domingo, 30 de outubro de 2011

DEPOIS DA CANALHICE, O REMORSO

http://quemtemmedodademocracia.com/2011/10/30/cancer-de-lula-faz-folha-de-s-paulo-se-envergonhar-das-cobras-que-criou/

Seguindo dica da amiga Luciana Rocha, o QTMD? reproduz abaixo dois textos da Folha de S. Paulo. Estão envergonhados das pessoas que desejam a morte de Lula e que pedem que ele vá para o SUS. Não digo com isso que querer que Lula vá pro SUS seja querer sua morte, muito ao contrário. O INCA, que pertence ao SUS, é centro de referência no tratamento de câncer. Mas muitos brasileiros têm, de fato, expressado o desejo de ver Lula morto. E, ao que parece, isso está envergonhando até a Folha. Mas quem alimenta cobras, o que pode esperar senão veneno?

SOB ANONIMATO, BRASILEIRO NÃO É SOLIDÁRIO NO CÂNCER
por Xico Sá

É, tio Nelson, o brasileiro, quando protegido pelo anonimato, não é solidário nem no câncer.
E não estamos batucando na tecla e no lengalenga do politicamente correto. Corta essa.
O brasileiro não é solidário nem no câncer em muitas ocasiões.
É o que vemos nos comentários de blogs e redes sociais agora em relação à doença do ex-presidente Lula.
Nas ruas, nas famílias e na missa de corpo presente, ainda vale a comoção, a compaixão, piedade e outros sentimentos.
Sob o capa de um anônimo e furioso Batman, o ataque dos comentaristas é fulminante, a doença vira metáfora para o desabafo e a ira política dos fundamentalistas que enfrentam diuturnamente o lulismo-petista.
“Minha suspeita é que a interatividade democrática da internet é, de um lado um avanço do jornalismo e, de outro, uma porta direta com o esgoto de ressentimento e da ignorância”, escreveu Gilberto Dimenstein, espantado com as manifestações recebidas na caixa de comentários da sua coluna aqui na Folha.com.
Vasculhando as caixas postais de vários blogs e colunas que trataram sobre o assunto, observamos que não é um caso isolado. É tendência. Tem, mas está faltando a referida solidariedade.
Agora vemos o personagem Edgar, da peça “Bonitinha mas ordinária”, do tio Nelson Rodrigues, salivando, obsessivo, atribuindo a sentença ao Otto Lara Resende: ”O mineiro só é solidário no câncer.”
O mineiro aqui entra como parte pelo todo, claro, mas deixemos o próprio canalha Edgar com o verbo, de novo:
“Mas olha a sutileza, não é bem o mineiro, ou não é só o mineiro. É o homem, o ser humano. Eu, o senhor ou qualquer um, só é solidário no câncer. Compreendeu?”
É, tio Nelson, este último reduto da solidariedade está indo para o saco. Pelo menos no baile de mascarados da internet.

O CÂNCER DE LULA ME ENVERGONHOU
por Gilberto Dimenstein

Senti um misto de vergonha e enjoo ao receber centenas de comentários de leitores para a minha coluna sobre o câncer de Lula. Fossem apenas algumas dezenas, não me daria o trabalho de comentar. O fato é que foi uma enxurrada de ataques desrespeitosos, desumanos, raivosos, mostrando prazer com a tragédia de um ser humano. Pode sinalizar algo mais profundo.
Centenas de e-mails pediam que Lula não se tratasse num hospital de elite, mas no SUS para supostamente mostrar solidariedade com os mais pobres. É de uma tolice sem tamanho. O que provoca tanto ódio de uma minoria?
Lula teve muitos problemas --e merece ser criticado por muitas coisas, a começar por uma conivência com a corrupção. Mas não foi um ditador, manteve as regras democráticas e a economia crescendo, investiu como nunca no social.
No caso de seu câncer, tratou a doença com extrema transparência e altivez. É um caso, portanto, em que todos deveriam se sentir incomodados com a tragédia alheia.
Minha suspeita é que a interatividade democrática da internet é, de um lado um avanço do jornalismo e, de outro, uma porta direta com o esgoto de ressentimento e da ignorância.
Isso significa quem um dos nossos papéis como jornalistas é educar os e-leitores a se comportar com um mínimo de decência.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

NEOLÍNGUA

Em nome do imperialismo humanitário, da atrocidade bondosa e do holocausto benfeitor, intensificamos a agressão pacífica, o bombardeio filantrópico, o extermínio vivificante e o genocídio benévolo para assegurar o arrebatamento honrado, o saqueio generoso e a pilhagem altruísta. Multiplicando as guerras preventivas, expandimos o assassinato profiláctico, o extermínio saudável, a hecatombe caritativa e a matança benfeitora para impor a barbárie progressista, a democracia oligárquica, o racismo tolerante, o encarceramento libertador, a tortura compassiva e a opressão redentora. Tão elevados fins justificam os meios da fraude informativa, da notícia inventada e a tergiversação verídica que, apoiadas na ocultação transparente, na ignorância ilustrada e na mentira confiável evidenciam a elevada baixeza do nosso oportunismo ético, etapa superior da prostituição moralista que nos assegura a verdadeira mentira da eternidade efémera da omnipotência impotente.

