quarta-feira, 19 de junho de 2013

O CAOS


* O Movimento do Passe Livre (MPL) surgiu em 2004, no rescaldo da “revolta da catraca”. As cidades de Salvador e Florianópolis (principalmente) foram os focos de onde emergiu a demanda pelo transporte público gratuito, que honestamente não fazia parte da agenda política nacional, e viram a reversão de um aumento nas passagens de ônibus após violentos confrontos dos estudantes com a polícia.






* Até uns 15 dias atrás, o MPL era um asterisco na dinâmica social brasileira. Ignorado pela esquerda (vá lá, a esquerda institucionalizada, aquela que disputa eleições. Mas, mesmo assim, eles sempre rejeitaram a aproximação - entrismo - do PSOL, PSTU, PCO) e hostilizado pela direita (que sempre os rotulou como baderneiros, bandidos, arruaceiros), jamais teve acesso a mais que alguns segundos na grande mídia. Mesmo na imprensa alternativa, eram pra lá de coadjuvantes.




* É lógico que o que está à baila é muito mais do que os R$ 0,20. A rejeição ao aumento das passagens foi um estopim. Porém, no início, a mídia, falando em nome da classe que representa, tratou de tachar todos de punks, anarquistas e/ou rebeldes sem causa e a PM desceu o cassetete (e balas de borracha também). Não só a mídia, mas, em uníssono, os poderes constituídos. Até o desprezível ministro da justiça endossou a tática de baixar o cacete nos manifestantes.
 



* Num segundo momento, alguns setores (não necessariamente os entristas do PSOL, PSTU e PCO) expuseram cartazes com outras pautas, uma completa geleia geral, mas, entre elas, questionamentos sobre a realização da copa e cobranças ou ataques ao governo federal. A mídia percebeu que se desse uma “empurrãozinho” nesse samba do criolo doido a coisa poderia gerar boas manchetes de acordo com seus interesses. No Rio, artistas globais foram convocados para engrossar fileiras e empunhar cartazes contra a “corrupção e a roubalheira”.


* Houve refração à cobertura da globo, com o manjado slogan do povo, que não é bobo. Será que não? Será que não houve pautas mais relevantes para que saíssem às ruas os inconformados de hoje? Ou é inconciliável exercer a cidadania durante a temporada do Big Brother? Será que a galera que se informa através dos memes do facebook é realmente mais consciente do que os perpétuos alienados pelo padrão global? Queimaram o carro da record, mas tiram fotos com os astros de novela da Vênus platinada.





 * Superando meu comentário, o fato é que a globo foi expulsa do evento. Adotou algumas estratégias, como a cobertura dos acontecimentos à distância, por helicópteros, microfones sem o cubo identificador da emissora, escalação de repórteres desconhecidos em São Paulo, leitura de editoriais em nome do compromisso com a informação, apesar da parcialidade costumeira, e até um suspeitíssimo pedido de desculpas do Arnaldo Jabor.





 * Como já se disse, se o Jabor está posando de revolucionário, temos que ficar de olho. Começou dizendoque os manifestantes não valiam nem os 20 centavos, mas mudou o tom. Hoje ele é a personificação da cúpula global, e sempre tenta desqualificar os movimentos sociais - ataques rasteiros e rancorosos ao MST, ao sindicalismo, à esquerda. Ademais, é assíduo frequentador do Instituto Milleniun, o antro dos barões da mídia e dos ricaços, onde se porta como cabo eleitoral da oposição demotucana.



* Ele até tentou “politizar” a baderna, dizendo ser mais digno lutar contra a PEC 37. Mas depois do que o promotor Zagallo falou, acho pouco provável que angarie qualquer simpatia. Isso dá um indício de como o custus legis está distante dos supostamente defendidos direitos difusos e coletivos, e, indo além, como os órgãos do Estado são alheios à sociedade a qual prestam serviços.


* Impossível dissociar os fatos da cobertura midiática. Para quem não está pulsando ao calor dos fatos, é a versão (única) disponível. E a dicotomia que eles propõem é a seguinte: se a manifestação é pacífica, então é legítima; se há confrontos e violência, perde a razão, vira coisa de desocupados. Literalmente, foda-se o conteúdo dos protestos, desde que a forma dele seja aquela prevista e disponível dentro dos estreitos limites do ordenamento jurídico.




* Imagina na Copa? Uma demanda que estava reprimida (aliás, em Brasília e Belo Horizonte este é o principal mote dos protestos), desde que a FIFA surrupiou a nossa soberania, diante da covarde subserviência do governo federal. O raciocínio é do o embaixador da copa, empresáriode jogadores da seleção e comentarista da globo, Ronaldo: “Está se gastando dinheiro com segurança, saúde, mas sem estádio não se faz Copa. Não se faz Copa com hospital. Tenho certeza que o governo está dividindo os investimentos”.


* O problema é que prometeram uma festa para o povo, mas é mentira. O povo não vai chegar perto dos estádios nem para vender churrasquinho e camisas de time. É um evento ultra elitizado, uma farra que consumiu 30 bilhões de reais para o convescote dos turistas e de uma elite absolutamente insensível ao contexto em que falta o essencial. Acho brilhante a sacada das escolas e hospitais com “padrão FIFA”.





* Outra lenda que cai por terra, na opinião deste escriba, é o dos movimentos “apartidários”. Quando a “minoria radical” promove quebra-quebra, saques e depredações, ninguém assume a paternidade do movimento. Quando é para aparecer na TV, velhas raposas oportunistas da oposição se arvoram a capacidade de “entender a linguagem das ruas”. Isso é balela. Ou você toma partido, e explica o que quer (é só os R$ 0,20 mesmo?) ou a diarreia mental provoca a confusão que certamente agrada determinados partidos. Para vários interesses escusos, quanto pior, melhor.
Mais imbecil ainda é a ideia do apolítico. O que eles fazem? Esporte? Terapia?



* Por fim, eu gostaria de enxergar a pauta esquerdista que viu a Cynara Menezes, diferenciando estes atos do Cansei! e semelhantes. Quando o Haddad assume que é possível rever o reajuste, fica claro que o aumento foi enfiado goela abaixo, em clara defesa do lucro dos empresários do ramo. O PT perdeu contato com a realidade, com a sua própria realidade de partido que representa (ou deveria) os trabalhadores. O projeto da tarifa zero, diga-se de passagem, era da gestão petista de Erundina.
Essa indistinção, bem ao estilo dos porcos com os homens do epílogo da Revolução dos Bichos, de George Orwell, é a causa de uma parte do amorfismo dos protestos, mas que pode conduzir a desfechos completamente díspares: tudo ou nada. Ao fim e ao cabo, nos dois extremos, jazem a cidadania e a política.

Nenhum comentário: