quarta-feira, 31 de julho de 2013

CRÍTICA DA CRÍTICA CRÍTICA*

A notícia da semana é o relatório divulgado pelo PNUD, o programa da ONU para o desenvolvimento, que mostra uma espantosa melhora nos indicadores sociais brasileiros. Não me alongarei nas análises. Apenas duas observações:

1.ª Estamos no caminho certo;

2.ª É uma injeção de ânimo nos corações que aspiram um país melhor.

Muitos acusam o governo de maquiar dados para obter um quadro melhor que o da vida real, com fins eleitoreiros. O estudo é chancelado pela ONU, e não pelo governo brasileiro. Assim, só se a ONU tivesse interesse na manutenção de um governo petista isso faria sentido.

Tenho certeza que respeitados analistas, os que deformam a opinião dos "formadores de opinião", estariam com esse argumento na ponta da língua caso Lula fosse secretário geral do ONU. No link abaixo, a discussão dos resultados, feita com propriedade pelo IPEA.


Depois, essa página mostra por munícipio as três dimensões da pesquisa: a oportunidade de viver uma vida longa e saudável (longevidade), ter acesso a conhecimento (educação) e ter um padrão de vida que garanta as necessidades básicas (renda). 


Mas nem tudo são flores.

Como salientou Márcio Pochman, o índice foi criado no auge do neoliberalismo, e hoje vivemos o momento de questionar os legados sociais e econômicos desta doutrina. Pochman entende que a metodologia do índice deveria ser aprofundada, outros indicadores deveriam ser considerados além dos atuais, permitindo um panorama mais complexo dos municípios e países. Como é feito, assemelha-se a medir a temperatura de dois braços do indivíduo, um no congelador e outro no forno. Somam-se as temperaturas dos dois braços/grupos (mais ricos e mais pobres) e a média produz um resultado distorcido.

Mas tão espantosa quanto a progressão brasileira, é a saraivada de críticas que se lê nos portais do PIG, notadamente no UOL. Como sempre, as notícias positivas logo saem das manchetes, substituídas por reportagens centradas em conjunções adversativas: melhorou, reconhecemos quase que num sussurro, MAS ainda está atrás da Argentina; PORÉM a inflação está galopante;  CONTUDO faltam escolas e hospitais; ENTRETANTO a corrupção grassa; TODAVIA os petralhas estão no poder; NÃO OBSTANTE, é capaz do Genoíno morrer antes de ir para a cadeia (o link, hospedado nos domínios da UOL, diz ser uma "notícia boa").

Nos comentários, o rancor que é apregoado na editoria aparece sem disfarces. O ódio de classe mostra que vivemos a léguas da falada "democracia racial". Têm a pachorra de dizer que a desigualdade aumentou para invalidar a conquista. Tudo é motivo para não admitir que melhoramos, um ranço que enoja o estômago não acostumado. Infelizmente já vimos tantas bestas-feras estumadas pela mídia grunhir contra o bolsa família e as cotas sociais e raciais, vibrar com o câncer do Lula, com as derrotas políticas do PT, com a possibilidade de fracasso em eventos protagonizados pelo Brasil, que ficamos com o couro grosso.

Hoje, a feroz oposição a política de inclusão social vai além da famosa figura de chafurdar na lama. Isso seria altamente ofensivo aos suínos. Chegaram ao fundo do poço mas não se conformam, e na sua absurda falta de visão revolvem a terra com as próprias unhas, escavando sua indigência moral a uma baixeza sem precedentes.


