Há 45 dias vivemos num outro país. Aquele Brasil da época da entrevista abaixo não existe mais.
Desde então a globo encenou um roteiro de golpe. Rapidamente cooptou o movimento passe livre, antes execrado por seus editoriais, no jornal e na televisão. Teve êxito em encobrir as eventuais críticas à sua cobertura - de cima de prédios e helicópteros. Usou a concessão pública do espectro eletro magnético para incitar e orientar - trajetos e procedimentos - os passos dos marcheteiros. No auge de sua influência conspiratória foi pega no contrapé, com a exposição de uma monstruosa sonegação (em valor de 2007, R$ 615 milhões), além do nebuloso sumiço processual, o que seria apenas a primeira sangria demonstrando as entranhas contaminadas pela corrupção que sua hipocrisia diz combater.
Nesse ínterim, o ministro Paulo Bernardo foi à revista Veja garantir que o oligopólio midiático não seria perturbado e que o governo sufocaria qualquer clamor pelo marco regulatório das comunicações com o falso argumento da afronta à liberdade de imprensa. Segundo o detrito sólido de maré baixa, é um ministro corajoso, que diz coisas razoáveis e acabará demitido por ser sensato demais. Unha e carne. Convergência de ideias e interesses. Logo abaixo, é desconfortável o fato da entrevista ter sido intermediada por Helena Chagas, secretária de comunicação social da presidência com preocupantes afinidades com o império globo, que se porta como papagaio de pirata da amena conversa.
Ao pandemônio das ruas, a presidenta retraiu-se, atônita. Foi consultar suas bases, aliados históricos e de última hora, seus asseclas, o oráculo e até traíras empoleirados no governo. Reagiu com a proposta de entregar a soberania popular na mão de quem de direito - o povo. Propôs uma constituinte exclusiva para tratar da reforma política e de como se daria a questionada representação popular nas instâncias governamentais. Foi obrigada a recuar (constituinte impossível, pugnou por um plebiscito) até ser derrotada miseravelmente pela oposição que se articula nas masmorras dos protestos visíveis e lucra politicamente com o desgaste da imagem institucional do governo e do país.
A crise da república está deflagrada; o clima de tensão, com desrespeito acintoso às instituições até outro dia consideradas sólidas, parece entrar numa espiral sem fim. Até prefeitos irresponsáveis e arrivistas se julgam no direito de vaiar a presidenta - que os comprometeu nos cinco pactos em favor do país. As centrais sindicais, inimigas fidagais, ajuntaram-se numa agenda
mínima que contempla a oposição à PEC 4330 (das terceirizações), bem como reivindica
jornada semanal de 40 horas, sem redução salarial e outros itens,
contestando ainda mais o frágil e contraditório mandato de Dilma
Roussef. O governo federal é o judas que cataliza todas as frustrações individuais e coletivas. O bode expiatório que purgará nossas mazelas.
Será que a presidenta continua ligada na globo?
A coluna tem o sugestivo nome "nhenhenhém".
Por Jorge Bastos Moreno
25/05/2013 11:03
Um dia depois de ser eleita a segunda mulher mais poderosa do mundo, a
presidente Dilma Rousseff revela uma inusitada frustração de dona de
casa — a de não ter um fogão para ela mesma preparar suas refeições
rápidas. O que hoje já é uma realidade na maioria dos lares de baixa
renda, para a presidente, não passa de um sonho: "Eu preciso ter um
fogão, urgentemente!".
Desconfio que, talvez, seja por isso que o governo esteja pensando em
lançar um novo e impactante projeto do Minha Casa Minha Vida, sobre o
qual estou impedido de falar, para não estragar a surpresa: o cartão de
crédito para a aquisição de móveis e eletrodomésticos. Pronto, falei.
Mas eu não soube disso pela presidente, e sim por fontes da área social.
Tudo
sobre o fogão e a constatação de que, se fosse mais nova e com filhos
pequenos, não conseguiria exercer em plenitude o cargo de presidente da
República, você vai saber agora, neste relato sobre meu encontro com a
Dilma:
Preocupado com as últimas semanas de estresse vividas pela
presidente Dilma, por causa do comportamento do PMDB da Câmara na
votação da MP dos Portos, levei para ela o livro "Te cuida!", do meu
cardiologista Cláudio Domênico. Expliquei-lhe que a obra enfatiza a
qualidade de vida como foco da moderna "medicina comportamental" e,
nesse sentido, inclui até a espiritualidade como elemento de vida
saudável, desde que não se sobreponha ao tratamento convencional. Ela
adorou e botou na bagagem para ler no avião, durante a viagem que está
fazendo à África.
— Que coincidência. Acabam de me recomendar
esse tipo de tratamento, a busca da medicina comportamental. Sugeriram
que eu tentasse algum tipo de concentração logo ao acordar, uma coisa
zen, desligando-me dos problemas. Você consegue me ver assim, desligada
de tudo, com tudo isso que acontece à minha volta?
