quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

As relações ambíguas do governo com a mídia

Enquanto seus apoiadores acusam a mídia de ser golpista, governo prestigia e destina farta publicidade aos grandes meios de comunicação. Uma única edição de Veja teria recebido cerca de R$ 1,5 milhão em anúncios oficiais. É preciso regular e democratizar as comunicações. Mas também é necessário deixar mais claro os interesses de cada setor nessa disputa

No espaço de pouco menos de dois meses, dois ministros do governo Dilma foram fulminados por denúncias de atividades obscuras. Os demitidos foram os titulares do Esporte, Orlando Silva, e do Trabalho, Carlos Lupi. Os ataques partiram da grande imprensa, mais exatamente da revista Veja e dos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Logo as matérias ganhariam o espaço avassalador das telas de TV, com destaque para o Jornal Nacional, da Rede Globo. No mesmo período, mas dois membros do primeiro escalão entraram na linha de tiro da mídia. São eles Mario Negromonte (Cidades) e Fernando Pimentel (Desenvolvimento).

Aliados do governo tentaram desqualificar não apenas as denúncias, mas os veiculos que as difundem. Volta o debate de que estaríamos diante de uma mídia golpista, que não se conforma com a mudança de rumos operada no país desde 2003, que quer inviabilizar o governo etc. etc. Em parte têm razão.

A grande imprensa, por sua vez viciou-se em acusar todos os que discordam de seus métodos de clamarem pela volta da censura. Há muita fumaça e pouco fogo nisso tudo, mas faz parte do show. Disputa política é assim mesmo.

Maniqueísmo

É preciso colocar racionalidade no debate sobre os meios de comunicação no país, para que não deslizemos para maniqueísmos estéreis. Vamos antes enunciar um pressuposto.

A grande imprensa brasileira está concentrada em poucas mãos. Oito empresas – Globo, Bandeirantes, Record, SBT, Abril, Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Rede Brasil Sul (RBS) – produzem e distribuem a maior parte da informação consumida no Brasil.

As corporações existentes há cinco décadas – Globo, Estado, Folha e Abril – apoiaram abertamente o golpe de 1964. Até hoje não explicaram à sociedade brasileira como realizam a proeza de falar em democracia tendo este feito em sua história.

Entre todos os meios, a revista Veja se sobressai como o produto mais truculento e parcial da imprensa brasileira.

Sobre golpismo, é bom ser claro. As classes dominantes brasileiras não se pautam pelas boas maneiras na defesa de seus interesses. Sempre que precisaram, acabaram com o regime democrático. Usaram para isso, à farta, seus meios de comunicação.

A imprensa é golpista?

No entanto, até agora não se sabe ao certo porque esta mídia daria um golpe nos dias que correm. O sistema financeiro colhe aqui lucros exorbitantes. A reforma agrária emperrou. Grandes empresários possuem assento em postos proeminentes do Estado – caso de Jorge Gerdau Johannpeter – ou têm seus interesses mantidos intocados.

Algumas peças não se encaixam na acusação de golpismo da mídia. Voltemos à revista Veja. Os apoiadores do governo precisam explicar porque a administração pública forra a publicação com vultosas verbas publicitárias, além de sempre prestigiarem suas iniciativas. Vamos conferir, pois está tudo na internet.

Veja tem uma tiragem de 1.198.884 exemplares, auditados pelo IVC. Alega ter um total de 8.669.000 leitores. Por conta disso, os preços de seus espaços publicitários são os mais altos entre a imprensa escrita. Veicular um reclame em uma página determinada sai por R$ 330.460. Já em uma página indeterminada, a dolorosa fica por R$ 242.200.

Quem anuncia em Veja? Bancos, a indústria automobilística, gigantes da informática, monopólios do varejo e… o governo federal. Peguemos um exemplar recente para verificar isso.

Na edição de 12 de outubro – que noticiou a morte de Steve Jobs – havia cinco inserções do governo federal. Os anúncios eram do Banco do Brasil (página dupla), do BNDES, do Ministério da Justiça, da Agência Nacional de Saúde e da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Supondo-se que as propagandas não foram destinadas a páginas determinadas e que os preços de tabela foram efetivamente cobrados, teremos um total de R$ 1.525.200.

Exato: em uma semana apenas, o governo federal destinou R$ 1,5 milhão ao semanário dos Civita, a quem seus aliados chamam de “golpista”.

Prestígio político

Há também o prestígio político que o governo confere ao informativo. Prova disso foi o comparecimento maciço de ministros de Estado e parlamentares governistas à festa de quarenta anos de Veja, em setembro de 2008. Nas comemorações, estiveram presentes o então vice-presidente da República, José Alencar, o ex-presidente do BC, Henrique Meirelles, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, o ex-ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, o ministro da Educação, Fernando Haddad e a senadora Marta Suplicy (confiram em http://veja.abril.com.br/veja_40anos/40anos.html).

E entre julho de 2010 e julho de 2011, nada menos que seis integrantes dos altos escalões governamentais concederam entrevista às páginas amarelas da revista. São eles: Dilma Rousseff, Aldo Rebelo, Cândido Vaccarezza, Antonio Patriota, General Enzo Petri e Luciano Coutinho.

Nenhum demonstrou o desprendimento e a sensatez do assessor especial da presidência, Marco Aurélio Garcia (então presidente interino do PT). Ao ser convidado para conceder uma entrevista a Diogo Mainardi, em novembro de 2006, deu a seguinte resposta: “Sr. Diogo Mainardi, há alguns anos – da data não me lembro – o senhor dedicou-me uma coluna com fortes críticas. Minha resposta não foi publicada pela Veja, mas sim, a sua resposta à minha resposta, que, aliás, foi republicada em um de seus livros. Desde então decidi não falar com a sua revista. Seu sintomático compromisso em não cortar minhas declarações não é confiável. Meu infinito apreço pela liberdade de imprensa não vai ao ponto de conceder-lhe uma entrevista”.

RBS, Olívio e Lula

As relações ambíguas do governo e dos partidos da chamada base aliada com a grande mídia não se restringem à Veja.

Entraram para a história a campanha de denúncias e desgaste sistemático que os veículos da RBS moveram contra o governo de Olívio Dutra (1999-2003), do PT, no Rio Grande do Sul. Ataques sem provas, calúnias, mentiras e todo tipo de baixaria foi utilizada para inviabilizar uma gestão que buscou inverter prioridades administrativas. No auge dos ataques, em 2000, o jornal Zero Hora, do grupo, fez um ousado lance de marketing. Convidou Luís Inácio Lula da Silva para ser colunista regular. Até a campanha de 2002, o futuro presidente da República escreveu semanalmente no jornal, como se não tivesse relação com as ocorrências locais. Quando abriu mão da colaboração, Lula afirmou que o jornal prejudicava seu companheiro gaúcho. O jornal ganhou muito mais que o ex-metalúrgico nessa parceria. Ficou com a imagem de um veículo plural e tolerante.

No mesmo ano, o ex-Ministro José Dirceu foi entrevistado pelo Pasquim 21, jornal lançado pelo cartunista Ziraldo. Naqueles tempos, as empresas de mídia enfrentavam aguda crise, por terem se endividado em dólares nos anos 1990. Com a quebra do real no final da década, os débitos ficaram impagáveis. Lá pelas tantas, Dirceu afirmou que salvar a Globo seria uma “questão de segurança nacional”.

Comemorando juntos

As boas relações com a grande mídia se mantiveram ainda nas comemorações dos 90 anos da Folha de S. Paulo, em janeiro deste ano. Estiveram presentes à festa a presidente Dilma Rousseff – convidada de honra, que proferiu discurso recheado de elogios ao jornal – a senadora Marta Suplicy, colunista do mesmo, Candido Vaccarezza, líder do governo na Câmara, os ex-Ministros José Dirceu e Marcio Thomaz Bastos e o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho. A Folha também recebe farta publicidade governamental, do Banco do Brasil, da Petrobrás, da Caixa Econômica federal, entre outras.

Nos momentos de dificuldade, dirigentes do governo procuram sempre a grande imprensa para exporem suas idéias. Foi o caso de Antonio Pallocci, em 3 de junho último. Acossado por denúncias de enriquecimento ilícito, o ex-Chefe da Casa Civil convocou o Jornal Nacional, para dar suas explicações ao público.

O mesmo Antonio Palocci – colunista da Folha de S. Paulo entre 2009 e 2010 – dividiu mesas com Roberto Civita, Reinaldo Azevedo, Demetrio Magnoli, Arnaldo Jabor, Otavio Frias Filho e outros, em palestra no afamado Instituto Millenium, em março de 2010. A entidade congrega empresários do ramo e seus funcionários e se opõe a qualquer tipo de regulação em suas atividades.

Os casos de proximidade do governo e seus partidos com a imprensa são extensos. Uma das balizas dessas relações é o bolo da publicidade oficial. Segundo a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, a receita publicitária oficial em 2010 foi de R$ 1.628.920.472,60. Incluem-se aí os custos de produção e veiculação de campanhas, tanto da administração direta quanto indireta. Ressalte-se aqui um ponto: é legítimo o governo federal valer-se da publicidade para se comunicar com a população. A maior parte do bolo vai para os grandes grupos do setor.