* É o subtítulo de "A Sagrada Família", escrito por Marx e Engels. No livro, os autores se opunham ao pensamento dominante em Berlin à época, preconizado por determinada filosofia (uma reinterpretação casuística de Hegel) que conduzia necessariamente a uma política liberal e elitista. Marx denuncia o humanismo abstrato dos intelectuais: "A classe possuidora e a classe proletária representam a mesma alienação humana. Mas a primeira sente-se à vontade nesta alienação; encontra nela uma confirmação, reconhece nesta alienação de si o seu próprio poder e possui nela a aparência de uma existência humana; a segunda sente-se aniquilada nesta alienação, vê nela a sua impotência e a realidade de uma existência inumana". A polêmica era travada contra os irmãos Bauer - Bruno (que foi professor de Marx) e Edgar -, e seus consortes, que alimentavam essa ideologia através do periódico "Gazeta Geral Literária".

domingo, 28 de julho de 2013

7 ÚLTIMOS DIAS EM 7 TEMAS

Queria falar de muita coisa.
As pautas acabam se atropelando.
Não dá tempo para um texto coeso, que aborde todos os assuntos.
Por isso, vou pingar alguns tópicos.
As idéias não estão acabadas.
Seriam muito melhor desenvolvidas com comentários.

“Ainda não tinha aprendido o quanto a natureza humana é contraditória; não sabia quanta hipocrisia existe nas pessoas sinceras, quanta baixeza existe nos nobres de espírito, nem quanta bondade existe nos maus.”
William Somerset Maughan

1. Domingo passado, escrevi que o brasileiro foi um povo bem humorado. Hoje, o Conversa Afiada publica um artigo de uma leitora que tem a mesma impressão: tem saudade do carioca irreverente, meio ateu, meio de esquerda e totalmente sacana. Agora, tudo carola, piegas, um horror. E a responsável por essa mutação é a Globo. E conclui: caparam o brasileiro!


2. Veio à tona o assunto democracia direta. Que muito me interessa, ao menos em termos acadêmicos. Só que essa nunca foi a pauta das manifestações. Ela apareceu na reação da presidenta da república que, tão questionada nas ruas por elementos conspiradores e idiotas açulados pelo PIG, propôs uma Assembleia Constituinte específica para se fazer a reforma política.
Quem sabe aí não se elegeriam os políticos não contaminados pela corrupção que permeia a sociedade?
Quem sabe daí não surgiria um modelo representativo mais próximo do cidadão, e que criasse barreiras para que o poder econômico não influenciasse tanto as decisões políticas?
Na verdade, esses caras não querem nada disso. O caldo cultural que os cobre é feito de golpismo, antipetismo, frustrações individuais, alienação e ressentimento elitista contra as tentativas de inclusão dos carentes. Em doses heterogêneas. É o povo que não vota, ou que vota nulo. Passa o tempo vendo a Globo e, de repente, se indigna "contra tudo o que está aí".

"A hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude"
La Rochefoucauld

3. Drauzio Varella se exaspera com a pressão pelo veto ao projeto de assistência às vítimas de estupro. O lobby pelo veto é capitaneado pelo Mov. Pró-Vida, que que teve mais de 19 milhões de panfletos apreendidos na campanha de 2010, por associar à aprovação do aborto a então candidata Dilma.
Agora, eles recorrem à tática da chantagem: "As consequências chegarão à militância pró-vida causando grande atrito e desgaste para Vossa Excelência, senhora presidente, que prometeu em sua campanha eleitoral nada fazer para instaurar o aborto em nosso país".
Se a filha de um desses dignos lobistas for estuprada, receberá atendimento em clínica especializada, e realizará o aborto, na surdina.
Mas mulher pobre, se estuprada, é condenada a dar a luz ao fruto de um desgraçado ato de ódio, para que cresça num péssimo ambiente, com péssimas condições, perpetuando o ciclo da miséria moral e financeira.
Nasce mais um estuprador, pela lei de talião, aquela do olho por olho, dente por dente.
Aí, cúmulo da hipocrisia, os vetustos senhores do Mov. Pro-Vida, que ameaçam a presidenta agora, se convertem em Mov. Pro-Morte, e se tornam ferrenhos defensores da pena de morte.

