sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

MAR DE LAMA: SOBREVIVEMOS!


Depois da mais sombria ofensiva do capital midiático, os primeiros contra-golpes foram desferidos.



Alguns imaginavam que, de tão ferido, o nocaute ao PT (e claro, a Lula) era iminente. Que perdera as forças para reagir. Não contavam com o instinto político do ex-torneiro mecânico, que mais uma vez, quando a direita já se insuflava, volta ao centro da arena política, tomando a iniciativa da luta em irresistível recuperação.

Irônica a expressão “Mar de Lama”: usada e abusada em insignificâncias, só adquire só real acepção quando grasnada pelos corvos da imprensa contra os governos de sustentação popular, no caso, Getúlio e Lula.

As duas personalidades acima citadas, com a dubiedade peculiar aos grandes líderes, se puseram a favor das classes trabalhadoras. Concomitante ao apoio popular que granjearam, tiveram que conviver com a fúria de uma elite mesquinha, não acostumada a dividir sequer as migalhas, e com o tacanho ideário da farinha pouca, meu pirão primeiro. Apesar do espírito amalgamado no povo, a diferença é que o gaúcho era egresso de linhagem tradicional, conquanto o nordestino encarna também na pele o sofrido povo que penou na mão dos senhores que comandaram esse país por 500 anos. Como ele mesmo disse: "Não estou acostumado a ter medo. Durante toda minha vida vivi em crise. Sou de uma terra em que se até 5 anos de idade você não morreu de fome, é um milagre".

Primeiro, li Saul Leblon* descrever uma tática da combater a blitz inimiga: de um lado, os movimentos sociais apartados/cooptados despertarem da letargia burocrática em que se encontram e refletirem sobre a possibilidade – e proximidade – do golpe; de outro, o governo despir-se do economicismo exacerbado, bem como do “alucinado menosprezo ao engajamento político”. Essa contradição no modo petista de governar o país foi avaliada pelo Azenha como um misto de desesperoe comodismo. Não se completa a inclusão cidadã apenas através do consumo.

Mas quem realmente levantou a moral das tropas foi o próprio comandante em chefe. O ponto de inflexão nos rumos da contenda, o corte epistemológico dessa espiral denuncista começou lá em Paris: não comentando as mentiras, Lula deu a entender que retomará ascaravanas da cidadania, travando contato direto com a sua terra e o seu povo, num recinto onde jamais os barões da imprensa puseram os pés.

Sem contar que FHC, recolhido ao ostracismo de sua pequenez política, de onde destila ressentimento, quase cortou os pulsos ao saber que Lula estava escrevendo o capítulo mais importante da história do século XXI: a ruptura do consenso de Washington, o novo rumo da governança em escala planetária, onde a globalização deixa de servir ao rentismo e o respeito à autodeterminação dos povos, sem intermediários, permita a cada país realizar o modelo de sociedade que escolheu.



Enquanto o isso, o PIG chafurdava requentando o falso testemunho de um trambiqueiro rastaquera. Como diria Nassif, um paradoxo da história. Ao qual sobrevivemos, apesar de tudo.

*  tenho certeza que é o alter-ego do Flávio Aguiar

domingo, 9 de dezembro de 2012

REFLEXÕES DEZEMBRINAS

-->
Dezembro é o mês dos balanços, das retrospectivas, do meu aniversário e dos planos para o ano seguinte. Este dezembro está vazios de planos, pois o mundo talvez acabe dia 21 – planejar o quê?

Sem saber o que farei (se é que farei) o ano que vem, escreverei sobre o que tenho visto acontecer. Rodrigo Vianna apresentou uma tese interessante sobre a estratégia da oposição: o fatiamento.

Mais que nunca, está claro que a oposição é a Globo. Por tabela, a Abril e a Folha. E por uma quimérica necessidade institucional, os instrumentos são os partidos de direita. O fato do candidato ser o Aécio não significa que o PSDB sepultou o Serra, e sim que a Globo tem pressa em colocar os lutadores no octágono. Mostrar para o espectador em quem ele deve votar, depois de esculachar pela milésima vez o PT e Lula.

