sábado, 30 de abril de 2011

REALISMO FANTÁSTICO

Podgarić
A expressão do título se refere a uma escola literária surgida na América Latina no século passado cujo aspecto mais chamativo é a mescla de elementos fantasiosos, mágicos, ao dia a dia dos personagens como se fossem absorvidos no cotidiano com absoluta naturalidade.











Zenica
Outra característica é o tempo, contado de forma totalmente distinta do cronológico. A distorção faz com que o presente pareça repetir o passado e o futuro seja contado com nostalgia.













Sinj
O conterrâneo J. J. Veiga foi uma expressão local dessa maluquice. Seu livro "A Hora dos Ruminantes" foi leitura obrigatória para o Vestibular da UFG quando eu o prestei.
Mas acho que não houve expressão desse movimento na escultura ou na arquitetura.











Nikšić
Já o realismo socialista foi o estilo artístico que marcou a estética dos países do leste europeu, também no século passado. As pinturas de Lênin no parlatório, os cartazes ufanistas, posters celebrando os valores deliberadamente defendidos pelo Estado, além da arquitetura monumental, das habitações coletivas aos prédios públicos.









Sisak
O Realismo Socialista propõe uma arte engajada ideologicamente, feita para o povo e para servir os interesses do povo. Os temas desta arte serão soviéticos, prosperidade dos Kolkhozes, alegria do trabalho coletivo, altos feitos dos heróis militares e civis, etc.










Ostra
Estes temas devem ser expostos de forma acessível á compreensão das massas populares. A paisagem pura e a natureza morta são condenadas bem como toda a arte indiferente à realidade social.












Kamenska
A pintura do Realismo Socialista é uma arte figurativa que tem as suas origens no Realismo Oitocentista iniciado por Courbet. Já a arte tridimensional abusa dos novos materiais, como as estruturas metálicas e o concreto armado.











Brezovica
Não sou crítico de arte, mas também não sou um ignorante contumaz na matéria. Por força das minhas "experiências pregressas" (acho lindo esse pleonasmo) fui obrigado a estudar história da arte com rasa profundidade. Isso não quer dizer nada, desde a primeira aula, onde aprendemos que a obra de arte é objeto de "fruição" dos mais excelsos sentimentos que possamos nutrir.







Mitrovica
Mesmo assim, coloco a teoria de lado para dizer se gosto ou não das manifestações artísticas com as quais me deparo. Muito coisa não me diz porra nenhuma. Acho a arte gestual (Jason Pollock), por exemplo, lixo, esterco cultural. Já essas fotos me falam alto ao coração.











Kadinjača
Assim, apesar do título dessa postagem não ter nada a ver com o conteúdo em si, o escolhi por que senti uma presença inacreditável nas fotos. A aparência de completo abandono dá um tom ainda mais sobrenatural às figuras. É real, mas não parece. Integra o cenário, mas parece montagem.










Kolašin
Sei que muitos dirão que governos, capitalistas ou socialistas, são perdulários quando se propõem a deixar um legado na história. Daí a expressão "obra faraônica". Mas não vou polemizar com os que defendem esse ponto de vista.












Tjentište
Aqui temos 26 monumentos iugoslavos abandonados à própria sorte, como se representassem o futuro que jamais existirá. Talvez falemos do retro-futurismo.












Makljen
Estas estruturas foram encomendadas pelo ex-presidente iugoslavo Josip Broz "Tito" entre 1960 e 70, para rememorar alguns locais de batalhas da Segunda Guerra Mundial (como Tjentište, Kozara e Kadinjača), ou campos de concentração (como Jasenovac e NIS).










Knin
Eles foram concebidos por diferentes escultores (Dušan Džamonja, Vojin Bakic, Miodrag Zivkovic, Jordan e Iskra Grabul, para citar alguns) e arquitetos (Bogdan Bogdanović, Gradimir Medaković ...), transmitindo um impacto visual poderoso, para mostrar a confiança e a força da República Socialista.









Korenica
Na década de 1980, estes monumentos atraíram milhões de visitantes, sobretudo jovens ciosos de sua "educação patriótica". Depois que a Federação de Repúblicas se dissolveu, no início de 1990, eles foram completamente abandonados, e seus significados simbólicos perdidos na eternidade.