No caso das compras de livros didáticos feitos pelo MEC, para as escolas públicas, o grande beneficiário é o Grupo Abril, que edita Veja.

Reclamação e democratização

Apesar do PT, partido do governo, ter feito uma moção sobre a democratização das comunicações em seu último Congresso, que gerou um seminário sobre o tema há poucas semanas, e do ex-ministro José Dirceu ter sido injustamente atacado recentemente pela Veja, é difícil saber exatamente que tipo de relação governo e partidos aliados desejam manter com os meios de comunicação. De um lado, como se vê, acusam a mídia de ser go lpista. De outro, lhe dão todo o apoio.

Alguns petistas se especializam também em utilizar o espaço da mídia para suas disputas palacianas. O jornalista Amaury Ribeiro Jr., por exemplo, em seu bombástico A privataria tucana, insinua claramente que o atual presidente do PT, Rui Falcão, teria vazado informações dos bastidores da campanha de Dilma Rousseff, no primeiro semestre de 2010, para nada menos que a revista Veja. Jornalista, Falcão é o mesmo que capitaneou o seminário petista sobre regulação dos meios de comunicação.

Pode ser que petistas e governantes tenham medo da mídia. Mas não se pode é ter um duplo comportamento no caso. Diante da opinião pública falam uma coisa, enquanto agem de forma distinta na prática.

O ex-presidente Lula reclamou muito da imprensa em seu último ano de mandato. No entanto, “Não houve qualquer alteração fundamental no quadro de concentração da propriedade da mídia no Brasil entre 2003 e 2010”. Essa constatação é feita pelo professor Venício Lima em brilhante artigo, publicado no final de 2010.

As resoluções da Conferência Nacional de Comunicação, realizada em 2009, mofam em algum escaninho do Ministério das Comunicações. O Plano Nacional de Banda Larga, que deveria fazer frente ao monopólio das operadoras privadas, acabou incorporando todas as demandas empresariais. O projeto de regulação da mídia elaborado pelo ex-ministro Franklin Martins desapareceu da agenda.

Por fim, vale uma nota. Temerosos com a chegada das gigantes da telefonia produzindo conteúdo televisivo e radiofônico para o mercado doméstico, os grupos Globo, Bandeirantes, Record e SBT fizeram intensa pressão pela aprovação da lei 12.485. O governo cedeu. A nova norma garante uma reserva de mercado para as velhas empresas de comunicação, embora as teles possam atuar da distribuição. O conjunto seguirá como um dos clubes mais fechados do mundo.

Como se pode ver, o governo e seus partidos de sustentação convivem muito bem com a mídia como ela é. Têm muita proximidade e pontos de contato, apesar de existirem vozes isoladas dentro deles, que não compactuam com a visão majoritária.

Nenhum dos lados tem moral para reclamar do outro…

*Gilberto Maringoni é jornalista, doutor em História pela FFLCH-USP e professor da Fundação Casper Líbero. É autor, entre outros, de Ângelo Agostini – A imprensa ilustrada da Corte à Capital Federal, 1864-1910 (Devir Livraria, 2011)

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

PARA APRENDER AINDA MAIS

Mais um papa do pensamento filosófico contemporâneo é desafiado: Norberto Bobbio.
Interessante outra idéia adjacente. O Liberalismo é um movimento limitado, cujo propósito era combate o poder teocrático e despótico de então, mas que se torna obsoleto desde a época de Hegel, por não oferecer soluções aos problemas inerentes à própria sociedade que constrói. Fundamentalmente, não há resposta para a questão da miséria a que esse sistema condenou boa parte da população.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

PARA APRENDER MAIS

Continuação da entrevista com Domenico Losurdo, parte 2.
Uma das coisa que eu mais gosto nele é o fato de se debruçar sobre a obra de um determinado autor para desmascarar as farsas que são repetidas ao longo da história. Aqui, por exemplo, ele refuta o argumento de que Hegel seja um idealista (a repetida frase: "Se as minhas idéias não se adaptam ao mundo, azar do mundo"). Bate com gosto em Karl Popper, um dos fundadores com Mont Pelerin Society, juntamente com Friedrich Hayek, Milton Friedman, Ludwig von Mises e outros, que disseminou a tese de que Hegel era um teórico da restauração.
Também joga luz nas interpretações metafísicas de Tocqueville, outro queridinho nos meios acadêmicos. Por hora, chega de papo e vamos ao vídeo.

sábado, 26 de novembro de 2011

PARA APRENDER

Uma vez, aqui nesse blog mesmo, disse que tinha um filósofo da história favorito. Entre o irônico e o ridículo, descobri que o meu filósofo da história favorito também tem um. Domenico Losurdo dedicou boa parte de seus estudos à compreensão dos escritos de G. W. F. Hegel.
Descobri também uma entrevista com Losurdo realizada por um brasileiro, Giulio Gerosa. A entrevista está dividida em 12 vídeos, cada um versando sobre uma indagação.
No total, pouco mais de uma hora. Que valem mais do que dias de leitura de jornal, anos de conversa fiada "acadêmica" ou mesmo décadas de informação televisiva. É uma aula com A maiúsculo, para quem se propõe a entender o mundo em que vivemos como conseqüência da história das idéias e das atitudes políticas.
Losurdo é instado a responder sobre questões que variam de temas universitários, como as idéias fetichistas de Nietzsche e Foucault, até à importância do comunismo nos dias atuais (ao que sai-se com uma resposta brilhante).
Losurdo é marxista, mas isso não o transforma em mais um hermético intérprete do alemão. Ao contrário, demonstra rara capacidade de relacionar teorias com as épocas correspondentes e extrair delas o "núcleo" perene que perpassa geração após geração. No caso dele, e no de quem lê e faz esse blog, o âmago do ideal é a emancipação e libertação da humanidade.

sábado, 12 de novembro de 2011

FALTA DE ASSUNTO


Honestamente, depois da notícia do câncer na laringe do ex-presidente Lula, nenhum dos fatos políticos que tomaram conta tanto do noticiário quanto da imprensa alternativa me chamou a atenção.
Um parêntese. Cada vez mais os blogs estão perdendo a pauta; melhor formulando, a grande imprensa traz notícias e nós a criticamos. Ainda em outros termos, proatividade e reatividade. Fecha parêntese.
Talvez seja só uma impressão minha. E das pessimistas. Mas essa confusão se dá perante o papel que os alternativos exerceram até hoje e qual exercerão daqui em diante em relação ao governo.
Sem a necessidade de carregar a borduna - Calma! Sei que essa necessidade ainda é gritante - pergunto aos que se julgam progressistas: foi para esse governo que lutamos? Como de costume, espero que a pergunta gere mais reflexões do que comentários.
Indo adiante na crise existencial, dado os rapapés para com FHC e os barões da mídia, começo a questionar a validade da expressão "PIG".
E o marco regulatório?
Ou ao menos uma similar Ley de Medios?
Por que a TV digital escolheu o padrão afeito à Rede Globo?
Qual o sentido do nome deste blog?
Acho que seria me rebaixar demais ir fuçar nas páginas do esterco cultural produzido pela Editora Abril, ou ligar a televisão e poluir o ambiente da minha casa para achar assunto e descer o cacete no PIG, uma vez que ele convive tão bem nos bastidores do poder com aqueles nos quais depositamos caminhões de esperança.

Não me isolei do mundo. Tampouco virei idealista. Ainda me sinto profundamente transtornado com o linchamento via satélite de Kadhafi. Poderia falar da reintrodução da Charia na Líbia, mas sobre isso já foi escrito.
Poderia falar sobre o colapso grego, mas tem uma cara de farsa, que aliás já denunciamos nas nossas modestas páginas que não vale mais outras linhas.
Sobre a questão uspiana não poderei contribuir com o debate, uma vez que não conheço o que se passa lá dentro. Eu e 99,99% da população, alijados desde sempre das fronteiras da Torre de Marfim que só se relaciona com a sociedade que a mantém em momentos cataclíticos como esses ou através da captação recursos privados para desvio das pesquisas que deveriam ser públicas.
Lógico que a maconha nesse caso é só uma cortina de fumaça.
(Que grande sacada! Como sou engraçado! A frase merece um parágrafo exclusivo).
Torço para que a conseqüência seja a abertura do diálogo com a sociedade. E que o tripé Ensino, Pesquisa e Extensão finalmente fique de pé, pois para ser franco tenho dificuldade de exemplificar que diabos é a tal extensão!

Sobre o ex-ministro Orlando Silva, também muita gente boa já escreveu o que devia e o caldo do assunto esgotou. De resto apenas o ridículo papel do PCdoB estrebuchando em hasta pública, como se fosse o guardião da moral e dos bons costumes. Orlando Silva é só mais uma das cobras criadas pela UJS, aliás uma gorda jibóia que presidiu a UNE de 95 a 97. Quem já militou no movimento estudantil, conhece bem o padrão ético e moral desses "camaradas". Gostei do texto publicado pelo PCB - o verdadeiro partidão - acerca da propaganda enganosa que manobrou verdadeira deformação histórica e marcou talvez o epílogo do partido de João Amazonas.
Era isso.