Primeiro, destruíram o patrimônio ético e moral que restava ao PT. Virou viral tachar o petista, seja o militante, seja o carreirista, de quadrilheiro, mensaleiro e o escambau. Agora, de novo as canhoeiras estão direcionadas ao Lula. Quem disser que a luta de classes acabounão é capaz de fixar a atenção no ódio visceral que as elites deste país têm do sapo barbudo. Depois de tentarem imputá-lo o mensalão, colarem-lhe o rótulo de apedeuta, a bola da vez é a acusação de adúltero, favorecendo sua teúda e manteúda com as benesses de um cargo público onde o tráfico de influências rolava solto. Abatido o batráquio, a terceira e derradeira etapa é o ataque massivo à gerente Dilma.

Bom, esse é o plano da oposição. Me admira muito quantas linhas a imprensa progressista gasta comentando os rumos que a oposição deva ou não tomar. Levar o Aécio mais para o centro, se aproximar do PSB, reconhecer os avanços do lulismo na assistência aos pobres, isso e aquilo. Sem delongas, quero que a oposição se foda. Acho ótimo quando os colonistas* do PIG explicitam seus pensamentos obtusos. Quando o mundo inteiro (e aqui não apenas uma figura de linguagem –é o coletivo de todos os outros países da terra) reconhece os avanços sociais do Brasil nos governos petistas e a nova posição de player (anglicismo ridículo, desculpem) internacional e eles teimam em retorcer a verdade sem disfarçar o complexo de vira-latas. Quando a insignificante oposição parlamentar berra contra o povo, contra o bolsa família, contra as cotas. Quando publicam fotomontagens grosseiras ou fichas falsas do DOPS. Quando são incapazes de homenagear gênios universais como Hobsbawn ou Niemeyer.

Um parêntese. Não queria fazer do texto um obituário, mas foi um ano de duríssimas perdas. Mais um. Niemeyer, meio gênio, e a outra metade milagre, prodígio, fenômeno, maravilha e portento, respondeu premonitório ainda em vida: “Nunca me calei. Nunca escondi minha posição de comunista. Os mais compreensíveis que me convocam como arquiteto sabem da minha posição ideológica. Pensam que sou um equivocado e eu penso a mesma coisa deles. Não permito que ideologia nenhuma interfira em minhas amizades.” Lógico a figura que o desacatou nas exéquias não tem envergadura para compartilhar da amizade de alguém para quem esse sentimento tinha tanto significado. Fecha parêntese.

Voltando ao argumento do Rodrigo Vianna, a fragmentação é a forma mais fácil de compreender a totalidade. A ciência atua assim. Raciocinar sobre frações da realidade é mais simples do que as conjecturas que levam em conta infinitas variáveis. Sobre o PT mesmo, tenho me sentido dividido. Me iludi com o garantismo constitucional que aprendi na faculdade e o arrivismo do Paulo Henrique Amorim e do Mino Carta (“quero ver o supremo condenar o Dirceu sem provas”; “o mensalão ainda está por provar-se”). Uma percepção semelhante à de 2003/2004, quando as ilusões sobre a chegada de “um áureo tempo de justiça” ruíam sob Palocci, Meirelles, o próprio Dirceu e a governabilidade.

Fragmentando, em qual PT votar? O que respeita e fortalece instituições como a Polícia Federal e o Ministério Público ou o que reclama de ser condenado por fazer caixa dois, como de resto, os partidos de direita fazem?

O que denuncia o PIG, como Fernando Ferro, o que propõe com Franklin Martins um novo marco regulatório da comunicações ou o que banca com subvenções públicas via SECOM o golpe da Globo e se cala?

O que pede indiciamento do Carlinhos Cachoeira e expõe a ferida de sua ligação com a Veja – e via de consequência, a Globo – ou o que rasteja por uma entrevista nas páginas amarelas do detrito sólido de maré baixa? Ou o que barganha a pizza na CPI em troca do silêncio sabe se lá em qual falcatrua? Ou o que consta nos caderninhos de pagamento do bicheiro, como Raul Filho e Rubens Otoni?