Košute
De 2006 a 2009, o fotógrafo Jan Kempenaers excursionou pela ex-Iugoslávia (atual Croácia, Sérvia, Eslovênia, Bósnia e Herzegovina, etc) com a ajuda de um mapa de 1975 de memoriais, trazendo diante de nossos olhos uma série de imagens melancólicas e ainda impressionantes.










Niš
Suas fotos levantam uma questão: esses monumentos continuam a existir como esculturas puras? Por um lado, sua condição física e institucional, dilapidada e negligenciada, refletem uma abordagem geral da fratura social histórica que aquele povo sofreu. Por outro lado, eles ainda são de uma beleza estonteante, sem qualquer significado simbólico.








Sanski Most
Numa interpretação poética da história, para as novas gerações, fica a idéia de que os socialistas foram gigantes que habitaram a terra em tempos imemoriais. Seres miológicos que seguiam a lógica dos criadores de Stonehenge ou Averbury, por exemplo?










Jasenovac
A idéia de marcar a história, de deixar um legado superior à perenidade da vida. Expressividade e solenidade combinadas. Surpreende que ainda tenham tenham sido pano de fundo para algum filme de ficção científica.











Ilirska Bistrica
Já numa interpretação mais materialista, condizente com a conjuntura marxista em que foram criadas, talvez estejam aí apenas cumprindo seu propósito: se deteriorar naturalmente, pois o tempo passa.












Grmeč
É realmente fantástico, pois elas já não servem qualquer declaração política, e acabam por encontrar sua função real: meditar sobre a condição humana. Suscitar a reflexão de que nada detém o trem da história











Kozara
Capas de disco de rock progressivo em potencial, bem ao estilo do The Division Bell, do Pink Floyd, o estado de abandono destes monumentos confere algum charme; afinal, alarmante seria se as pessoas se importassem com eles.











Kruševo
Há uma obra que guarda alguma semelhança visual na Bulgaria. Mas as significações são inteiramente distintas.
http://www.buzludja.com/












Tjentište
Infelizmente, estes pontos permaneceram quase que no anonimato para nós, ocidentais com poucos ou nenhum acesso às coisas do Leste Europeu. Aprendemos simplesmente a temê-los. Estes locais jamais fariam parte de best sellers como "1001 lugares para visitar antes de morrer" ou coisa que o valha.










Kosmaj
Uma imagem vale mil palavras - Confúcio















Petrova Gora
A grana que ergue e destrói coisas belas. O irônico é que esse exemplar hoje abriga uma torre de celular em seu cume.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