Atualizando
Três condicionantes
SE tivesse lido o Flávio Gomes antes de postar essa ode ao ranzinza, teria material para publicar.
Mas lembraram que aí sairíamos da política em sentido estrito e entraríamos no esporte.
SE tivesse incorporado esse assunto poderia falar da prorrogação do contrato do Neymar com o Santos e a colossal cara de bosta dos porcalistas esportivos que venderam ele um milhão de vezes. Não valem um link, mas vou deixar a elegante postura do presidente do Santos ante a enxurrada de boatos que teve que desmentir.
SE tivesse esperado uma hora a mais, poderia falar da renúncia do Berlusconi, algo a ser comemorado.
Como diria o caipira, SE minha mãe fosse homem, eu teria dois pais.

domingo, 30 de outubro de 2011

DEPOIS DA CANALHICE, O REMORSO

http://quemtemmedodademocracia.com/2011/10/30/cancer-de-lula-faz-folha-de-s-paulo-se-envergonhar-das-cobras-que-criou/

Seguindo dica da amiga Luciana Rocha, o QTMD? reproduz abaixo dois textos da Folha de S. Paulo. Estão envergonhados das pessoas que desejam a morte de Lula e que pedem que ele vá para o SUS. Não digo com isso que querer que Lula vá pro SUS seja querer sua morte, muito ao contrário. O INCA, que pertence ao SUS, é centro de referência no tratamento de câncer. Mas muitos brasileiros têm, de fato, expressado o desejo de ver Lula morto. E, ao que parece, isso está envergonhando até a Folha. Mas quem alimenta cobras, o que pode esperar senão veneno?

SOB ANONIMATO, BRASILEIRO NÃO É SOLIDÁRIO NO CÂNCER
por Xico Sá

É, tio Nelson, o brasileiro, quando protegido pelo anonimato, não é solidário nem no câncer.
E não estamos batucando na tecla e no lengalenga do politicamente correto. Corta essa.
O brasileiro não é solidário nem no câncer em muitas ocasiões.
É o que vemos nos comentários de blogs e redes sociais agora em relação à doença do ex-presidente Lula.
Nas ruas, nas famílias e na missa de corpo presente, ainda vale a comoção, a compaixão, piedade e outros sentimentos.
Sob o capa de um anônimo e furioso Batman, o ataque dos comentaristas é fulminante, a doença vira metáfora para o desabafo e a ira política dos fundamentalistas que enfrentam diuturnamente o lulismo-petista.
“Minha suspeita é que a interatividade democrática da internet é, de um lado um avanço do jornalismo e, de outro, uma porta direta com o esgoto de ressentimento e da ignorância”, escreveu Gilberto Dimenstein, espantado com as manifestações recebidas na caixa de comentários da sua coluna aqui na Folha.com.
Vasculhando as caixas postais de vários blogs e colunas que trataram sobre o assunto, observamos que não é um caso isolado. É tendência. Tem, mas está faltando a referida solidariedade.
Agora vemos o personagem Edgar, da peça “Bonitinha mas ordinária”, do tio Nelson Rodrigues, salivando, obsessivo, atribuindo a sentença ao Otto Lara Resende: ”O mineiro só é solidário no câncer.”
O mineiro aqui entra como parte pelo todo, claro, mas deixemos o próprio canalha Edgar com o verbo, de novo:
“Mas olha a sutileza, não é bem o mineiro, ou não é só o mineiro. É o homem, o ser humano. Eu, o senhor ou qualquer um, só é solidário no câncer. Compreendeu?”
É, tio Nelson, este último reduto da solidariedade está indo para o saco. Pelo menos no baile de mascarados da internet.

O CÂNCER DE LULA ME ENVERGONHOU
por Gilberto Dimenstein

Senti um misto de vergonha e enjoo ao receber centenas de comentários de leitores para a minha coluna sobre o câncer de Lula. Fossem apenas algumas dezenas, não me daria o trabalho de comentar. O fato é que foi uma enxurrada de ataques desrespeitosos, desumanos, raivosos, mostrando prazer com a tragédia de um ser humano. Pode sinalizar algo mais profundo.
Centenas de e-mails pediam que Lula não se tratasse num hospital de elite, mas no SUS para supostamente mostrar solidariedade com os mais pobres. É de uma tolice sem tamanho. O que provoca tanto ódio de uma minoria?
Lula teve muitos problemas --e merece ser criticado por muitas coisas, a começar por uma conivência com a corrupção. Mas não foi um ditador, manteve as regras democráticas e a economia crescendo, investiu como nunca no social.
No caso de seu câncer, tratou a doença com extrema transparência e altivez. É um caso, portanto, em que todos deveriam se sentir incomodados com a tragédia alheia.
Minha suspeita é que a interatividade democrática da internet é, de um lado um avanço do jornalismo e, de outro, uma porta direta com o esgoto de ressentimento e da ignorância.
Isso significa quem um dos nossos papéis como jornalistas é educar os e-leitores a se comportar com um mínimo de decência.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

NEOLÍNGUA

Em nome do imperialismo humanitário, da atrocidade bondosa e do holocausto benfeitor, intensificamos a agressão pacífica, o bombardeio filantrópico, o extermínio vivificante e o genocídio benévolo para assegurar o arrebatamento honrado, o saqueio generoso e a pilhagem altruísta. Multiplicando as guerras preventivas, expandimos o assassinato profiláctico, o extermínio saudável, a hecatombe caritativa e a matança benfeitora para impor a barbárie progressista, a democracia oligárquica, o racismo tolerante, o encarceramento libertador, a tortura compassiva e a opressão redentora. Tão elevados fins justificam os meios da fraude informativa, da notícia inventada e a tergiversação verídica que, apoiadas na ocultação transparente, na ignorância ilustrada e na mentira confiável evidenciam a elevada baixeza do nosso oportunismo ético, etapa superior da prostituição moralista que nos assegura a verdadeira mentira da eternidade efémera da omnipotência impotente.

SHOW BUSINESS

Para impedir que continue uma repressão inventada pelos media, os bombardeiros calcinam o país até conseguir a conquista da sua Praça Central representada por actores extra em maqueta edificada no outro extremo do mundo, para proclamar a vitória da Junta de Sediciosos cujo presidente não aparece porque foi assassinado pelos próprios sediciosos enquanto Judas Iscariote apresenta o genocídio como vitória de um movimento social composto por financeiros que rapinam reservas internacionais, abutres que repartem entre si seus recursos, alianças militares que só atacam países mais débeis e mercenários idealistas que triunfam definitivamente numa guerra que não acabará nunca mais.


COVIL
Todos os caminhos levam a Covil, capital do Império.
Em Covil foram parar as Maravilhas do Mundo, devidamente saqueadas aos povos que as criaram.
Não há uma pedra de calçamento em Covil que não tenha sido arrancada do trabalho escravo, nem um muro que não provenha do preço de aldeias arrasadas.
No engaste de todas as jóias está inscrito o custo em sangue dos mineiros mortos nas galerias.
Os caminhos dos jardins ostentam as ossadas dos imolados nas guerras coloniais.
Covil consome as frutas mais deliciosas e com elas vêm as mãos cortadas dos colectores que não completaram a quota fixada.
Pelo subsolo de Covil correm as cloacas de suor e de sangue da miséria de onde surge sua deslumbrante riqueza.

Covil ilumina o mundo com luminárias acesas na medula dos explorados.
Nos monumentos dos grandes homens de Covil figuram os números exactos das suas hecatombes.
Covil tem academias onde se demonstram as subtilezas alcançáveis com o ócio pago pelos consumidos por esgotamento.
Em todas as suas escolas ensina-se o extermínio e a destruição em todas as suas universidades.
Não é que Covil seja sublime, mas destrói toda obra humana que possa empaná-la.
Sua sabedoria é sinónima de botim e sua filosofia um eufemismo do latrocínio.
Covil é capital da moda e as elegantes disputam entre si os exclusivos modelos de pele humana bronzeada.
Muito filosofa Covil sobre como aperfeiçoar e dissimular os silogismos do saqueio.
Os deliciosos vinhos de Covil têm poços de sangue.
Causam assombro as catedrais de Covil, onde comparecem os fiéis a serem devorados.
Véus subtis tecem os artistas de Covil para atenuar o clamor dos sacrificados.

O mais supremo êxito de Covil é provar que todo humanismo se alimenta devorando humanos.
Após cada assalto de Covil proliferam sicofantas empenhados em demonstrar que o único desejo das vítimas era serem assaltadas.
Tantas mortes quanto provocou Covil financiam o laboratório onde se prepara a Morte Absoluta de tudo.
Covil devora o mundo e seus habitantes devoram-se entre si até que nada reste.