Pronto, era a deixa de que eu precisava para entrar nos assuntos mundanos:
—
Realmente, não consigo imaginá-la levitando no meio desse barulho todo
do PMDB, do combate à inflação e da oposição lançando candidatos.
PALANQUES
Mas
a alegre presidente que estava à minha frente não queria saber de mais
problemas, além dos que já enfrenta dentro de casa. E não foi por falta
de insistência que ela deixou de falar de política e de economia. Dilma,
habilmente, fugiu de todos os assuntos relacionados às eleições de
2014. E eu não sou suficientemente idiota para pressioná-la a falar de
sucessão presidencial, na hora do expediente, dentro do gabinete
presidencial. Não sou, repito, suficientemente, apenas razoavelmente:
tentei falar das eleições dos outros, ou seja, das dos candidatos a
governadores. Mas nem por aí consegui arrancar nada, a não ser o
reconhecimento de que a disputa entre o PT e o PMDB em alguns estados é o
mais grave da aliança. Como eu vinha de um almoço com o seu
vice-presidente, que estava muito animado, apostando que, à exceção
deste osso de pescoço que é o Rio, as demais brigas estaduais não
deverão afetar a eleição principal, provoquei:
— O seu vice diz
que todos os governadores do PMDB em litígio com o PT repetem "Michel,
aconteça o que acontecer, nosso palanque é seu e da Dilma". Isso mostra a
segurança dele em relação à preservação da aliança, com a mesma chapa.
Existe algum risco ou isso é matéria vencida?
— É matéria vencida! — limitou-se a responder a presidente.
SAUDADE DO AROUCHE
É
necessário situar o leitor sobre o clima e as circunstâncias em que fui
recebido pela chefa da Nação, no seu gabinete no Palácio do Planalto.
Uma quinta-feira muito movimentada pelo fim da novela da nomeação — ufa!
— do novo ministro do Supremo e por outras questões importantes, fui
recebido quase duas horas antes da viagem da Dilma à Etiópia. Recebeu-me
assim:
— Sinta-se um privilegiado! Fiz de tudo para encaixá-lo na agenda!
Não deixei por menos:
— E eu que tive que encurtar uma conversa com a Carolina Dieckmann para estar aqui!
— Nossa! Você abandonou a bela Carolina Dieckmann por minha causa e da ministra Helena?
— As senhoras merecem!
E aí entramos no nosso assunto favorito: televisão.
A presidente contou que se diverte revendo o "Sai de baixo", no canal Viva:
—
É meu programa favorito. Sei os horários todos. Vejo e ainda gravo. E
fico torcendo para que o episódio da semana seja um daqueles antológicos
que nunca saíram da minha memória. Vendo o "Sai de baixo", depois de
ter visto a Adriana Esteves em "Avenida Brasil", é que a gente tem a
dimensão da genialidade dessa atriz.
Dilma explica por que Viva é o seu canal favorito:
—
Porque nesse canal revejo também os personagens do Jô Soares no "Viva o
Gordo". Todos os personagens do Jô eram ótimos, mas eu me divertia com
os Bombeiros Encanadores. Eram ele e o seu companheiro Jefferson, feito
por aquele outro humorista sensacional, um moreno, de cujo nome não me
lembro agora.
— É o Eliezer Motta — socorri.
A presidente manifesta o desejo de um dia poder ter um encontro descontraído com esses ídolos da televisão:
—
Esse encontro tem que ter as duas Fernandas, mãe e filha. A Fernanda
Torres tem um texto inteligente, maravilhoso. É uma excelente cronista.
Gosto de ler seus artigos em jornais e revistas. Como atriz, nem se
fala.
FERNANDINHA COR DE ABÓBORA
Não desisto e tento inserir política na pauta:
—
Concordo com a senhora de que a Fernanda Torres tem um dos melhores
textos da mídia brasileira, tanto que vivo fazendo campanha para ela
entrar para a Academia Brasileira de Letras. E agora vem esse Fernando
Henrique atrapalhar meus planos.
Dilma finge que não ouviu esse último nome e continua falando da atriz:
—
E a Fernanda Torres está impagável neste que acho um dos melhores
programas da televisão brasileira, o "Tapas e beijos". Eu me divirto
muito com ela e com a outra sensacional atriz que é a Andréa Beltrão. E
aquele uniforme das duas, cor de abóbora, se não me engano?!Ã
CORAÇÃO DE MÃEZONA
Sobre
novelas, Dilma, já sobre a estreante "Amor à vida", acredita que o
drama da personagem de Paola Oliveira em busca da sua filha tem tudo
para comover os telespectadores. E foi nesse momento, citando a forte
relação entre mães e filhos, que a presidente fez esta reflexão:
—
Tenho a certeza de que, se fosse mais nova e tivesse filhos pequenos ou
adolescentes, eu não conseguiria exercer em plenitude a presidência da
República. Por exemplo, estou embarcando agora para a Etiópia. Se, na
minha ausência, acontecesse qualquer coisa com um filho pequeno, eu
abandonaria tudo e voltaria correndo. O sentimento materno é muito maior
do que qualquer outra coisa. Graças a Deus, tenho uma filha adulta,
independente, responsável, capaz de enfrentar qualquer adversidade na
minha ausência.