4. Novamente Dilma dá uma entrevista exclusiva a órgão do PIG, desta vez a Folha. De novo? Assim como célebre entrevista a Patrícia Poeta? Ou os omeletes com Ana Maria Braga? Ou o pedido de um fogão a Jorge Bastos Moreno?
Concordo com o Tijolaço. Em outra conjuntura, a entrevista mostraria uma presidenta segura, focada, consciente dos rumos do seu governo e capaz de administrá-lo. Hoje porém, é insuficiente. Respondeu exatamente o que interessava à repórter e à empresa que lhe paga com a firmeza peculiar, mas não revelou as causas germinais do porquê das críticas que vem recebendo.
Não há mais espaço para o modelo de contemporização que o PT optou por seguir na presidência, com Lula e com Dilma. Estou acompanhado nessa opinião. Escrevi isso quando comentei a intenção do Lula de levar adiante o debate da regulação dos meios de comunicação. E no melhor trecho da entrevista, para mim, Dilma foi certeira quando afirmou que não se trata de regular o conteúdo, e sim o negócio. Trocando em miúdos, a Globo pode continuar sua campanha insidiosa, mas tem que pagar os impostos.

"Foge por um instante do homem irado, mas foge sempre do hipócrita".
Confúcio

5. Considero esta manchete e sua introdução tão conclusiva que apenas mencionarei, direto do portal Brasil 247: Terror midiático naufraga diante da realidade
"Programas oficiais como Bolsa-família, Enem e Mais Médicos, o regime de pleno emprego e o controle da inflação já foram, um a um, dinamitados, antecipadamente, pela mídia tradicional; ao que se pode ler nos últimos meses em revistas como Veja, Exame e Época, fracasso de todas as principais iniciativas do governo Dilma, sem exceção, era líquido e certo; na vida real, porém, quadro é outro: inflação de junho foi de 0,07%, Mais Médicos bateu metas, Enem superou recordes, Bolsa-família é copiado mundialmente e estádios que Veja previu para 2038 já foram entregues e estão em uso; até aposta em que se cantaria o Hino Nacional de costas, na Copa das Confederações, deu errado, assim como a do apagão de energia; mídia vai se emendar?"

6. Tenho acompanhado com grande curiosidade a saga de Paulo Henrique Amorim na defesa de Joaquim Barbosa. Ele tem sincera expectativa que o condenador maluco vá legitimar a Satiagraha e o Mensalão do PSDB. PHA não aceita que ele seja um Torquemada discricionário, e imagina que sua sanha punitiva não escolha alvos.
Ele já errou e se arrependeu com Ayres Britto. Disse que era o presidente do supremo que abriria as janelas da casa, para a entrada de sol e ar, depois do tenebroso mandato de Gilmar Mendes. Por fim, Ayres Britto se revelou mais do mesmo, e foi convertido pelo próprio PHA no "Big Ben de Propriá", aquele que marcou a condenação do José Dirceu para o exato momento do segundo turno das eleições de 2012.
Me divirto com esses apelidos que ele cria. Mas não tenho nenhuma esperança no poder judiciário. É sem dúvida o mais corrupto dos três. Os mecanismos que impedem os bons juízes de se destacarem e ocuparem cargos importantes são insuperáveis. Meu raciocínio vai na mesma linha do Bresser Pereira: "As democracias se caracterizam pelo equilíbrio de Poderes, mas isso não significa que os três tenham a mesma importância. O Legislativo é o Poder democrático por excelência, e cabe a ele a palavra final em todas as questões, através das emendas. Entretanto, o que vemos no Brasil é o Judiciário -- Poder burocrático por excelência -- tentar assumir essa posição, o que é inaceitável do ponto de vista da democracia".