Extraído de: http://resistir.info/libia/neolingua_03out11.html
Do Original: http://luisbrittogarcia.blogspot.com/2011/10/neolingua.html

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

MUAMAR KADAFI (1942-2011)

Não tenho subsídios para analisar com propriedade o papel geopolítico de Muamar Kadafi, assassinado ontem pelos rebeldes líbios. Tampouco tenho capacidade para entender o que representará a sua morte. Ignoro também qual seja o legado do seu "Livro Verde", de seu apreço por Nasser, pela idéia de uma república pan-arábica, de suas ações terroristas e de sua final aproximação com os líderes ocidentais. Comodamente, com a bunda gorda numa cadeira confortável, passo essa tarefa ao julgamento da história.
Não sem me sentir impotente, profundamente impressionado com as imagens de sua execução. Nem sei se devia exibir o vídeo, há recursos de linguagem muito mais elegantes, mas isso não sai da minha cabeça, e por mais abjeto que seja, faz parte do que estou expressando.



Muita coisa interessante já foi escrito. Na Carta Maior, no artigo de Mauro Santayana para o JB (que traz na conclusão um veredito semelhante ao meu). E principalmente no relato de Georges Bourdokan. Me espanta que a morte de Kadafi esteja sendo mais repercutida que a do Bin Laden, como se tal comparação pudesse romper as barreiras do absurdo e adentrar à sociedade do espetáculo diretamente nas manchetes da TV ou nas primeiras páginas dos jornais.
Um detalhe na biografia de Kadafi me chama a atenção. Ele liderou a revolução dos coronéis (patentes mais baixas) que derrubou a monarquia líbia com 27 anos, em 1969!
Já esse ano duas frases ficaram marcadas para mim: "Eles querem que eu renuncie, vou renunciar do quê? Sou o líder da revolução, Muamar Kadhafi não tem nenhum posto oficial ao qual renunciar. Ele é o líder da revolução para sempre."
E por fim, a máxima que ele cumpriu integralmente: "Lutarei até a última gota de meu sangue." Pelo quê, a história se encarregará de responder.





Atualizando
22/10/11 00:29
Achei outro texto que reflete perfeitamente meu espanto nas Crônicas do Motta. Recomendo a visita, pois as imagens iniciais são impactantes, além de se encaixarem na prosa.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O PIG E AS GREVES

Estamos num país que ainda convive com a escravidão. A grande imprensa serve apenas para veicular os interesses das classes dominantes. Por isso, é necessário que se esclareça o que está acontecendo com os trabalhadores dos correios e bancários:







1.º Greve já foi crime, motivo de prisão, tortura e morte. Hoje, está na Constituição. Antes, as paralisações eram resolvidas pela lei do mais forte: ou os trabalhadores retornavam humilhados, nas mesmas ou em piores condições, por medo de demissão, represálias e da violência patronal e policial, ou os proprietários atendiam total ou parcialmente as reivindicações para evitar prejuízos.

2.º A Constituição, em seu artigo 9.º, preceitua: "É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender". Para regulamentar o direito constitucional, surge a lei 7.783, em 28/06/89, que determina até o conceito jurídico de greve: "suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador".

3.º Mas como no Brasil as categorias profissionais não estão organizadas, a estrutura sindical é pífia, a ameaça do desemprego é constante e a maioria da população ainda acredita no modelo de capitalismo excludente e elitista, que dá sinais no mundo inteiro de sua falência, fazer greve é quase um sinônimo de privilégio. Temos gente passando fome, abaixo da linha da pobreza, não somos capazes de erradicar o analfabetismo, o trabalho infantil, a desnutrição. Nesse cenário, clamar por melhores condições de trabalho, redução da jornada ou aumento salarial soa como luxo inimaginável ao povão.

4.º Essa visão é sempre reforçada pelo PIG, que faz questão de omitir vários movimentos, e quando traz o assunto, é para questionar sua legitimidade, ou apresentar os grevistas como vilões contra a população que utiliza os serviços. Até os bombeiros foram tachados de arruaceiros. Os banqueiros são sacralmente preservados. O fato da FENABAN não apresentar sequer uma contraposta desde 27/09 é ignorado. A notícia de que a justiça determinou o fim da greve dos correios é dada com uma mistura de alívio e triunfo com um quê de vingança visto que a classe vai ter seus dias descontados, como se estivessem de férias, na infeliz fala da ministra.



5.º Mesmo nos blogs tidos como progressistas, uma olhada nos comentários dá mostras do caráter mesquinho daqueles que não estão diretamente envolvidos. Tirar o cidadão daquela zona de conforto de "consumidor" justifica posições retrógradas, assustadoras. O "Farinha pouca, meu pirão primeiro" está arraigado por aí, esperando a chance de reaparecer. Solidariedade entre trabalhadores é um valor corroído no tecido social em que a competição é a mola mestra para sobrevivência. Apenas corroído, quando não ridicularizado.

6.º A greve não é culpa dos empregados! É a última alternativa que resta quando a negociação para o acordo ou convenção coletiva de trabalho não tem êxito. Outro capricho, perto dos milhões que vivem na informalidade trabalhista. Mas nem tudo está perdido. Igor Felippe sintetizou com rara felicidade como se dá a cobertura da greve dos bancários pelo PIG:

As matérias da imprensa conseguiram me esclarecer que grandes problemas do nosso país são causados pela greve dos bancários.

Idosos que não recebem o INSS, homens que não pagam a pensão e podem ser presos, lojas cheias de dinheiro a mercê da criminalidade, famílias que não conseguem pagar suas contas…

Interessante que, pela cobertura, o lucro dos seis maiores bancos do Brasil, em torno de 46 bilhões de reais em 2010, não causa problema nenhum.

Será que a intransigência em aceitar as reivindicações dos trabalhadores bancários não coloca nos bancos (que coincidentemente formam o setor econômico que mais lucrou e lucra com o atual modelo econômico por mais de 15 anos) alguma responsabilidade pela situação?

terça-feira, 11 de outubro de 2011

TRILHA SONORA ANTIPIG - VI

Há 15 anos, Renato Russo morria.
Sem maior estardalhaço.
Eu tinha certa implicância com ele, e com a banda, por serem excessivamente "midiáticos". Via a fabricação de personagens cult sem lastro para tanto. Em perspectiva, e em principalmente em comparação com o que veio depois, vejo que estava no mínimo exagerando, para não dizer que estava errado.
Duas posições antagônicas me deixavam em conflito.
A primeira é que frente a minha postura adolescente, um rebelde, heavy, cabeludo, fã de músicos virtuosos e de guitar shredders, Legião Urbana representava o ápice da babaquice poseur. E como tinham o apoio da massa, falar mal deles reforçava minha natureza contestatória.
Mas, no conforto do lar, ou melhor, de um Gol 91, com meu irmão e minha mãe, que nos conduziu várias vezes pelas estradas que ligam Goiás a São Paulo, cantarolava feliz da vida Legião Urbana. O coro era sempre presente. Começávamos nos Beatles. An passant, um pouco de The Guess Who, Creendence... Eu tentava inserir algumas baladas tipo One ou Fade to Black, mas em nome do consenso partíamos para Legião. Cantávamos em nome da paz. Do Roadstar saíam os clássicos compilados no "Música para acampamento", que por sua vez estavam pirateados numa fita K-7 vendida em postos de gasosa na beira da rodovia.
Tenho saudades.
Tanto da adolescência mal resolvida quando das infinitas horas viajando com minha família.
Não tenho mais o tempo que passou.

sábado, 8 de outubro de 2011

domingo, 2 de outubro de 2011

ESTADO VS. POVO

Longe de ser uma manifestação anárquica, ou de adolescência tardia, apenas reafirmamos o conceito do Estado instrumental. Uma arma, na mão de quem a controla. Desnecessárias maiores explicações sobre qual classe a empunha.

