quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Marina Silva e seu eleitorado

Marina Silva em Wall Street.

texto extraído do Conversa Afiada.

Com o programa econômico mais liberal entre todos, PV apresentou o novo centro, com roupagem “moderna”

Wladimir Safatle, Folha de S.Paulo, 4 de outubro de 2010

“Wall Street” é, entre outras coisas, o nome do novo filme do cineasta norte-americano Oliver Stone. Ele conta a história da crise financeira de 2008 tendo como personagem central um jovem especulador financeiro que parece ter algo semelhante ao que um dia se chamou pudor.

Sua grande preocupação é capitalizar uma empresa, que visa produzir energia ecologicamente limpa, dirigida por um professor de cabelos brancos e ar sábio. O jovem especulador é, muitas vezes, visto pelos seus pares como idealista. No entanto, ele sabe melhor que ninguém que, depois do estouro da bolha financeira, os mercados irão em direção à bolha verde. Mais do que idealista, ele sabe, antes dos outros, para onde o dinheiro corre. Enfim, seu pudor não precisa entrar em contradição com sua ganância.

Neste sentido, “Wall Street” foi feliz em descrever esta nova rearticulação entre agenda ecológica e mundo financeiro. Ela talvez nos explique um fenômeno político mundial que apareceu com toda força no Brasil: a transformação dos partidos verdes em novos partidos de centro e o abandono de suas antigas pautas de esquerda.

A tendência já tinha sido ditada na Europa. Hoje, o partido verde alemão prefere aliar-se aos conservadores da CDU (União Democrata-Cristã) do que fazer triangulações de esquerda com os sociais-democratas (SPD) e a esquerda (Die Linke). Quando estiveram no governo de Schroeder, eles abandonaram de bom grado a bandeira pacifista a fim de mandar tropas para o Afeganistão. Com o mesmo bom grado, eles ajudaram a desmontar o Estado do bem-estar social com leis de flexibilização do trabalho (como o pacote chamado de Hartz IV). Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes do partido verde francês, fez de tudo para viabilizar uma aliança com os centristas do Modem. Algo que soaria melhor para seus novos eleitores que frequentam as praças financeiras mundiais.

No Brasil, vimos a candidatura de Marina Silva impor-se como terceira via na política. Ela foi capaz de pegar um partido composto por personalidades do calibre de Zequinha Sarney e fazer acreditar que, com eles, um novo modo de fazer política está em vias de aparecer. Cobrando os outros candidatos por não ter um programa, ela conseguiu esconder que, de todos, seu programa era o economicamente mais liberal. O que não devia nos surpreender. Afinal, os verdes conservaram o que talvez havia de pior em maio de 68: um antiestatismo muitas vezes simplista enunciado em nome da crença na espontaneidade da sociedade civil.

Não é de se estranhar que este libertarianismo encontre, 40 anos depois, o liberalismo puro e duro. De fato, a ocupação do centro pelos verdes tem tudo para ficar. Ela vem a calhar para um eleitorado que um dia votou na esquerda, mas que gostaria de um discurso mais “moderno”. Um discurso menos centrado em conflitos de classe, problemas de redistribuição, precarização do trabalho e mais centrado em “nova aliança”, “visão integrada” e outros termos que parecem saídos de um manual de administrador de empresas zen. Alguns anos serão necessários para que a nova aliança se mostre como mais uma bolha.

VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP.



O texto é muito sagaz ao colocar a falaciosa "onda verde" em seu devido lugar: um sintoma do nosso tempo de despolitização da sociedade e de individualismo exarcebado.
A linguagem é típica dos famigerados livros de "gestão"... Nada mais vazio de conteúdo e ao mesmo tempo pomposo.

A utilização do jargão oriundo das escolas de bussiness mundo afora agrada à juventude urbana "pós-moderna" que cresceu ouvindo esse mesmo discurso na TV, nas revistas tipo Veja ou Exame e nos jornais. É um discurso que foi gramourizado pela mídia gorda ganhou os ouvidos da juventude pateta que estuda em escola particular de preferência de grife, para depois fazer medicina, direito ou engenharia nas universidades federais, como se isso fosse um direito inalienável de classe. A juventude que votou em Marina Silva é a mesma que protesta contra as cotas porque não se conforma em perder suas vagas por direito adquirido de classe, enche a pança de macdonalds, acha o MST demoníaco, e acha que o suprassumo da inteligência do país são as tiradas do CQC e o programa de debates do Lobão na MTV...


Um comentário:

Marco disse...

Excelente! A análise do texto é perfeita.

O texto em si tem um quê de desimportância, pois considera o voto nos verdes um voto consciente e ideológico. Não é bem essa a verdade. Nas eleições para o legislativo o PV só elegeu 17 federais (6 em São Paulo) e 37 estaduais. Se a análise for pormenorizada, resta evidente que esses candidatos são personalistas, pouco importando o partido que vestem no momento.
Não existe partido verde no Brasil. É só uma legenda de aluguel, dos neo-oportunistas.
Quem defende pautas ambientais no nosso país são os partidos de esquerda e extrema-esquerda. Os verdes estão preocupados apenas em ocupar escalões intermediários dos governos que fazem parte, como da prefeitura de São Paulo
A votação expressiva em Marina Silva se deve não a preocupações ecológicas ou similares. É fruto de mais profundo atraso com relação à separação do Estado e Igreja, além de outros preconceitos inconfessáveis contra o governo do "usurpador apedeuta" e da "guerrilheira assassina".
A própria Marina Silva, capitalizando votos sobre essa distorção, emudeceu-se. Não a julgarei apenas por essa situação, mas no caso ela foi de uma tremenda hipocrisia.

Sugiro que você passe o comentário para cima e deixe o texto por baixo, por uma questão de relevância para nosso debate.

Abraços,

Marco