— E o seu neto, Gabriel?
— Aí eu me
enlouqueceria! Se bem que não tiro o poder da mãe. Não sou uma avó
possessiva, dessas que tentam invadir o espaço da mãe. Minha filha é uma
mãe muito responsável. Ela sabe cuidar do meu neto melhor que eu.
ELOGIO INSULTUOSO
Procuro outro caminho torto de voltar ao tema político e finjo constrangimento:
—
Para mim, a melhor definição do papel dos avós foi feita por personagem
que não deve ser citável neste gabinete: o José Serra. Diz que avós só
estragam os netos porque têm certeza de que os pais estão aí para
consertá-los.
A reação é surpreendente:
— E quem falou
para o senhor que José Serra não pode ser citado aqui? Não é porque ele
foi meu adversário na eleição que eu vou deixar de reconhecer sua
importância, sua inteligência! Posso discordar, como discordo, do Serra,
mas não deixo de reconhecer sua capacidade, sua inteligência.
(Meu
Deus! Como Serra reclama até de nota a favor, certamente vai pedir
direito de resposta para o insultuoso elogio presidencial. Para ele, que
não ouve uma palavra amiga do Aécio, ser elogiado pela Dilma é quase
humilhação).
Indago se, quando sua única filha, Paula, era criança, ela tinha algum sentimento de culpa, por trocá-la pelo trabalho.
—
E como!!! Mas esse sentimento não era exclusividade minha já naquela
época em que a mulher começava a assumir e se impor em funções
executivas. Nos dias de hoje, nem se fala! É coisa cultural, normal, a
presença maciça da mulher no mercado de trabalho. Por mais que a mãe
monte uma infraestrutura para os filhos, durante as horas em que passa
no trabalho, por mais amor e carinho que tenha por eles, o sentimento de
culpa sempre vai existir. Ele é inevitável.
FOME MADRUGADORA
Na
verdade, eu deveria ter começado o relato sobre a conversa com a Dilma
compartilhando com vocês o grande drama que vive a nossa presidente da
República e que foi o motivo principal da minha convocação ao Palácio.
A gente pensa que vida de presidente da República é fácil, cheio de mordomias.
Ledo engano!
É pior que a nossa. Pelo menos da minha e de milhares de brasileiros que, como a Dilma, costumam sentir fome de madrugada:
—
Eu preciso de um fogão, urgentemente. Mas não querem me dar um fogão. A
cozinha fica muito longe dos meus aposentos. Às vezes, quero comer um
omelete, um mexido. E não tenho fogão.
Eu quis saber:
— Por que não botam um fogão mais perto da senhora?
— Alegam que é por segurança e, também, por falta de exaustores.
— Micro-ondas pode ser uma solução — sugeri.
A presidente rebate:
— Nem pensar. Eu quero fazer minha própria comida quando eu tiver fome à noite.
Não resisti:
—
Com todo o respeito, presidente. Mas a sua fama na cozinha é péssima.
Suas colegas de prisão que faziam rodízio com a senhora no fogão dizem
que seus mexidos eram horrorosos. Que nem salada a senhora sabia fazer:
ralava os legumes crus e jogava um em cima do outro, botava um litro de
limão e salgava tudo.
E ela:
— Já até sei quem te falou.
Ela não deixa de ter razão. No início, eu cozinhava mal. Depois fui
aprendendo. Aprendi a fazer molho branco, cozinhar os legumes, fazer
arroz direitinho. Hoje cozinho bem, mas nem tanto quanto a sua chef, mas
dá para o gasto.
— E a senhora cozinhava só para as suas colegas de cela?
—
Eu cozinhava para 20 a 25 pessoas. Claro que tinha gente que cozinhava
melhor que eu. Mas, por exemplo, a minha sopa de beterraba era
imbatível.
TORCEDORA COMPULSIVA
Sobre
Copa do Mundo, perguntei-lhe qual estádio desses que estão prontos é o
mais bonito. Dilma respondeu que não só ela, mas os dirigentes da Fifa e
as pessoas envolvidas com a Copa acham que, por fora, o mais lindo é o
de Brasília, mas reconhece:
— Por dentro, é o Maracanã. Mas os de Salvador, Recife e de outras capitais são muito bonitos também.
E, sem querer, a presidente bota a bola nos meus pés para eu fazer o golaço da conversa:
—
Em Recife, o jogo foi entre dois times de operários. Eu não posso ver
um jogo que acabo escolhendo logo um time para torcer. Quando me dei
conta, já estava torcendo para um deles.
Não tive dúvidas e chutei a bola:
— Aposto que a senhora torceu para o time que não era o do Eduardo Campos.
Depois
da resposta que tive, só me restou encerrar a conversa e partir para o
abraço. Com um sorriso nos lábios, Dilma pensou, pensou e disse:
—
Olha, para dizer a verdade, nem reparei para que time o governador
Eduardo Campos estava torcendo. Se é que ele torceu por alguém.