CRIMES BEM ACEITOS
por Jânio de Freitas

Se as práticas de repressão contra greves usam de violência desumana e criminosa, no Estado de Direito devem ser tratadas como tais

O ressurgimento das greves e outras manifestações reivindicatórias traz também de volta a vulgarização de uma prática inadmissível no Estado de Direito: a violência da repressão policial, executada com características criminosas. E impune, portanto. Mais ainda: como representação do Estado. Logo, Estado policial.
A ferocidade descarregada pela polícia do Ceará contra professores que pretendiam acompanhar, na Assembleia Legislativa, uma votação do seu interesse, não deveu nada, no propósito e na violência armada contra indefesos, à sanha da polícia, da soldadesca e de seus chefetes na ditadura. Pessoas arrastadas pelos cabelos, espancadas, chutadas no chão, feridas -cenas assim voltam a repetir-se com frequência. E não suscitam, da parte dos meios de comunicação em geral, mais do que registros banais, quando existem. Da sociedade, organizada ou dispersa, apenas a indiferença abobalhada.
A tucanice já debitou a Dilma Rousseff o ressurgimento e as próprias greves. Mas só a dos Correios é federal, as várias outras são estaduais. Dessa divisão decorre um reflexo agravante. As vítimas costumeiras da repressão criminosa são grevistas e manifestantes de atividades estaduais ou municipais.
A menos que se excedam muito, servidores federais são mais poupados pelos governantes regionais para evitar problema com o governo central. É uma prova a mais do comprometimento desses governantes com a violência criminosa de suas polícias.
A desculpa é sempre a mesma: os grevistas ou manifestantes iniciaram o conflito. Os uniformes e equipamentos atuais das PMs, porém, estão aptos a suportar ilesos e a reprimir sem violência criminosa o que civis desarmados, e expostos na indumentária singela, podem fazer.
A repressão que extravasa perversidade é criminosa. Não pode representar o Estado de Direito, pela simples e forte razão de que o trai. Nega-o. A sempre citada necessidade de formar policiais avessos à corrupção e ao bandidismo é um problema funcional. Há também, no entanto, o problema nunca citado e maior do que qualquer outro, porque na raiz de todos: o problema institucional da falta de civilidade das polícias. Carência básica da seleção, formação e atividade dos policiais.
Carência equivalente existe fora das polícias e em relação a seus métodos: se as práticas de repressão usam de violência perversa, desumana, criminosa, no Estado de Direito devem ser tratadas como tais. Sob leis condenatórias com peso idêntico ao aplicado a civis e até, às vezes, a crimes de policiais fora de serviço.
O "excesso", como dizem, só é excesso em regime policialesco. No Estado de Direito é crime, e ao processo respectivo devem submeter-se os acusados de praticá-lo e de autorizá-lo. Então, estará dado um passo para a democracia.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O QUE LÊNIN DIRIA?*

Avizinha-se a greve dos bancários. Na notícia do UOL, escondida na aba de economia, tomamos ciência que a categoria rejeitou o índice de reajuste salarial de 8%, proposto pela FENABAN (Federação Nacional dos Bancos). A nota informa que o aumento real de 0,56% (!) foi recusado em mesa pelas representações dos trabalhadores.
É necessária uma breve análise sobre a nota. 6 sucintos parágrafos, divididos assim: apresentação dos índices, uma entrevista clichê da presidente do sindicato, um resumo truncado da pedida dos bancários, outra síntese mais incompreensível ainda da oferta dos banqueiros e os dois últimos parágrafos com orientações aos consumidores no período de paralisação.
No começo do ano, sem demonstrar constrangimento ou vergonha, e usando essa mesma mídia que finge esquecer das notícias que ela veiculou, os bancos se vangloriavam dos resultados obtidos em 2010. São números que não fazem sentido ao cidadão normal. Uma abstração de zeros que pertence a outro mundo. Meros números heurísticos, diriam os sabichões da academia.
Apenas pela eloquência, pela sonoridade, informamos que o lucro do Banco do Brasil foi de 11,7 bilhões de reais, obtidos em cima de 866 bilhões de ativos. Margem operacional baixa, dirão os cretinos. Para esses, talvez sirvam os números do cartel Itaú Unibanco (aquele do "uso consciente do crédito"): 13,3 bilhões sobre 755 bilhões.
O Bradescão também atingiu o portentoso número de 10 bilhões de reais de lucro. Ainda de boca cheia, lembremos do Santander, com 7,4 bilhões, respondendo por 25% do resultado global da empresa (enquanto que a matriz espanhola participou com 16%). Até a CAIXA, o banco dos pobres (apesar do escorregão com o Machado de Assis branco), que salvou o Panamericano, lucrou quase 4 bilhões em 2010.
A par das cifras astronômicas, outro número que chama a atenção nos links acima é que em todos os casos, o crescimento do lucro foi superior a 25%. E não foi apenas uma contingência, como querem nos fazer crer, uma retomada das perdas da marolinha de 2009, pois os balanços do primeiro semestre de 2011 confirmam a tendência exponencial de aumento da lucratividade. A taxa é crescente há 9 anos.
Na verdade, essa equação se apóia numa perversa estratégia que combina alta rotatividade de empregados com a terceirização das atividades tipicamente bancárias.
No primeiro semestre de 2011, foram gerados 11.978 empregos nos bancos, resultado da contratação de 30.537 e demissão de 18.559 trabalhadores. Do total de 1.265.250 de novos postos de trabalho abertos no país entre janeiro e junho deste ano, o setor bancário é responsável por somente 0,95%. Em 2010 foi ainda mais pífio: 0,77% do total de 2.201.406 vagas criadas pela economia brasileira. As admissões são feitas com remuneração inferior - índices de 38 a 46% - aos bancários demitidos.
A trama se fecha com a expansão dos correspondentes bancários: além de fazer uma fezinha, comprar remédios ou qualquer outro produto, se faz todo tipo de transação bancária nos estabelecimentos mais variados. Essa modalidade de serviço propõe ao cliente facilidade no pagamento sem enfrentar filas e constrangimentos com as portas giratórias, dificultadores criados pelos próprios bancos. Para o comércio, aumenta a circulação de pessoas, impulsionando as vendas em até 80%. Para os bancos, barateia e transfere serviços que querem ver longe das agências (o cliente mais pobre, em linguagem clara). Os correspondentes foram criados com o objetivo de ocupar os espaços deixados pelos “ajustes de mercado”, ou seja, os locais onde não é financeiramente interessante para os bancos manter uma agência. Com o tempo, passaram a dividir espaço com grandes agências bancárias.
O emprego da mão-de-obra do correspondente bancário cresce a uma velocidade espantosa, sem deixar claro a cargo de quem estão as respostas de questões como segurança, condições de trabalho e proteção dos direitos trabalhistas. Os trabalhadores ganham em média 25% do valor da remuneração dos trabalhadores do setor financeiro, com a agravante de não terem os demais direitos da categoria.
Ainda assim, os banqueiros empurram os bancários contra a população, enaltecendo o cerceamento aos serviços, como se os trabalhadores fizessem greve por lazer, hobby ou coisa que o valha. A responsabilização pelo estabelecimento é transferida integralmente ao empregado, ficando o banqueiro isento de qualquer culpa na satisfação dos clientes. É sempre mais dramática a cena do que perde o prazo de pagar suas contas do que do pai de família que é tratado como objeto por seu patrão. Se repercute a idéia do emprego como privilégio, sem direito a maiores reivindicações. Com a complacência dos barões do quarto poder, para não perder o costume.



* “Mais grave que assaltar um banco é fundar um banco” - frase atribuída a Lênin

domingo, 18 de setembro de 2011

TEM ACORDO NÃO...


Aparentemente, as sertanejas Francisca Maria da Silva, 89, Maria Francisca da Silva, 69, e Ozelita Francisca da Silva, 58, têm uma vida comum para quem mora no interior do Nordeste, dedicando todo o tempo para cuidar das casas onde vivem. Além do fato de serem mãe e filhas, as três dividem casa, comida e carinho com o mesmo marido há mais de 40 anos.

O agricultor aposentado Luiz Costa de Oliveira, 90, vive maritalmente com a mulher, com a cunhada e com a sogra no município de Campo Grande (270 km de Natal), e com as três teve nada menos que 36 filhos. Outros 17 vieram do primeiro casamento. Além da meia centena oficial, existem ainda outros três, dos quais ele não tem certeza da paternidade. Mas também não nega.

A filha mais nova de seu Luiz tem 13 anos, o mais velho, 54. A lista de membros da nova família Oliveira é extensa. A primeira mulher do trio, Maria Francisca, é mãe de 17 filhos. Em seguida, no segundo casamento com a irmã da esposa, Ozelita, foram mais 15. Para não perder a oportunidade, ainda fez um filho com a sogra, dona Francisca Maria. “Tempo desses apareceram mais três dizendo que ‘era’ meu, mas não tenho certeza, mas também não vou negar”, disse Oliveira.

Apesar da grande quantidade de filhos, apenas 38 estão vivos, e a maioria mora em Campo Grande. A lista de herdeiros aumenta com o número de netos. São 100 netos e 60 bisnetos.

Três mulheres

Seu Luiz conta que a relação com as três mulheres começou depois que ele ficou viúvo da primeira mulher e “se juntou” com Maria Francisca da Silva, a “Francisca Velha”. “Fiquei com 17 filhos para criar, e a ‘véia’ se prontificou a me ajudar. Logo depois começaram a vir os nossos filhos”, disse, explicando que a cunhada, Ozelita, vinha cuidar da irmã no período de resguardo e também "dava assistência” a ele.

“Não escondo que sempre fui namorador. A melhor coisa do mundo é mulher, e meu divertimento era namorar. Preferi que meus namoros ficassem em casa, e elas se entenderam. Nunca houve uma briga, pois eu lembro muito bem que dava conta de todas, além de trabalhar muito na roça para sustentar todos os meus filhos. Nunca faltou nada para ninguém”, disse.