"Nenhum homem é hipócrita nos seus prazeres."
Albert Camus

7. Ufa, finalizando. E o propinoduto tucano? Quando se fala em milhões, bilhões de dinheiro, quantidade que a pessoa normal nunca viu, importam mais as caras e bocas de quem dá o alarme do que as grandezas matemáticas. Quando o Bonner faz aquele ar grave e diz que o mensalão foi o maior escândalo da história política do país, movimentando 55 milhões de reais, as pessoas sentem calafrios.
Mas quando omite que o governo de São Paulo desfalcou sua população em 425 milhões (em contas preliminares) no desvio de verbas do metrô, a coisa não parece tão grave assim.
E como diz o amigo Mello, é um vexame, mas compreensível. A promiscuidade em que convivem tucanos e mídia golpista os retira completamente dos limites do bom senso. A revista Istoé, pela segunda semana consecutiva, demonstra o esquema de superfaturamento denunciado pela Siemens. Na Folha e na Globo? Necas de pitibiriba.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

AFINIDADES INTELECTUAIS

Tenho pouco ou nada a dizer sobre a visita papal. Sou indiferente à igreja católica. Li o suficiente sobre as barbaridades cometidas sob a insígnia da cruz, mas fui criado num clima de plena liberdade religiosa. Logo, não alimentei nenhuma neura. Não me submeto à autoridade papal, e penso que sua mensagem não diz grande coisa. Nem objetivamente, pois as "soluções" que a igreja propõe para os problemas mundanos são análogas às de Marco Feliciano; nem subjetivamente, no campo da espiritualidade, pois não me satisfazem os dogmas, a ritualística e as crenças católicas. O exemplo de simplicidade e comedimento deste D. Jorge Bergoglio, que poderia ser saudável numa análise preliminar, não resiste à hipocrisia de uma igreja que concentra tanta renda e poder nos seus domínios.

Nota da minha esposa: queixam-se, amiúde, da recepção do papa pela presidenta Dilma e sua conotação política. Quem eles queriam como cicerone do chefe do Estado do Vaticano? Quem faria as honras da casa? Os revoltosos, com coquetéis molotov à mão? Ou a própria Globo, na figura de Patrícia Poeta?

Minha nota: talvez tenham saudade do presidente ateu FHC.

 

À falta de assunto pensei em comentar o clamor do Lula em democratizar a mídia. Agora, depois de dez anos de suplício masoquista para ele e para a militância que o defende!?. Daí, depreende-se que, apesar de logicamente concordar com a proposta, o tom da minha intervenção seria crítico, por não suportar a morosidade com que a ideia ganha vulto. Desde 2003, o PT tem evitado o confronto e adulado a classe média. Nas passeatas, foi claro o receio do partido em se opor ao quebra-quebra. Contudo, o cenário se alterou drasticamente, e a manutenção desta estratégia é impossível ou suicida: a peleja está deflagrada e a classe média estumada pela Globo espuma de raiva à simples menção da sigla. Democratizar a mídia significa esgotar a capacidade de manipulação da Globo. O Brasil está amordaçado, e não cresce mais porque é refém da Globo. Por mim, se a Globo se sujeitasse às normas legais e constitucionais como qualquer pessoa - física e jurídica - os outros integrantes do PIG não fariam diferença, permanecendo como estão sob o cinico verniz da pluralidade de imprensa.

...

Com o passar dos anos, vamos criando afinidades intelectuais. Entre os pensadores que coloco no meu rol de influências está Wanderley Guilherme dos Santos. Nunca escreveria como ele, mas o índice de concordância com suas opiniões é altíssimo. Em 19 de junho, disse que o amorfismo dos protestos poderia conduzir a desfechos díspares: tudo, que nesse caso significava o golpe (a tomada do poder), ou nada, que não significa nada mesmo (ou melhor, é a negação de tudo). Eis que hoje o professor publica um magistral comentário com quatro parágrafos denominado: O futuro do atual levante niilista.

É uma ideia simples, mas tem que ser externada: assim como a máfia não pode reivindicar garantias jurídicas, como o direito de ir e vir e de associação, para perpetrar seus crimes, a turba que sai às ruas não tem a prerrogativa de atacar os ícones materiais e institucionais do país, além de interditar e ofender seus "adversários", sob a manjedoura do ordenamento jurídico e a conivência do Estado que pretendem destruir. Por um lado, credita-se o absurdo a uma confusão de conceitos; por outro, percebe-se o ímpeto de uma juventude que não tardará em arrepender-se como nossos mais empedernidos ex-esquerdistas.