CAVALEIRO DA ESPERANÇA

Nessa fase da minha vida, procuro por coisas que façam sentido. Viver uma vida inteira e depois se perguntar: “Pra quê?”, é um destino vil, inglório, que não desejo para ninguém. Nesse mar tormentoso, nesse universo de cegos, talvez o exemplo possa nos guiar. E escolho como exemplo alguém que desde sempre admirei.
A vida de Prestes é icônica em termos de vontade, fibra moral, princípios e coerência. Será que ainda se fazem homens como antigamente? Natural de Porto Alegre, mudou-se para o Rio de Janeiro em tenra idade. Órfão de pai, foi criado pelo esforço e suor da mãe. Adolescente sem recursos ingressou na gratuita Escola Militar do Realengo. Ao fim do curso, eleito o melhor da classe, torna-se tenente. E depois capitão, aos 23 anos. O mais jovem da história do Exército Brasileiro. Foi transferido para Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, onde aflorou sua indignação com a situação do povo, e do país, governado por Arthur Bernardes.
Em 1924, aos 26 anos, pede demissão do Exército. Pediu demissão, sem exigir indenização ou aceitar qualquer recompensa. Em ato vingativo e torpe, que maculou ainda mais uma vez sua história, o Exército publicou a sua expulsão. É lógico que no arquivo da instituição já constava a demissão a pedido do capitão. Logo, o Exército estava expulsando alguém que não poderia ser expulso, pois já se revertera, voluntariamente, à condição de civil.
Nesse interregno, lá no Sul, forma um grupo de militares que compactuava com suas ideias. Obtém o apoio de outras regiões. De 1924 a 1926 lidera a mítica Coluna Prestes, que combatia a República Velha e, entre outras bandeiras, defendia reformas sociais, como o ensino público universal, e políticas, como o fim do voto de cabresto.
Em dois anos percorreram 25 mil quilômetros do nosso território. A marcha inspirou tempos depois Mao Tsé-tung, pois seu intento era revolucionar a nação a partir do interior. Em cada localidade, denunciavam a miséria da população e o poder opressor das oligarquias locais. Recebeu a patente popular que o acompanharia dali em diante: Cavaleiro da Esperança. Contudo, o apoio popular não foi suficiente. Diante do cerco do Exército, parte da Coluna se exilou na Bolívia. Entre eles, Prestes, que lá começaria a estudar com profundidade o marxismo.
Em 1930, Siqueira Campos e João Alberto, foram a Montevidéu (onde Prestes morava, depois do exílio boliviano), convidá-lo a chefiar a “Revolução de 30”, que já era favas contadas. Prestes poderia ter comandado a Revolução, assumido o Poder, e nessas condições, mudado os rumos do país. Mas ele indagou aos perplexos ex-companheiros da brava Coluna: “A Revolução é comunista?” A dita revolução não era nada disso; na verdade era burguesa, aristocrática e reacionária, e por isso ele recusou. Sequer admitiu a hipótese, considerava traição. Em resposta à plataforma varguista, e suas concessões ao voto secreto e avanços socias, lançou o Manifesto Comunista em 29 de maio de 1930. Não só rompia com seus ex-companheiros da Coluna que haviam aderido a Getúlio como, além de rotular o programa como "anódino", denunciou-o como uma manobra neo-oligárquica.
Em 1931, foi à União Soviética. Voltou em 1935, trazendo Olga Benário, uma judia alemã tão doce quanto revolucionária e que foi o grande amor da sua vida. Integrou-se definitivamente ao PCB, e tornou-se líder da ANL, que reunia a esquerda oposicionista a Vargas.
Após conflitos no Nordeste, Prestes ordena que a revolta se propague pelo País. Combates eclodem no Rio e no Recife, num episódio que entrou para a história como a Intentona Comunista. Quixotesca, sem recursos, praticamente existindo apenas no interior da Paraíba, Rio Grande do Norte e no Rio, no 3º RI (Onde hoje existe um monumento, na Praia Vermelha).
O governo age com extrema violência para combater os revoltosos. Capturados pela polícia, Prestes e Olga descobrem que terão um filho. Ainda assim, Getulio envia Olga para a Alemanha, onde encerra seus dias no campo de concentração. A criança, batizada Anita Leocádia, sobreviveu e foi criada por sua avó paterna.
Já Prestes foi levado para a Polícia Central, onde ficou sob jugo do antigo companheiro de coluna, Filinto Muller. Foi um dos brasileiros mais torturados de todos os tempos, ficando num vão de escada até 1940. (Só saía para os julgamentos no Tribunal de Segurança Nacional). Nesse ano, graças à adesão do Brasil às forças aliadas, o governo soviético solicitou ao Brasil a libertação dele. Vargas não atendeu, mas o transferiu para a Penitenciária Frei Caneca, onde ficou até 1945.
Após nove anos de cárcere, Prestes deixa a prisão, época em que o PCB desfrutou um breve período de legalidade. Em comemoração, o partido organizou um grande evento no Pacaembu, em São Paulo. Cem mil pessoas se acotovelaram para ouvir o discurso do líder recém-liberto. “Organizemos as grandes massas trabalhadoras da cidade e do campo, fazendo uso das armas da democracia: livre discussão, livre associação de ideias e sufrágio universal”, clamou a um público hipnotizado.

Entre os presentes, meu avô (que já foi tema de uns posts atrás) e o poeta chileno Pablo Neruda, que leu um histórico poema em sua homenagem.
Pouco depois, Prestes elege-se senador da república (o mais votado do país), dividindo a bancada com outros 14 comunistas, entre os quais Jorge Amado, Carlos Marighella e João Amazonas. É atuante e influencia a Constituição de 1946, tida como a mais progressista da história.
Em Janeiro de 1950, Getulio Vargas pede apoio a Prestes para sua candidatura à presidência. Apesar dos anos passados, era o mesmo político que o havia mandado à prisão, proibido a existência de seu partido e, mais grave, enviado seu único amor ao holocausto. A resposta surpreendeu a companheiros e inimigos: “Não posso colocar os meus dramas pessoais acima dos interesses do partido. Aceito apoiá-lo.”
Após o golpe militar de 1964, Prestes tem os direitos civis novamente revogados. Parte novamente para a União Soviética, onde fica até 1979. Na volta, encontra um país mudado. Inclusive os próprios companheiros. A cúpula do PCB não o reconhecia mais como líder. Achava suas ideias atrasadas. Numa entrevista, disparou: “O partido comunista não é mais comunista. De comunista só tem o nome.” Laconicamente, é afastado do partidão e encontra guarida no PDT, de Leonel Brizola.
Em 1989, mostrando mais uma vez a firmeza de seu caráter, apóia a candidatura de Lula. Me levam às lágrimas, mesmo enquanto escrevo esse arremedo de biografia, a lembrança da imagem daquele senhor, já quase centenário, com o microfone em punho, conclamando seus concidadãos a se darem uma chance de finalmente exercer o poder, luta pela qual ele dedicou sua vida inteira.