Mino Carta e Ronaldo Kotscho clamam por postura do partido. A inação permite interpretações dúbias, e quem está entrincheirado defendendo o modelo trabalhista de governo é apedrejado como um bandido de vilarejo. Legal que os dois, com toda vivência que têm ainda acreditem no papel no jornalista como agente de transformação social. Mesmo depois do paparazzi de Nova York que fotografou um homem sendo atropelado pelo metrô sem oferecer ajuda, ou o caso da enfermeira inglesa que recebeu o trote de uma rádio acerca da princesa Kate e, não suportando a humilhação, se suicidou.

A imprensa de uma maneira geral precisaria rever seu espaço no mundo. Mas não fará isso, pois não pode pular sobre sua própria sombra. No máximo, veremos a Globo estrebuchar contra a Argentina colocar o Clarín no seu devido lugar. Nós teremos que fazer. Não há mais necessidade de intermediários. A crise na comunicação em tempos de informação em tempo real é análoga à desconfiança sobre os representantes de Deus na terra – sejam lá de que religião forem – diante dos avanços da ciência que desmistificam a vida.

De minha parte, penso que a realidade se tornou complexa demais para fragmentações. A oposição encaminhará seu golpe com o estratagema confundir para conquistar, caro aos colonialistas. Dividir para conquistar não é um lema inovador, como aliás é a superada oposição brasileira.




Poderia escrever sobre a transformação do significado do natal. Mas aí seriam maus agouros em demasia para, com cinismo, desejar boas festas.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O FIM DA POLÍTICA

A manchete abaixo provocou uma interrupção na longa hibernação do blog

HONDURAS PRIVATIZA TRÊS CIDADES

No afã de provar a notícia, imediatamente fui tomado pela desconfiança de que se tratava de mais um daqueles hoaxes que nos ameaçam colar as pálpebras, roubar os rins, raspar a pele do rosto com ancinho, ou mais macabro e próximo, tornar a Amazônia uma área internacional...

Não, não me parece ser pegadinha, haja vista o número sites que repercutem a manchete.

Que se desmascarem os objetivos antes da maquiagem midiática! Um novo tipo de potentado, sem dívida, sem problemas, sem políticos! Sem prestar contas do dinheiro que arrancar às pessoas, sem compromisso com a vida, com a humanidade...

Obviamente não é criação nativa: seria avançado demais para a elite hondurenha*. Assim como a Guatemala foi usada como cobaia para injeção de doses concentradas das bactérias causadora da sífilis nos olhos, no sistema nervoso central e nos genitais dos pacientes**, Honduras funciona como laboratório de testes para a mais nefasta teoria política jamais concebida. Trata-se de um protótipo a ser testado e replicado globalmente, onde e como for interessante.

Da Grécia, ouvimos ecos semelhantes, com a privatização de ilhas para saldar a insolvência bancária do país. Depois de ofertar parte do território, receberam do Banco Central Europeu a “carta a Atenas”, que apesar do nome lembrar uma epístola paulina, se parece mais com um saco de maldades. Em breve, especialistas e analistas da Globo e quejandos exaltarão este "novo modelo que responde às necessidades do mundo contemporâneo".

Tirante o susto inicial, o sentimento foi de consternação. Todo acúmulo da experiência política que a humanidade assomou, reduz-se à lei inexorável do capitalismo: põe preço! As primeiras comunidades, o reino de Israel, o Egito, A Pólis grega, a Civitas romana, o feudo, o burgo, o Estado, o socialismo, a sociedade sem classes da ideologia comunista tornaram-se pó, reminiscências históricas de desajustados sociais que se comportam como ratos de livro.

O problema é que o pensar como manifestação humanizada da existência é contrário à natureza do mercado; em outros termos, quem pensa não é competitivo - para lembrar da quarta palavra que a Dilma agregou ao sustentáculo teórico do seu governo. Para o capitalismo, se você não questionar, tanto melhor. Nunca as idéias foram tão inofensivas como agora. Há 40 ou 50 anos, ainda faziam barulho, mas hoje o som da TV transmitindo novelas, futebol e celebridades encobre qualquer uma que se possa ter.

