quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O FIM DA POLÍTICA

A manchete abaixo provocou uma interrupção na longa hibernação do blog

HONDURAS PRIVATIZA TRÊS CIDADES

No afã de provar a notícia, imediatamente fui tomado pela desconfiança de que se tratava de mais um daqueles hoaxes que nos ameaçam colar as pálpebras, roubar os rins, raspar a pele do rosto com ancinho, ou mais macabro e próximo, tornar a Amazônia uma área internacional...

Não, não me parece ser pegadinha, haja vista o número sites que repercutem a manchete.

Que se desmascarem os objetivos antes da maquiagem midiática! Um novo tipo de potentado, sem dívida, sem problemas, sem políticos! Sem prestar contas do dinheiro que arrancar às pessoas, sem compromisso com a vida, com a humanidade...

Obviamente não é criação nativa: seria avançado demais para a elite hondurenha*. Assim como a Guatemala foi usada como cobaia para injeção de doses concentradas das bactérias causadora da sífilis nos olhos, no sistema nervoso central e nos genitais dos pacientes**, Honduras funciona como laboratório de testes para a mais nefasta teoria política jamais concebida. Trata-se de um protótipo a ser testado e replicado globalmente, onde e como for interessante.

Da Grécia, ouvimos ecos semelhantes, com a privatização de ilhas para saldar a insolvência bancária do país. Depois de ofertar parte do território, receberam do Banco Central Europeu a “carta a Atenas”, que apesar do nome lembrar uma epístola paulina, se parece mais com um saco de maldades. Em breve, especialistas e analistas da Globo e quejandos exaltarão este "novo modelo que responde às necessidades do mundo contemporâneo".

Tirante o susto inicial, o sentimento foi de consternação. Todo acúmulo da experiência política que a humanidade assomou, reduz-se à lei inexorável do capitalismo: põe preço! As primeiras comunidades, o reino de Israel, o Egito, A Pólis grega, a Civitas romana, o feudo, o burgo, o Estado, o socialismo, a sociedade sem classes da ideologia comunista tornaram-se pó, reminiscências históricas de desajustados sociais que se comportam como ratos de livro.

O problema é que o pensar como manifestação humanizada da existência é contrário à natureza do mercado; em outros termos, quem pensa não é competitivo - para lembrar da quarta palavra que a Dilma agregou ao sustentáculo teórico do seu governo. Para o capitalismo, se você não questionar, tanto melhor. Nunca as idéias foram tão inofensivas como agora. Há 40 ou 50 anos, ainda faziam barulho, mas hoje o som da TV transmitindo novelas, futebol e celebridades encobre qualquer uma que se possa ter.

Vivemos a ressaca das estripulias financeiras de meia dúzia de yuppies vestindo ternos bem cortados e freqüentadores das rodas mais exclusivas do mundo. Peraltices só parecidas com aquelas da década de 1920, mas, naquele tempo, a lambança dos senhores da banca produziram reações com alcance mundial tanto à esquerda quanto à direita; hoje, não passam de notas de 5 minutos no JN e, se tanto, mesas redondas dentro dos departamentos de ciências humanas das universidades públicas.

E como a vida imita a arte, ou parafraseando Marx, a história acontece como tragédia e se repete como farsa, essa proposição remete ao filme Robocop (1987), uma distopia onde Detroit é controlada por uma corporação hegemônica (OCP) a quem interessa apenas a perpetuação do poder, ainda que a vida dos homens tenha se tornado miserável e as máquinas determinem quem continua ou não respirando. No tema das distopias, desde os fundamentais Orwell e Huxley se prevê a morte do espírito, a humanidade bovinamente resignada. O “engano”*** deles foi imaginar motivações políticas, quando na verdade, tudo se faz e se fará em nome do atual deus do mundo: dinheiro, dinheiro, dinheiro!

O máximo que se formula nos dias de hoje é uma estanha utopia, o misticismo consorciado com a informática, a ideologia californiana de Silicon Valley, a terra prometida onde teríamos uma estapafúrdia combinação do mais alto grau de robotização das máquinas com a vida rústica e frugal, alta tecnologia industrial com comuna tribal - de cidadãos/usuários vestidos de camurça indo para a colheita depois de checar no notebook em tempo real a cotação dos derivativos da Nasdaq.

A ironia/estupidez dessa tecno-utopia reside na sua absoluta despolitização e/ou alto grau de ingenuidade.

No caso dos gregos, sempre perguntei o seguinte: quando todos estavam reunidos em hasta pública deliberando sobre os assuntos da cidade, quem limpava as latrinas? No caso atual, fica claro que o hardware para toda essa revolução software (a criação de uma espécie de Woodstock cibernética) seria montado em placas e chips da IBM, circularia através das linhas telefônicas da AT&T, Telefónica, e dependeria dos lançamentos espaciais do Pentágono, fazendo orbitar satélites de comunicações fabricados pela Westinghouse, entre um míssil teleguiado e um reator nuclear (esclarecendo: a Westinghouse é uma dos maiores fabricantes de armamentos do mundo e a maior fornecedora da USArmy).

Dias atrás, li uma notícia de que uma mãe na Índia vendera três filhas por 6 dólares, ou euros, ou rúpias, ou qualquer dinheiro. Resta a premonição de que nossa geração, senão como indivíduo, como espécie, ainda verá a volta da escravidão.


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* É bom lembrar que o limite dessa burguesia provincial foi aplicar um golpe de Estado, substituindo o presidente eleito Manuel Zelaya por uma junta diretiva que hoje patrocina a atrocidade. Golpe com anuência de quase todo mundo civilizado (excetua-se o Brasil).

** A macabra experiência norte-americana com pelo menos 1.300 pessoas guatemaltecas veio à tona em meados de 2011. No mínimo, 83 pessoas morreram. É comparável às experiências nazistas nos campos de concentração. Não se ouviu grande alarde, mas a notícia existiu, conforme link:
http://www1.folha.uol.com.br/bbc/968965-medico-compara-testes-medicos-dos-eua-na-guatemala-aos-do-nazismo.shtml

*** Só é válido se falar em engano se lermos os livros escritos em 1931 e 1948 com os olhos atuais. À época, de fato, o poder econômico não se sobrepunha de forma tão drástica ao poder político. De antanho ao porvir, a cultura monetária se estabeleceu de forma totalitária no mundo. E a ameaça que representou um dia o poder político se converteu em esperança ante o capital.

Agradeço ao Márcio, que instigou a realização do artigo me encaminhando a notícia. E também ao meu pai, Rogério, Patrick e meu tio Cleison que deram valiosas contribuições.