Durante mais de 60 anos, Luís Carlos Prestes doou sua energia aos ideais em que acreditava. Comprometeu-se até a raiz com o sentido de justiça e igualdade que conheceu durante a vida e compreendeu após estudar com todo afinco as causas da desigualdade. Em uma de suas últimas entrevistas, em 1986, um jornalista perguntou se não se sentia frustrado por ter devotado tanto tempo a um ideal, ter sido preso, exilado, e não ter visto mudanças significativas no País. “Absolutamente. A transformação é um processo demorado, um processo longo. Leva tempo para convencer a classe operária que ela deve assumir um papel dirigente na luta por uma nova sociedade.”
Mais interessante que os elogios, são as críticas que Prestes recebeu durante sua trajetória política, confirmando a tenacidade e perseverança com que defendeu seus ideais. Nessa passagem, Voltaire Schilling avalia seu comportamento no episódio de 1930 (o convite para chefiar a revolução): “Para Prestes, num dos seus tantos abismais erros políticos, Washington Luís ou Vargas, dava na mesma. Não passava de "uma mudança de homens". Somente uma "verdadeira insurreição generalizada"..."das mais vastas massas", aferrou-se o Cavaleiro da Esperança, é que daria fim ao domínio dos proprietários fundiários e do imperialismo. Propôs então, a lá soviética, "um governo de todos os trabalhadores...baseado nos conselhos de trabalhadores...soldados e marinheiros...". Enquanto isso Vargas, depois de chefe vitorioso do Movimento 3 de Outubro de 1930, era confirmado como presidente constitucional em 1934.”
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/brasil/2004/08/26/001.htm
Já Hélio Fernandes se refere a ele dessa forma: Luiz Carlos Prestes pode sofrer críticas, mas nada em matéria pessoal (...) errou em todas as posições políticas ou em atos que dependiam exclusivamente de sua vontade, mas errou CONTRA ELE MESMO, não se beneficiou de coisa alguma. Ele sempre disse: “Os interesses pessoais não podem prevalecer acima de qualquer coisa, e prejudicar a coletividade” E cumpriu na prática o que pregava na teoria. E sobre o apoio dado a Getulio, depois de ter sido seviciado de todas formas, Hélio Fernandes diz: Nesse ano, a ditadura ameaçadíssima, Vargas soltou Prestes. E este assombrosamente, passou a defender a CONSTITUINTE COM VARGAS. Um disparate completo, Prestes ERRAVA TOTALMENTE, mas por convicção. Logo depois de solto, outra violenta contradição de Prestes, mas como sempre coerente com suas idéias. Foi fazer um comício no Estádio do Vasco, (ainda não existia o Maracanã), uma multidão foi ouvi-lo e saiu de lá chorando. Prestes criticou o próprio povo, afirmou: “Vocês estão se aburguesando, só pensam num rádio novo e mais potente ou em geladeira”. (Textual)
http://www.tribunadaimprensa.com.br/?p=6412
O Cavaleiro da Esperança morreu em 7 de março de 1990 no Rio. No mesmo dia, um de seus sonhos foi realizado: a Justiça Eleitoral concedeu o registro definitivo ao PCB.


O Poema “Mensagem”, de Pablo Neruda
http://www.fmauriciograbois.org.br/portal/noticia.php?id_sessao=53&id_noticia=1722

Quantas coisas quisera hoje dizer, brasileiros,
quantas histórias, lutas, desenganos, vitórias,
que levei anos e anos no coração para dizer-vos, pensamentos
e saudações. Saudações das neves andinas,
saudações do Oceano Pacífico, palavras que me disseram
ao passar os operários, os mineiros, os pedreiros, todos
os povoadores de minha pátria longínqua.
Que me disse a neve, a nuvem, a bandeira?
Que segredo me disse o marinheiro?
Que me disse a menina pequenina dando-me espigas?