O homem conta que o início do namoro com a sogra também aconteceu no período de resguardo da mulher e da cunhada. Ele tem apenas um filho com ela. A cunhada e “segunda mulher” de Oliveira, Ozelita, conta que o segredo de dividir o marido é a união da família e o amor por igual que ele tem. “Nunca houve distinção. O jeito conquistador dele conseguiu a paz e a união da nossa família. A gente não tem ciúme porque a gente sabe da dedicação dele por todas nós”, disse, ressaltando que as três Franciscas não aceitariam dividir com mais outra pessoa o amor de Oliveira. “Ia ter briga se ele arrumasse uma amante, com certeza.”

Duas casas

Com uma família maior que a tradicional, seu Luiz conta que vive com a mulher em uma casa e mantém a cunhada e a sogra numa outra próxima. Ele diz que tenta distribuir seu tempo para dar assistência às duas casas.

“Antes eram as três mulheres juntas. Mas como são muitos filhos, meu pai conseguiu comprar uma casa mais nova e deu para a minha tia”, disse Cosme da Silva Costa, 18, um dos filhos.

sábado, 10 de setembro de 2011

O BANHEIRO E A POLÍTICA

Em 1988, à frente de uma equipe de tevê, fui ao leste europeu realizar documentário sobre a perestroika - reestruturação político-econômica sob a liderança do russo Mikhail Gorbatchev. Em Praga, numa fábrica de automóveis, nosso repórter pergunta ao líder dos operários se a perestroika chegou ali. Ele nos aponta os banheiros: "Nas nossas latrinas a perestroika não chegou".
Eram imundas. Mas por que me lembrei disso? Ah, sim, saiu pela Agir a 2ª reimpressão do Febeapá, Festival de Besteira que Assola o País, instaurado com o golpe de 1964, do Stanislaw Ponte Preta. Num artigo, o atilado jornalista transcreve um capítulo de Encanamentos e Salubridade das Habitações, do engenheiro português João Emílio dos Santos. É a versão lusitana do Febeapá. Ensina a instalar retretes coletivas "principalmente" em grandes empresas, para evitar que "mandriões incorrigíveis" ali fiquem "além do tempo indispensável" - retrete é latrina e mandrião é malandro em Portugal.
O desequilibrado, digo, o engenheiro acusa os operários de "aproveitar a ida à retrete amiudamente para abandonar o trabalho". Dá várias ideias: porta baixa, para se ver quem está lá; barras de ferro nas paredes "que correspondam aos sovacos", para a pessoa ficar pendurada e querer livrar-se logo do suplício; tampo inclinado; uma descarga periódica de vapor quente.
Mas, explica a cavalgadura, digo, o engenheiro, o melhor mesmo é manter as latrinas "num estado de imundície tal que o cheiro afugenta dali os operários logo após satisfazer suas necessidades".
Stanislaw publicou "sem comentários, mas comentemos. A melhor referência a essa insanidade de certos patrões, a preocupar-se com o tempo gasto pelos funcionários no banheiro, está em Tempos Modernos (1936), de Charles Chaplin. Carlitos é literalmente moído pelas engrenagens da máquina capitalista. E quando o chefe o libera para usar o banheiro e ele aproveita para fumar um cigarrinho, surge num telão o patrão mandando-o de volta ao trabalho.
O documentário sobre a perestroika também foi ilustrativo. Editamos em Praga, última escala da viagem. Para minha surpresa, aparece na véspera da partida um "jornalista" do Partido Comunista Tcheco. Queria ver o trabalho. E, adivinhe, implicou com a menção às nojentas latrinas. Disse-me através do intérprete:
"Não tem cabimento num documentário tão bem fundamentado falar em banheiro sujo".
Sob alusões de não nos deixar sair do país, tive que tirar a fala do líder operário. Mas o colega editor, Yeken Serri, tinha feito duas cópias. Enganamos o censor e trouxemos a versão completa. Que acabou inédita: a emissora que negociou o documentário recusou-se a pôr no ar alegando "questões técnicas".

Por que se negam a considerar a limpeza de banheiros coletivos ou públicos com um dos objetivos da política?
Mylton Severiano


Instalações sanitárias (retretes coletivas):

Do original:
Na instalação de retretes coletivas nos quartéis, escolas e, principalmente, nas grandes oficinas, é necessário adotar disposições especiais, por assim dizer: disciplinares, para evitar que o pessoal ali permaneça além do tempo indispensável. É de todos conhecido que os operários menos cuidadosos com os seu deveres, aproveitam a ida à retrete ameudadamente para abandonarem o trabalho. Recorre-se por isso a diversos meios que tornam incômoda a permanência nas retretes. As portas dos sanitários devem ser baixas, para que facilmente se veja de fora quem lá está. Usam-se muito as retretes turcas, onde as pessoas se teem de acocorar para delas se servirem, mas tem-se reconhecido que nao é bastante isso, por não ser a posição incômoda para todas as pessoas.

Também se costuma colocar nas retretes desse sistema uns descansos de ferro encastrados nas paredes e que correspondem aos sovacos e onde as pessoas ficam por assim dizer penduradas para fazer as necessidades. Ainda se tem usado o tampo das retretes bastante inclinadas, para que o pessoal não fique bem sentado, mas apenas encostados, numa posição bastante incômoda, mas todos esses dispositivos são ineficazes quando se trata de mandriões incorrigíveis. Recorre-se, igualmente, à ação da água ou do vapor. Periodicamente lança-se nas retretes uma violenta corrente, que as lava, arrastando os dejetos, mas dirigida de um modo que uma parte da água molhará as pessoas que ali estiverem sentadas ou acocoradas; mas exige esta disposição que se disponha de um volume considerável de água, o que nem sempre sucederá.

Empregando as retretes do sistema Doulton já descritas, pode usar-se com o mesmo fim a descarga de vapor das máquinas, feita na canalização; a temperatura do vapor é bastante para queimar ou, pelo menos, tornar insuportável a permanência nas retretes. Um meio preconizado por industriais para evitar a permanência do seu pessoal nas latrinas, é mantê-las num estado de imundice tal que o cheiro afugenta dalí os operários logo após satisfazer suas necessidades.


Fonte: livro "Encanamentos e Salubridade das Habitações", pág. 148-149, capítulo 5, 3a. edição, Lisboa, Portugal. Autoria do engenheiro português João Emilio dos Santos Segurado. Parte da coleção da Biblioteca de Instrução Profissional.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

CONCLUSÕES

“Não morreremos de velhos, morreremos das velhas feridas.”
Semion Gudzenko (1922-1953)

A guerra germano-soviética ocupou um capítulo a parte na história da Segunda Guerra Mundial, principalmente pela ferocidade com que foi travada e pelo grau inaudito de destruição que provocou. Conforme o conflito foi se estendendo por boa parte da Rússia ocidental e se prolongando por quatro anos, terminou por ganhar dimensões épicas. Stalin tentou inicialmente dar um cunho ideológico ao ataque nazista, querendo entender que se tratava primordialmente de um enfrentamento entre o comunismo e o fascismo europeu. Hitler talvez pensasse o mesmo no começo. Mas o ódio que a ocupação da Rússia despertou entre os seus habitantes e as crescentes atrocidades dos invasores fizeram com que ela descambasse para uma guerra étnico-racial. Logo os comunistas trataram de defini-la como a Grande Guerra Patriótica, procurando com isso atribuir-lhe um cunho nacional-patriótico, chamando para as suas fileiras os nacionalistas e os anticomunistas que ainda sobreviviam no país, para formarem uma poderosa frente de resistência. Não se tratava mais de comunistas contra fascistas, mas do povo russo inteiro contra o que o escritor Ilya Ehremburg chamou de a "praga de gafanhotos", os alemães. E de fato, foi em solo russo que a Alemanha perdeu mais de 70% dos seus efetivos (cerca de três milhões de baixas).


A Vitória Soviética

Depois de terem sido detidos em Leningrado (cercada durante 900 dias) e na frente de Moscou, em dezembro de 1941, duas outras batalhas colossais colocaram fim nas possibilidades de vitória nazista. A primeira delas foi travada na cidade de Stalingrado, à beira do rio Volga, que culminou na rendição do 6.º Exército Alemão, comandado pelo marechal von Paulus, no dia 1.º de fevereiro de 1943, que provocou uma perda de 300 mil homens. A segunda foi a batalha de Kursk, ocorrida no sul da União Soviética e que tornou-se maior batalha de blindados de todos os tempos, quebrando para sempre a capacidade ofensiva do exercito alemão. Dali em diante, o exército vermelho, ao preço exorbitante de cinco milhões de baixas, tomou a contra-ofensiva em toda a extensão do front, até que, finalmente, os marechais soviéticos Zuhkov e Konev entraram numa Berlim completamente destruída, em abril de 1945, obrigando a Alemanha nazista à rendição final no dia 8 de maio daquele ano mesmo.