O professor dá uma aula sobre democracia ateniense (eu sempre uso o argumento de que se tratava de uma sociedade desonerada do trabalho por causa de escravidão). Ele enfoca outra perspectiva: para todo direito implica um dever. Na democracia ateniense, a responsabilidade sobre uma deliberação poderia conduzir seu proponente ao confisco, exílio e até morte, bem diferente da postura "contra tudo o que está aí" das manifestações "pacíficas", transmitidas em tempo real.

Ao fim e ao cabo, os coxinhas legarão somente o recrudescimento do discurso sectário, carreado por ódio e mesquinhez. Com inquietação envergonhada, num breve futuro, buscarão ocultar a participação na massa de manobra tal qual uma mancha curricular, assim como as madalenas do maio de 68, "... cuja inconsequência história (e volta dos conservadores) é discretamente omitida..." das biografias.

O mestre conclui com um tiro no coração do golpe: os levantes são permeados por uma energia destrutiva, sem condições de gerar algo positivo. O caráter ingênuo dos marcheteiros até esconde os que orquestram a baderna e as depredações, os "cérebros do niilismo juvenil", que via facebook arregimentam aliados para novas confrontações, tomando o lugar de seus ascendentes, que com sorriso no rosto e uma ponta de orgulho, assistem a tudo pela Globo News no conforto de suas mansões, sejam no Leblon, sejam nos Jardins.

 

Enviado por on 25/07/2013 – 6:00 am


Regras democráticas e direitos constitucionais não transferem suas virtudes às ações que os reivindicam como garantia. Máfias e cartéis econômicos também são organizações voluntárias e nem por isso o que perpetram encontra refúgio na teoria democrática ou em dispositivos da Constituição. Esgueirar-se entre névoas para assaltar pessoas ou residências não ilustra nenhum direito de ir e vir, assim como sitiar pessoas físicas ou jurídicas em pleno gozo de prerrogativas civis, políticas e sociais, ofendendo-as sistematicamente, nem de longe significa usufruir dos direitos de agrupamento e expressão. Parte dos rapazes e moças que atende ao chamamento niilista confunde conceitos, parte exaure a libido romântica na entrega dos corpos ao martírio dos jatos de pimenta, parte acredita que está escrevendo portentoso capítulo revolucionário. São estes os subconjuntos da boa fé mobilizada. Destinados à frustração adulta.

É falsa a sugestão de que se aproximam de uma democracia direta ou ateniense da idade clássica. Essa é a versão de jornalistas semi-cultos que ignoram como funcionaria uma democracia direta e que crêem na versão popularesca de que Atenas era governada pelo Ágora – uma espécie de Largo da Candelária repleto de mascarados e encapuzados trajando luto. Os Ágoras só tratavam de assuntos locais de cada uma das dez tribos atenienses. Em outras três instituições eram resolvidos os assuntos gerais da cidade, entre elas a Pnyx, que acolhia os primeiros seis mil atenienses homens que lá chegassem. Ali falava quem desejasse, apresentassem as propostas que bem houvessem e votos eram tomados. Os nomes dos proponentes, porém, ficavam registrados e um conselho posterior avaliava se o que foi aprovado fez bem ou mal à cidade. Se mal, seu proponente original era julgado, podendo ser condenado ao confisco de bens, exílio ou morte. A idéia de democracia direta como entrudo, confete e um cheirinho da loló é criação de analistas brasileiros.

As cicatrizes que conquistarem nos embates que buscam não semearão, metaforicamente, sequer a recompensa de despertar o País para a luta contra uma ditadura (pois inexistente), apesar de derrotados, torturados e mortos – reconhecimento recebido pelos jovens da rebelião armada da década de 70. Estão esses moços de atual boa fé, ao contrário, alimentando o monstro do fanatismo e da intolerância e ninguém os aplaudirá, no futuro, pelo ódio que agora cultivam, menos ainda pelas ruínas que conseguirem fabricar. Muito provavelmente buscarão esconder, em décadas vindouras, este presente que será o passado de que disporão. Arrependidos muitos, como vários dos participantes do maio de 68, francês, cuja inconseqüência histórica (e volta dos conservadores) é discretamente omitida nos panegíricos.