Uma mensagem tinham. Era: Cumprimenta Prestes.
Procura-o, me diziam, na selva ou no rio.
Aparta suas prisões, procura sua cela, chama.
E se não te deixam falar-lhe, olha-o até cansar-te
e nos conta amanhã o que viste.

Hoje estou orgulhoso de vê-lo rodeado
por um mar de corações vitoriosos.
Vou dizer ao Chile: Eu o saudei na viração
das bandeiras livres de seu povo.

Me lembro em Paris, há alguns anos, uma noite
falei à multidão, fui pedir auxílio
para a Espanha Republicana, para o povo em sua luta.
A Espanha estava cheia de ruínas e de glória.
Os franceses ouviam o meu apelo em silêncio.
Pedi-lhes ajuda em nome de tudo o que existe
e lhes disse: Os novos heróis, os que na Espanha lutam, morrem,
Modesto, Líster, Pasionaria, Lorca,
são filhos dos heróis da América, são irmãos
de Bolívar, de O' Higgins, de San Martín, de Prestes.
E quando disse o nome de Prestes foi como um rumor imenso.
no ar da França: Paris o saudava.
Velhos operários de olhos úmidos
olhavam para o futuro do Brasil e para a Espanha.

Vou contar-vos outra pequena história.

Junto às grandes minas de carvão, que avançam sob o mar,
no Chile, no frio porto de Talcahuano,
chegou uma vez, faz tempos, um cargueiro soviético.
Quando a noite chegou
vieram aos milhares os mineiros, das grandes minas,
homens, mulheres, meninos, e das colinas,
com suas pequenas lâmpadas mineiras,
a noite toda fizeram sinais, acendendo e apagando,
para o navio que vinha dos portos soviéticos.

Aquela noite escura teve estrelas:
as estrelas humanas, as lâmpadas do povo.
Também hoje, de todos os rincões
da nossa América, do México livre, do Peru sedento,
de Cuba, da Argentina populosa,
do Uruguai, refúgio de irmãos asilados,
o povo te saúda, Prestes, com suas pequenas lâmpadas
em que brilham as altas esperanças do homem.
Por isso me mandaram, pelo vento da América,
para que te olhasse e logo lhes contasse
como eras, que dizia o seu capitão calado
por tantos anos duros de solidão e sombra.

Vou dizer-lhe que não guardas ódio.
Que só desejas que a tua pátria viva.
E que a liberdade cresça no fundo
do Brasil como árvore eterna.

Eu quisera contar-te, Brasil, muitas coisas caladas,
carregadas por estes anos entre a pele e a alma,
sangue, dores, triunfos, o que devem se dizer
o poeta e o povo: fica para outra vez, um dia.

Peço hoje um grande silêncio de vulcões e rios.
Um grande silêncio peço de terras e varões.
Peço silêncio à América da neve ao pampa.
Silêncio: com a palavra o Capitão do Povo.
Silêncio: que o Brasil falará por sua boca.

Por fim, a carta daquela sobrevivente do holocausto, Anita Leocádia Prestes, publicada em janeiro de 2010, no auge da celeuma sobre o pagamento de anistias aos perseguidos políticos.
http://prestesaressurgir.blogspot.com/2010/01/carta-de-anita-prestes-o-globo.html

Tendo em vista matéria publicada em “O Globo” de hoje (p.4), intitulada “Comissão aprovará novas indenizações” e na qualidade de filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, devo esclarecer o seguinte:
Luiz Carlos Prestes sempre se opôs à sua reintegração no Exército brasileiro, tendo duas vezes se demitido e uma vez sido expulso do mesmo. Também nunca aceitou receber qualquer indenização governamental; assim, recusou pensão que lhe fora concedida pelo então prefeito do Rio de Janeiro, Sr. Saturnino Braga.
A reintegração do meu pai ao Exército no posto de coronel e a concessão de pensão à família constitui, portanto, um desrespeito à sua vontade e à sua memória. Por essa razão, recusei a parte de sua pensão que me caberia.
Da mesma forma, não considerei justo receber a indenização de cem mil reais que me foi concedida pela Comissão de Anistia, quantia que doei publicamente ao Instituto Nacional do Câncer.
Considerando o direito, que a legislação brasileira me confere, de defesa da memória do meu pai, espero que esta carta seja publicada com o mesmo destaque da matéria referida.
Atenciosamente,
Anita Leocádia Prestes

sexta-feira, 1 de abril de 2011

REAL, BUT SAD, POLITIK

I can't believe the news today
I can't close my eyes and make it go away.
How long...
How long must we sing this song?
How long, how long?*