Bandeira soviética erguida sobre o Reichstag (2 de maio de 1945)

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

"ESPERE POR MIM"

Um dos poemas mais comoventes que retrata a situação do soldado russo no front de guerra do ano de 1941, dilacerado pela tragédia da guerra e a esperança de um dia sair dela vivo e vitorioso, foi escrito por Konstantin Simonov. Disse ele:


Espere por mim, que eu retornarei - só espere com muito ardor;

Espere da mesma forma quando você sentia-se triste pela chegada da chuva amarela;

Espere quando o vento varrer os flocos de neve; espere no mais intenso calor;

Espere quando os outros, esquecendo-se dos seus dias anteriores, pararam de esperar;

Espere mesmo quando de longe não mais chegarem cartas para você;

Espere mesmo quando os outros já cansaram de esperar;

Espere mesmo quando a minha mãe e o meu filho pensarem que eu não existo mais;

E quando os amigos sentados ao redor do fogo brindarem à minha memória,

Espere, e não te apresses também em beber com eles pela minha memória;

Espere, pelo meu retorno, a despeito de todas as mortes;

E deixe aqueles que não me esperaram dizer depois que eu tive sorte;

Eles nunca vão entender isso, pois em meio a tanta morte,

Tu, com a tua espera, conseguiste me salvar;

Somente você e eu sabemos como eu sobrevivi –

É porque você me esperou quando ninguém mais o fazia.”




Konstantin Simonov

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

AS RAZÕES DO FRACASSO SOVIÉTICO INICIAL

Durante muito tempo, enquanto Stalin viveu, os soviéticos não procuraram esmiuçar os motivos do fracasso inicial em deter a máquina de guerra alemã. Somente depois do XX Congresso do Partido Comunista, realizado em 1956, é que começaram a procurar os detalhes daquela calamidade. Alexander Werth arrolou algumas delas: o expurgo do exército vermelho às vésperas da guerra; a propaganda exagerada sobre a invencibilidade das forças soviéticas; a falta de profissionalismo da oficialidade soviética frente aos profissionais alemães; o baixo grau do treinamento das tropas, o fracasso da indústria bélica em poder equipar as tropas com material moderno; a subestimação da eficácia da guerra relâmpago levada a efeito pelos alemães, desprezando-a como uma "teoria burguesa" de fazer a guerra, não havendo estudos de como poder romper com o cerco feitos pelos blindados, e, por último, a obediência ao dogma do "culto à personalidade" isto é, a Stalin, e os traumas psicológicos provocados pelo Grande Terror, que impediram os comandantes militares soviéticos de tomarem as iniciativas corretas no campo de batalha quando se viam atacados. (A. Werth - A Rússia na Guerra, vol. I, pág. 159/160)

Os soldados soviéticos e os guerreiros do passado

terça-feira, 23 de agosto de 2011

STALIN REAGE

Enquanto os alemães e seus aliados avançavam em toda a linha, levando as defensivas soviéticas de roldão, Stalin trancou-se num quarto do Kremlin. Durante onze dias ele se negou a receber quem quer que fosse. Enquanto isso, a nação, perplexa, estava entregue a si mesma. Os exércitos invasores, aplicando à solta os princípios da Blitzkrieg, a guerra relâmpago, cercavam e impunham a rendição milhares de soldados russos, levando a crer que a União Soviética teria o mesmo destino dos outros países que caíram logo no controle dos nazistas. Foi neste momento dramático, quando não cessavam de chegar noticias ruins do front, que Stalin recuperou-se. A sua alocução galvanizou um país estonteado:

Alocução de Stalin: 3 de julho de 1941


Esta guerra nos foi imposta, achando-se o nosso país empenhado agora numa luta de vida ou morte contra o mais pérfido e maligno dos seus inimigos, o Fascismo Alemão. Nossas tropas se batem heroicamente em situação desvantajosa, contra um adversário fortemente armado de tanques e aviões... O grosso das tropas soviéticas, equipado com milhares de tanques e aviões, somente agora começa a participar dos combates... Unido ao Exército Vermelho, todo o nosso povo se levanta para defender a Pátria.

O inimigo é cruel e impiedoso. Quer a nossa terra, o nosso trigo e o nosso petróleo. Visa a restauração do poder do latifúndio, ao restabelecimento do Czarismo e a destruição da cultura nacional dos povos da União Soviética; quer fazer-nos escravos de príncipes e barões germânicos.

Nas nossas fileiras não haverá lugar para os fracos e os covardes, para os desertores e causadores de pânico. Nosso povo será destemido na luta e combaterá com abnegação na guerra patriótica de libertação contra os escravizadores fascistas.

É preciso que coloquemos imediatamente a nossa produção em pé de guerra e que ponhamos tudo ao serviço da Frente e da preparação da derrota do inimigo. 0 Exército Vermelho, a Marinha e todo povo soviético defenderão, polegada a polegada, o solo da nossa Pátria, lutaremos até a ultima gota de sangue em cada cidade e em cada aldeia já... Organizaremos todo o tipo de ajuda ao Exército Vermelho, faremos com que as suas fileiras sejam constantemente renovadas, dar-lhe-emos tudo quanto precisar. Havemos de conseguir o transporte rápido das tropas, do equipamento e o pronto auxilio aos feridos.

Todas as empresas devem intensificar o seu trabalho e produzir cada vez mais equipamentos, de quantos tipos... iniciaremos uma luta sem quartel contra desertores e causadores de pânico... Destruiremos espiões, diversionistas e pára-quedistas inimigos...

Sempre que unidades do Exército vermelho sejam obrigadas a recuar, todo o material rodante ferroviário há de ser também retirado. Ao inimigo não se deixará uma única máquina, uma libra de pão ou uma latinha de óleo. Os kolkosianos sairão com todos os seus animais, entregarão ao estado suas reservas de cereais para o envio à retaguarda... Tudo o que não puder ser carregado será destruído, seja cereal ou ferro, combustível ou metais não-ferrosos ou qualquer outra propriedade de valor.

Nos território ocupados hão de se formar unidades de guerrilheiros... Haverá grupos diversionistas para combater as unidades inimigas, para difundir por toda a parte a luta de guerrilhas, para dinamitar e destruir as estradas e as pontes, os fios de telégrafo e os dos telefones; para incendiar as florestas, os depósitos do inimigo, os seus comboios na estrada. Nas regiões ocupadas, condições insuportáveis hão de se criar para o inimigo e seus cúmplices, que serão perseguidos e caçados a cada passo...

(...) Um Comitê de Defesa do Estado acaba de ser formado para cuidar da rápida mobilização dos recursos do país; todo o poder e a autoridade do Estado estão nele investidos. Este Comitê já começou a trabalhar e convocou todo o povo a unir-se em torno do partido de Lenin e Stalin e do Governo para o apoio decidido e abnegado ao Exército vermelho e à Marinha para a derrota do inimigo, pela nossa vitória... O imenso poder popular será empregado para esmagar o inimigo. Avante! À vitória!


segunda-feira, 22 de agosto de 2011

UMA NAÇÃO SURPREENDIDA

A ofensiva alemã sobre o solo russo pegou de surpresa não só o povo soviético, como seu ditador, Stalin. Todas as evidências de uma vasta concentração de tropas alemães e seus aliados nas fronteiras da URSS haviam sido desconsideradas por ele. Nenhum dos avisos que chegaram ao seu conhecimento pelo serviço de espionagem (o agente Victor Sorge informara, do Japão, a data exata em que se daria a invasão) ou pelas mensagens enviadas pelos ingleses, que também o alertaram, convenceram-no da eminência do ataque de Hitler. Stalin aferrou-se ao pacto de não-agressão germano-soviético de agosto de 1939, também conhecido como Acordo Ribbentrop-Molotov, pelo qual ambos os ditadores partilharam a Polônia entre si como acertaram um intercâmbio de produtos entre ambas as potências. A Alemanha se comprometera a fornecer máquinas e equipamentos para a URSS em troca de petróleo, ferro e cereais. E eis que, de repente, Hitler virou a mesa justo quando Stalin confiava nele. O ditador soviético até então entendia as notícias de um ataque hitlerista para breve como resultado das "ações de provocação" espalhadas pelos agentes ingleses para envolver a URSS numa guerra contra a Alemanha nazista. A tal ponto levou esta crença que, quando as primeiras notícias da invasão chegaram ao seu conhecimento no Kremlin, ele ordenou que a artilharia não respondesse ao fogo e que os aviões russos não tentassem sobrevoar território alemão. Quando se deu conta da realidade, teve um colapso psicológico.

domingo, 21 de agosto de 2011

INVADIR A RÚSSIA, UM PROBLEMA HISTÓRICO

Carl von Clausewitz, um dos mais reputados teóricos da estratégia militar dos tempos modernos, oficial prussiano que participou com os russos das campanhas contra Napoleão em 1805, e novamente em 1812, escreveu no seu clássico estudo Vom Kriege (Da Guerra, 1833), que a Rússia era militarmente inconquistável. Foi de certa forma isso que fez com que Otto von Bismarck, o chanceler que unificou a Alemanha em 1871, sempre visse o imenso império czarista como um possível aliado e não como um inimigo, como Hitler o fez. Eram as dimensões territoriais daquele colosso, os vastos recursos humanos e materiais que dele poderiam extrair, é que inviabilizavam qualquer ocupação definitiva da Rússia. Carlos XII, o rei da Suécia, durante a chamada Guerra do Norte, tentara dominar a Rússia ocidental no início do século XVIII, sendo derrotado por Pedro, o Grande, em Poltava, em 1709. Um século depois, foi a vez do gênio de Napoleão Bonaparte afundar na neve russa, perdendo quase todo o Grand Armée, o grande exército, durante a retirada de 1812. No século XX, seria a vez de Adolf Hitler desbaratar 75% da imensa força militar alemã nas estepes russas.