SHOW BUSINESS

Para impedir que continue uma repressão inventada pelos media, os bombardeiros calcinam o país até conseguir a conquista da sua Praça Central representada por actores extra em maqueta edificada no outro extremo do mundo, para proclamar a vitória da Junta de Sediciosos cujo presidente não aparece porque foi assassinado pelos próprios sediciosos enquanto Judas Iscariote apresenta o genocídio como vitória de um movimento social composto por financeiros que rapinam reservas internacionais, abutres que repartem entre si seus recursos, alianças militares que só atacam países mais débeis e mercenários idealistas que triunfam definitivamente numa guerra que não acabará nunca mais.


COVIL
Todos os caminhos levam a Covil, capital do Império.
Em Covil foram parar as Maravilhas do Mundo, devidamente saqueadas aos povos que as criaram.
Não há uma pedra de calçamento em Covil que não tenha sido arrancada do trabalho escravo, nem um muro que não provenha do preço de aldeias arrasadas.
No engaste de todas as jóias está inscrito o custo em sangue dos mineiros mortos nas galerias.
Os caminhos dos jardins ostentam as ossadas dos imolados nas guerras coloniais.
Covil consome as frutas mais deliciosas e com elas vêm as mãos cortadas dos colectores que não completaram a quota fixada.
Pelo subsolo de Covil correm as cloacas de suor e de sangue da miséria de onde surge sua deslumbrante riqueza.

Covil ilumina o mundo com luminárias acesas na medula dos explorados.
Nos monumentos dos grandes homens de Covil figuram os números exactos das suas hecatombes.
Covil tem academias onde se demonstram as subtilezas alcançáveis com o ócio pago pelos consumidos por esgotamento.
Em todas as suas escolas ensina-se o extermínio e a destruição em todas as suas universidades.
Não é que Covil seja sublime, mas destrói toda obra humana que possa empaná-la.
Sua sabedoria é sinónima de botim e sua filosofia um eufemismo do latrocínio.
Covil é capital da moda e as elegantes disputam entre si os exclusivos modelos de pele humana bronzeada.
Muito filosofa Covil sobre como aperfeiçoar e dissimular os silogismos do saqueio.
Os deliciosos vinhos de Covil têm poços de sangue.
Causam assombro as catedrais de Covil, onde comparecem os fiéis a serem devorados.
Véus subtis tecem os artistas de Covil para atenuar o clamor dos sacrificados.

O mais supremo êxito de Covil é provar que todo humanismo se alimenta devorando humanos.
Após cada assalto de Covil proliferam sicofantas empenhados em demonstrar que o único desejo das vítimas era serem assaltadas.
Tantas mortes quanto provocou Covil financiam o laboratório onde se prepara a Morte Absoluta de tudo.
Covil devora o mundo e seus habitantes devoram-se entre si até que nada reste.

Extraído de: http://resistir.info/libia/neolingua_03out11.html
Do Original: http://luisbrittogarcia.blogspot.com/2011/10/neolingua.html

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

MUAMAR KADAFI (1942-2011)

Não tenho subsídios para analisar com propriedade o papel geopolítico de Muamar Kadafi, assassinado ontem pelos rebeldes líbios. Tampouco tenho capacidade para entender o que representará a sua morte. Ignoro também qual seja o legado do seu "Livro Verde", de seu apreço por Nasser, pela idéia de uma república pan-arábica, de suas ações terroristas e de sua final aproximação com os líderes ocidentais. Comodamente, com a bunda gorda numa cadeira confortável, passo essa tarefa ao julgamento da história.
Não sem me sentir impotente, profundamente impressionado com as imagens de sua execução. Nem sei se devia exibir o vídeo, há recursos de linguagem muito mais elegantes, mas isso não sai da minha cabeça, e por mais abjeto que seja, faz parte do que estou expressando.



