott Teixeira disse...

Mas a instigação do medo que você aponta não seria uma das estratégias de marketing forjada por pessoas que fazem parte, conscientemente, da elite?

César Guerra disse...

É. Não vi nenhum site petista entender que a corrupção, o amadorismo e a guerra aos valores tradicionais que o PT trava contra a sociedade é que estão fazendo o POVO rejeitá-lo. Mais da metade da população rejeitou essa forma arcaica e degradante de fazer política e ainda falam que é a ELITE que rejeita o PT. São cegos, ou se fazem de cegos. O anão diplomático vai se livrar dessa gente corrupta e mentirosa e crescerá novamente.