Napoleão derrotado na Rússia em 1812

sábado, 20 de agosto de 2011

OUTROS FATORES

Além dessas observações preconceituosas em relação aos eslavos, comuns à maioria dos racistas europeus, um conjunto outro de fatores pesou na sua decisão de atacar o Leste. Além do profundo ódio ao comunismo, fruto do temor que a Revolução de 1917 causara na maioria dos europeus daquela época, ele levou em conta ainda dois outros elementos. Em 1937-8, na época dos Grandes Expurgos, Stalin simplesmente liquidara a elite militar soviética, a quem suspeitara de tentar afastá-lo do poder. Deteve e executou por traição o marechal Mikhail Tukachevski, bem como um número indeterminado de altos oficiais (alguns estimam em 33 a 40 mil encarcerados, sendo que inúmeros deles foram fuzilados). O Exército Vermelho teria ficado praticamente acéfalo nas vésperas da II Guerra Mundial por determinação do seu próprio comandante supremo! O segundo fator foi o fracasso do assalto das tropas soviéticas contra as fronteiras da pequena Finlândia, realizado no inverno de 1939/40, que se revelou num verdadeiro desastre. A conclusão de Hitler não poderia ser outra: um regime odiado, sem comandantes militares qualificados e com tropas desaparelhadas e destreinadas, a campanha da Rússia seria um pouco mais do que uma parada militar para o exército alemão. Quem lê o capitulo dedicado à questão russa no Minha Luta facilmente descarta a tese da Präventivkrieg, a guerra preventiva que, segundo seus defensores, (entre eles Paul Carell, pseudônimo de Paul Karl Schmidt, um coronel SS, ex-porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do III Reich), Hitler obrigatoriamente teve que se lançar em vista da possibilidade de um ataque soviético que se daria a qualquer hora.


O Expurgo do Exército Vermelho (*)


Número dos expurgados

Postos militares

3 dos 5

Marechais

14 dos 16

Comandantes-de-exército de I e II classe

8 dos 8

Almirantes

60 dos 67

Comandantes-de-corpos-de-exército

136 dos 199

Comandantes-de-divisão

221 dos 397

Comandantes-de-brigada

11 dos 11

Vice-comissários de defesa

75 dos 80

Membros do Soviete Militar

528 dos 783

Altos oficiais e funcionários do setor militar

De 30 mil a 40 mil

Detidos ou fuzilados (o equivalente 1/5 da oficialidade)


(*) É provável que a dimensão desse violento expurgo se devesse a um acerto de contas de Stalin com Trotski, visto que foi o seu rival quem forjou o Exército Vermelho durante a guerra civil de 1918-20. O objetivo final seria a stalinização total da organização militar, que até então ficara fora dos expurgos que abateram o partido e a polícia secreta ao longo dos anos trinta. (Fonte: Robert Conquest - O Grande Terror, pag. 478-9)


Ao expurgar o exército, Stalin atacou a si próprio

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

HITLER E A URSS

Se o plano para invasão da URSS fora urdido desde julho de 1940, a intenção de realizar a conquista militar do país dos sovietes remonta a tempos bem anteriores. Quando Hitler, então encarcerado como agitador direitista na prisão de Landsberg, na Bavária, ditou o Mein Kampf (Minha Luta), a sua obra, publicada em 1925, ele dedicou um capítulo especial à política externa a ser seguida pelo movimento nacional-socialista. Nele, ele retoma as antigas ambições alemães, insufladas pela geopolítica racista, que dizia haver necessidade da ampliação do Lebensraum, o espaço vital, para que o povo germano pudesse sobreviver no futuro. Argumentava ele que não havia uma harmonia entre o elevado número de alemães e a modesta dimensão do solo que lhes cabia na Europa. Como não reconhecia o direito histórico de nenhum povo ao território que ocupava, que não fosse consagrado pela força, Hitler não via embaraço nenhum em ir algum dia tomar de assalto as terras do Leste, as estepes russas, então nas mãos do judaico-comunismo. Além disso, insistiu que nenhuma nação é potência sem ter vastas extensões de terras sob seu domínio: o império britânico, os Estados Unidos, a União Soviética e a China eram exemplos disso. Para ele, desde que se dera a revolução de 1917, o grande império eslavo era uma instituição decadente. A revolução bolchevique, ao exterminar com a classe dirigente (o "elemento germânico organizador do Estado russo", segundo ele), entregara a administração do país aos desprezíveis judeus e à escória russa. A isso, somava-se o profundo desdém racista que ele tinha pelos eslavos, considerando-os untermensh, gente racialmente inferior, uma espécie de brancos degenerados, poluídos pelo sangue asiático, incapazes de qualquer evolução. Esses preconceitos todos o cegaram perante os perigos de invadir um território da dimensão da URSS, cuja parte ocidental era duas vezes maior do que toda a Europa. Nada disso alterou sua decisão. Como ele disse convicto aos seus generais "basta nós chutarmos a porta que a casa toda ruirá".

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

ORIGENS DO PLANO

Foi com muita surpresa, e até com apreensão, que alguns generais alemães próximos a Hitler escutaram-no dizer, em plena campanha contra Grã-Bretanha, então submetida a severos bombardeios aéreos e à intensa ação submarina, que se preparassem para invadir a União Soviética. Tudo aquilo que fizeram até ali, isto é, a ocupação da maioria dos países da Europa atlântica, assegurou-lhes o Führer, era uma manobra de despistamento. A verdadeira guerra ainda estava para ser travada. E ela se daria no Leste da Europa. Os planos para o assalto à URSS já haviam sido encaminhados por ele um ano antes, em 21 de julho de 1940, logo após a queda da França, quando encarregou o marechal de campo, Walther von Brauchitsch, então o seu supremo comandante das forças terrestres, a proceder com os primeiros estudos. Por volta de dezembro de 1940, um esboço geral dele já estava pronto, com o codinome Barbarossa. A invasão deveria ser perpetrada na primavera de 1941, mesmo com a continuidade da guerra contra Grã-Bretanha. Este risco, Hitler pretendia superar com o tempo, pois imaginou que as forças conservadoras na Inglaterra e os sentimentos anticomunistas espalhados pelo mundo fariam pressão para que suspendessem a guerra contra ele, visto que a Alemanha nazista atacava a morada da "serpente internacional"- a URSS. Era um lance de jogador de pôquer. Com a carta da invasão da URSS na mão, ele esperava que os demais envolvidos na guerra se retirassem da mesa.
Walther von Brauchitsch

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

OS TRÊS OBJETIVOS

Leningrado, Moscou e Kiev eram as cidades a ser conquistadas, tanto pelo seu valor simbólico como por sua importância estratégica. A tomada da grande capital do Norte, construída por Pedro, o Grande, em 1703, impediria a URSS de ter qualquer acesso ao Mar Báltico, tornando a sua esquadra inútil. Conquistar Moscou significava provocar um enorme impacto moral sobre a população russa, pois a capital soviética era considerada não só o núcleo do poder e da economia da Rússia, como também o seu centro espiritual e religioso. Tomar de assalto Kiev, a capital da Ucrânia, por fim, permitiria açambarcar a riqueza cerealística da União Soviética e as suas imensas estepes de fértil terra preta, onde um punhado de sementes jogadas fazia crescer maravilhas. Bem sucedida, a Operação Barbarossa, num primeiro momento, cortaria a URSS ao meio, separando o centro-norte, urbanizado e industrializado, do Sul, rico em alimentos e matérias-primas. Hitler, porém, determinou que não queria batalhas dentro das cidades. As forças soviéticas deveriam ser destruídas nos campos para que assim as cidades russas, uma a uma, caíssem no controle da Wehrmacht (o exército alemão) como uma fruta madura se desprende de uma árvore levemente sacudida.





von Leeb, von Bock e von Rundstedt

Os Grupos de Exército e suas Metas


Grupos de Exército

Divisões

Objetivos

Norte (Mal. von Leeb)

21 divisões e 1 grupo panzer (Gen. Hoepner)

Leningrado, junção com forças finlandesas

Centro (Mal. Von Bock)

32 divisões e 2 grupos panzer (Gens. Hoth e Guderian)

Moscou

Sul (Mal. Von Rundstedt)

60 divisões, 1 grupo panzer e os corpos húngaros, romenos e italianos

Kiev e a Ucrânia, rumando depois para o Caucaso


(*) Quanto ao volume do material bélico ele se compunha de 3580 tanques e carros de combate, 7.184 canhões e 5000 (1.830 na primeira fase) aviões, além de 600 mil veículos de todos os tipos e de 750 mil cavalos. (Fonte: Paul Carell- Unternehmen Barbarossa).