Muita coisa interessante já foi escrito. Na Carta Maior, no artigo de Mauro Santayana para o JB (que traz na conclusão um veredito semelhante ao meu). E principalmente no relato de Georges Bourdokan. Me espanta que a morte de Kadafi esteja sendo mais repercutida que a do Bin Laden, como se tal comparação pudesse romper as barreiras do absurdo e adentrar à sociedade do espetáculo diretamente nas manchetes da TV ou nas primeiras páginas dos jornais.
Um detalhe na biografia de Kadafi me chama a atenção. Ele liderou a revolução dos coronéis (patentes mais baixas) que derrubou a monarquia líbia com 27 anos, em 1969!
Já esse ano duas frases ficaram marcadas para mim: "Eles querem que eu renuncie, vou renunciar do quê? Sou o líder da revolução, Muamar Kadhafi não tem nenhum posto oficial ao qual renunciar. Ele é o líder da revolução para sempre."
E por fim, a máxima que ele cumpriu integralmente: "Lutarei até a última gota de meu sangue." Pelo quê, a história se encarregará de responder.





Atualizando
22/10/11 00:29
Achei outro texto que reflete perfeitamente meu espanto nas Crônicas do Motta. Recomendo a visita, pois as imagens iniciais são impactantes, além de se encaixarem na prosa.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O PIG E AS GREVES

Estamos num país que ainda convive com a escravidão. A grande imprensa serve apenas para veicular os interesses das classes dominantes. Por isso, é necessário que se esclareça o que está acontecendo com os trabalhadores dos correios e bancários:







1.º Greve já foi crime, motivo de prisão, tortura e morte. Hoje, está na Constituição. Antes, as paralisações eram resolvidas pela lei do mais forte: ou os trabalhadores retornavam humilhados, nas mesmas ou em piores condições, por medo de demissão, represálias e da violência patronal e policial, ou os proprietários atendiam total ou parcialmente as reivindicações para evitar prejuízos.

2.º A Constituição, em seu artigo 9.º, preceitua: "É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender". Para regulamentar o direito constitucional, surge a lei 7.783, em 28/06/89, que determina até o conceito jurídico de greve: "suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador".

3.º Mas como no Brasil as categorias profissionais não estão organizadas, a estrutura sindical é pífia, a ameaça do desemprego é constante e a maioria da população ainda acredita no modelo de capitalismo excludente e elitista, que dá sinais no mundo inteiro de sua falência, fazer greve é quase um sinônimo de privilégio. Temos gente passando fome, abaixo da linha da pobreza, não somos capazes de erradicar o analfabetismo, o trabalho infantil, a desnutrição. Nesse cenário, clamar por melhores condições de trabalho, redução da jornada ou aumento salarial soa como luxo inimaginável ao povão.

4.º Essa visão é sempre reforçada pelo PIG, que faz questão de omitir vários movimentos, e quando traz o assunto, é para questionar sua legitimidade, ou apresentar os grevistas como vilões contra a população que utiliza os serviços. Até os bombeiros foram tachados de arruaceiros. Os banqueiros são sacralmente preservados. O fato da FENABAN não apresentar sequer uma contraposta desde 27/09 é ignorado. A notícia de que a justiça determinou o fim da greve dos correios é dada com uma mistura de alívio e triunfo com um quê de vingança visto que a classe vai ter seus dias descontados, como se estivessem de férias, na infeliz fala da ministra.



5.º Mesmo nos blogs tidos como progressistas, uma olhada nos comentários dá mostras do caráter mesquinho daqueles que não estão diretamente envolvidos. Tirar o cidadão daquela zona de conforto de "consumidor" justifica posições retrógradas, assustadoras. O "Farinha pouca, meu pirão primeiro" está arraigado por aí, esperando a chance de reaparecer. Solidariedade entre trabalhadores é um valor corroído no tecido social em que a competição é a mola mestra para sobrevivência. Apenas corroído, quando não ridicularizado.

6.º A greve não é culpa dos empregados! É a última alternativa que resta quando a negociação para o acordo ou convenção coletiva de trabalho não tem êxito. Outro capricho, perto dos milhões que vivem na informalidade trabalhista. Mas nem tudo está perdido. Igor Felippe sintetizou com rara felicidade como se dá a cobertura da greve dos bancários pelo PIG:

As matérias da imprensa conseguiram me esclarecer que grandes problemas do nosso país são causados pela greve dos bancários.

Idosos que não recebem o INSS, homens que não pagam a pensão e podem ser presos, lojas cheias de dinheiro a mercê da criminalidade, famílias que não conseguem pagar suas contas…

Interessante que, pela cobertura, o lucro dos seis maiores bancos do Brasil, em torno de 46 bilhões de reais em 2010, não causa problema nenhum.