Vivemos a ressaca das estripulias financeiras de meia dúzia de yuppies vestindo ternos bem cortados e freqüentadores das rodas mais exclusivas do mundo. Peraltices só parecidas com aquelas da década de 1920, mas, naquele tempo, a lambança dos senhores da banca produziram reações com alcance mundial tanto à esquerda quanto à direita; hoje, não passam de notas de 5 minutos no JN e, se tanto, mesas redondas dentro dos departamentos de ciências humanas das universidades públicas.

E como a vida imita a arte, ou parafraseando Marx, a história acontece como tragédia e se repete como farsa, essa proposição remete ao filme Robocop (1987), uma distopia onde Detroit é controlada por uma corporação hegemônica (OCP) a quem interessa apenas a perpetuação do poder, ainda que a vida dos homens tenha se tornado miserável e as máquinas determinem quem continua ou não respirando. No tema das distopias, desde os fundamentais Orwell e Huxley se prevê a morte do espírito, a humanidade bovinamente resignada. O “engano”*** deles foi imaginar motivações políticas, quando na verdade, tudo se faz e se fará em nome do atual deus do mundo: dinheiro, dinheiro, dinheiro!

O máximo que se formula nos dias de hoje é uma estanha utopia, o misticismo consorciado com a informática, a ideologia californiana de Silicon Valley, a terra prometida onde teríamos uma estapafúrdia combinação do mais alto grau de robotização das máquinas com a vida rústica e frugal, alta tecnologia industrial com comuna tribal - de cidadãos/usuários vestidos de camurça indo para a colheita depois de checar no notebook em tempo real a cotação dos derivativos da Nasdaq.

A ironia/estupidez dessa tecno-utopia reside na sua absoluta despolitização e/ou alto grau de ingenuidade.

No caso dos gregos, sempre perguntei o seguinte: quando todos estavam reunidos em hasta pública deliberando sobre os assuntos da cidade, quem limpava as latrinas? No caso atual, fica claro que o hardware para toda essa revolução software (a criação de uma espécie de Woodstock cibernética) seria montado em placas e chips da IBM, circularia através das linhas telefônicas da AT&T, Telefónica, e dependeria dos lançamentos espaciais do Pentágono, fazendo orbitar satélites de comunicações fabricados pela Westinghouse, entre um míssil teleguiado e um reator nuclear (esclarecendo: a Westinghouse é uma dos maiores fabricantes de armamentos do mundo e a maior fornecedora da USArmy).

Dias atrás, li uma notícia de que uma mãe na Índia vendera três filhas por 6 dólares, ou euros, ou rúpias, ou qualquer dinheiro. Resta a premonição de que nossa geração, senão como indivíduo, como espécie, ainda verá a volta da escravidão.


--


* É bom lembrar que o limite dessa burguesia provincial foi aplicar um golpe de Estado, substituindo o presidente eleito Manuel Zelaya por uma junta diretiva que hoje patrocina a atrocidade. Golpe com anuência de quase todo mundo civilizado (excetua-se o Brasil).

** A macabra experiência norte-americana com pelo menos 1.300 pessoas guatemaltecas veio à tona em meados de 2011. No mínimo, 83 pessoas morreram. É comparável às experiências nazistas nos campos de concentração. Não se ouviu grande alarde, mas a notícia existiu, conforme link:
http://www1.folha.uol.com.br/bbc/968965-medico-compara-testes-medicos-dos-eua-na-guatemala-aos-do-nazismo.shtml

*** Só é válido se falar em engano se lermos os livros escritos em 1931 e 1948 com os olhos atuais. À época, de fato, o poder econômico não se sobrepunha de forma tão drástica ao poder político. De antanho ao porvir, a cultura monetária se estabeleceu de forma totalitária no mundo. E a ameaça que representou um dia o poder político se converteu em esperança ante o capital.

Agradeço ao Márcio, que instigou a realização do artigo me encaminhando a notícia. E também ao meu pai, Rogério, Patrick e meu tio Cleison que deram valiosas contribuições.