As imagens de 40 anos atrás continuam vívidas nas íris de todo cidadão brasileiro. São marcas indeléveis no corpo nacional. Feridas que não cicatrizam. O golpe alterou para sempre os destino de todos nós, até mesmo daqueles que sequer existiam.
Personagens heróicos, dados a voluntariedade, a retidão de caráter, a fibra e a defesa de ideais, caçados como animais e empalados em praça pública, de forma exemplar.
Personagens infames, metendo o coturno na cara da sociedade, com todo escárnio e desprezo pela humanidade, com o escopo de manter a ordem e acelerar o progresso. Infelizmente, milhares de outros personagens, hoje em dia tratados como heróicos ou infames, graças às circunstâncias criadas nesse purgatório terrestre.
Uma ínfima parcela da sociedade conhecia os fundamentos do comunismo. (aliás, nesse aspecto, pouco coisa mudou!). Pois os golpistas utilizaram a velha artimanha de instigar o pavor ao desconhecido para tentar alguma adesão, algum respaldo. Ao invés de levar luz onde há trevas, conhecimento onde há ignorância, leva-se o medo, e mantém-se a dominação, intelectual e física. A grande massa, circunstancialmente covarde, se omitiu.
Mesmo assim, foram repudiados pelo povo. Jamais houve uma manifestação popular tem apoio ao regime de exceção. Os desfiles de 7 de setembro lembravam o totalitarismo nazi-fascista. Vaquinhas de presépio, acuadas, aplaudiam comedidamente o passar dos tanques, que por qualquer motivo, poderiam esmagá-los instantes depois. Multidão reunida? Só pelas diretas...
Não menos culpados foram os “intelectuais” que tentaram dar um quê de racionalidade naquela estupidez. Bob Fields, Mário Henrique Simonssen, Delfim Netto. Jamais se aproximaram dos porões da ditadura. Jamais sujaram seus belos ternos, cortes impecáveis, com o sangue dos inocentes. Porém cometeram, não uma, mas várias vezes, o crime de lesa-pátria. Tornaram o FGTS um regime obrigatório, esfaqueando o suado salário do trabalhador. Revogaram a lei de remessa de lucros. Engessaram a reforma agrária, revertendo nosso campo para a exportação. Construíram obras faraônicas com o dinheiro público, e enriqueceram construtores, empreiteiros, conglomerados de mídia. Tornaram a corrupção uma instituição... Atrelaram definitivamente nossas vida à dívida externa. E ao FMI.
Um grande monumento à bestialidade humana. O autoritarismo, a tortura, a violência, o tacão dos tacanhos. DOI-CODI, Dops, as diversas tecnologias criadas para extrair confissões, e para retirar dignidade. Atentados contra civis, cavalos pisando homens. Arapongas, traidores, infiltrados. Repressão, mordaça, AI-5, truculência. Guerra Civil sob os auspícios de um milagre?! Não, não é para quem tem estômago fraco. É mais macabro que qualquer ficção. É mais mórbido do que qualquer adjetivo possa expressar.
Justificando o injustificável. Nos dias de hoje, os historiadores explicam os acontecimentos passados graças ao “despreparo” de Jango. Apontam um bode expiatório depois de perpetrada a carnificina. Oprimem, como fizeram idos atrás os golpistas, e como fazem hoje os organizadores da divisão social do trabalho, com a reengenharia. Como estes, fundam uma nova “ciência”: a Rehistória.



Ninguém Lê.com.br – Porque temos memória

(*)
Eu não posso acreditar nas notícias de hoje
Eu não posso fechar os olhos e fazê-las desaparecer.
Quanto tempo...
Quanto tempo teremos de cantar esta canção?
Quanto tempo, Quanto tempo?


Escrito por Holden Caulfield, em 31/03/2004 às 21h43, quando as coisas faziam mais sentido.
http://ninguemle.zip.net/arch2004-03-28_2004-04-03.html