Será que a intransigência em aceitar as reivindicações dos trabalhadores bancários não coloca nos bancos (que coincidentemente formam o setor econômico que mais lucrou e lucra com o atual modelo econômico por mais de 15 anos) alguma responsabilidade pela situação?

terça-feira, 11 de outubro de 2011

TRILHA SONORA ANTIPIG - VI

Há 15 anos, Renato Russo morria.
Sem maior estardalhaço.
Eu tinha certa implicância com ele, e com a banda, por serem excessivamente "midiáticos". Via a fabricação de personagens cult sem lastro para tanto. Em perspectiva, e em principalmente em comparação com o que veio depois, vejo que estava no mínimo exagerando, para não dizer que estava errado.
Duas posições antagônicas me deixavam em conflito.
A primeira é que frente a minha postura adolescente, um rebelde, heavy, cabeludo, fã de músicos virtuosos e de guitar shredders, Legião Urbana representava o ápice da babaquice poseur. E como tinham o apoio da massa, falar mal deles reforçava minha natureza contestatória.
Mas, no conforto do lar, ou melhor, de um Gol 91, com meu irmão e minha mãe, que nos conduziu várias vezes pelas estradas que ligam Goiás a São Paulo, cantarolava feliz da vida Legião Urbana. O coro era sempre presente. Começávamos nos Beatles. An passant, um pouco de The Guess Who, Creendence... Eu tentava inserir algumas baladas tipo One ou Fade to Black, mas em nome do consenso partíamos para Legião. Cantávamos em nome da paz. Do Roadstar saíam os clássicos compilados no "Música para acampamento", que por sua vez estavam pirateados numa fita K-7 vendida em postos de gasosa na beira da rodovia.
Tenho saudades.
Tanto da adolescência mal resolvida quando das infinitas horas viajando com minha família.
Não tenho mais o tempo que passou.

sábado, 8 de outubro de 2011

domingo, 2 de outubro de 2011

ESTADO VS. POVO

Longe de ser uma manifestação anárquica, ou de adolescência tardia, apenas reafirmamos o conceito do Estado instrumental. Uma arma, na mão de quem a controla. Desnecessárias maiores explicações sobre qual classe a empunha.

CRIMES BEM ACEITOS
por Jânio de Freitas

Se as práticas de repressão contra greves usam de violência desumana e criminosa, no Estado de Direito devem ser tratadas como tais

O ressurgimento das greves e outras manifestações reivindicatórias traz também de volta a vulgarização de uma prática inadmissível no Estado de Direito: a violência da repressão policial, executada com características criminosas. E impune, portanto. Mais ainda: como representação do Estado. Logo, Estado policial.
A ferocidade descarregada pela polícia do Ceará contra professores que pretendiam acompanhar, na Assembleia Legislativa, uma votação do seu interesse, não deveu nada, no propósito e na violência armada contra indefesos, à sanha da polícia, da soldadesca e de seus chefetes na ditadura. Pessoas arrastadas pelos cabelos, espancadas, chutadas no chão, feridas -cenas assim voltam a repetir-se com frequência. E não suscitam, da parte dos meios de comunicação em geral, mais do que registros banais, quando existem. Da sociedade, organizada ou dispersa, apenas a indiferença abobalhada.
A tucanice já debitou a Dilma Rousseff o ressurgimento e as próprias greves. Mas só a dos Correios é federal, as várias outras são estaduais. Dessa divisão decorre um reflexo agravante. As vítimas costumeiras da repressão criminosa são grevistas e manifestantes de atividades estaduais ou municipais.
A menos que se excedam muito, servidores federais são mais poupados pelos governantes regionais para evitar problema com o governo central. É uma prova a mais do comprometimento desses governantes com a violência criminosa de suas polícias.
A desculpa é sempre a mesma: os grevistas ou manifestantes iniciaram o conflito. Os uniformes e equipamentos atuais das PMs, porém, estão aptos a suportar ilesos e a reprimir sem violência criminosa o que civis desarmados, e expostos na indumentária singela, podem fazer.
A repressão que extravasa perversidade é criminosa. Não pode representar o Estado de Direito, pela simples e forte razão de que o trai. Nega-o. A sempre citada necessidade de formar policiais avessos à corrupção e ao bandidismo é um problema funcional. Há também, no entanto, o problema nunca citado e maior do que qualquer outro, porque na raiz de todos: o problema institucional da falta de civilidade das polícias. Carência básica da seleção, formação e atividade dos policiais.
Carência equivalente existe fora das polícias e em relação a seus métodos: se as práticas de repressão usam de violência perversa, desumana, criminosa, no Estado de Direito devem ser tratadas como tais. Sob leis condenatórias com peso idêntico ao aplicado a civis e até, às vezes, a crimes de policiais fora de serviço.
O "excesso", como dizem, só é excesso em regime policialesco. No Estado de Direito é crime, e ao processo respectivo devem submeter-se os acusados de praticá-lo e de autorizá-lo. Então, estará dado um passo para a democracia.