Revolução? – Esqueçam. Das idéias, táticas e projetos que difundem não surgirá uma, uma só, instituição política decente, democrática ou justa. Não é essa a raiz dessa energia que os velhotes têm medo de contrariar. É uma enorme torrente de energia, sem dúvida, mas é destrutiva tão somente. E mais: não deseja, expressamente, construir nada. Sob cartolinas e vocalizações caricaturais não se abrigam senão balbucios, gagueira argumentativa e proclamações irracionais. Os cérebros do niilismo juvenil sabem que não passam de peões, certamente alguns muitíssimo bem pagos, talvez em casa, a atrair bispos, cavalos e torres para jornadas de maior fôlego. Afinal, os principais operadores da ordem que se presumem capazes de substituir são seus pais e avós. Em cujas mansões se escondem, no Leblon e nos Jardins.

domingo, 21 de julho de 2013

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

Domingo é um dia propício a recordações e melancolia. Nesse estado de ânimo, participei de um bate-papo sobre um assunto em essência "capitalista", mas que ainda me atrai: carros antigos. E dessa conversa surgiram algumas divagações...

O brasileiro ERA um povo bem humorado. Os carros tinham apelido. O garboso SIMCA Chambord, por exemplo, recebeu a alcunha de "Belo Antonio", graças ao filme estrelado por Marcello Mastroianni, que fazia o papel de um galã que na hora H não correspondia. Assim era o carro: bonito, bem acabado, com itens de conforto jamais pensados pelo consumidor brasileiro, mas com desempenho pífio, que frustrava expectativas. A empresa reformulou várias vezes o conjunto mecânico, mas não teve jeito: o apelido pegou.



Outro exemplo foi o Volkswagen 1600 Sedan. O automóvel, que foi fabricado menos de três anos (meados de 68-70), teve boa aceitação, com quase 25.000 unidades vendidas. Mesmo assim, não atendeu aos anseios da empresa, que focava o segmento de carros médios. O Zé do Caixão, contudo, se tornou o queridinho dos taxistas, rebaixando o status almejado pela Volkswagen. Meses antes do seu lançamento, o cineasta hoje cult José Mojica Marins havia lançado um dos seus filmes trash: "O estranho mundo de Zé do Caixão". Tal denominação, ainda que contivesse boa dose de simpatia, acabou por abalar ainda mais o prestígio do veículo.
Ainda tinha o Renault Dauphine, chamado de leite glória, em referência ao comercial de leite em pó da época, aquele que "desmancha antes de bater". E outros.

No futebol então, os exemplos são incontáveis. Além dos jogadores se apresentarem ao público com apelidos - Pelé, Garrincha, Tostão, Didi, Zito, Pepe - recebiam outras alcunhas na crônica esportiva que os consagravam. Rivellino era o reizinho do parque; Ademir da Guia, o divino; Gerson, o canhotinha de ouro; Joel Camargo, o açucareiro. E por aí vai...

Hoje, nomes insossos. Automotivos e futebolísticos. O que significa um carro chamar HB20? E os nomes compostos dos atletas? Chegou-se ao cúmulo da escalação da zaga brasileira ter 10 palavras: Julio Cesar; Daniel Alves, Thiago Silva, David Luiz e Felipe Luís. Nem o David Luiz, com aquele espanador na cabeça, recebeu um cognome que fosse...

Tempos politicamente corretos, da importação de costumes, tanto dos sisudos europeus quanto dos práticos americanos. Afirmações corretas, porém superficiais. Houve algo mais profundo, que feriu de morte a alegria brasileira. E a falta de alegria é sinônimo da falta de amor. E falta de amor é terreno fértil para propagação do ódio.

Sem respostas conclusivas, acrescento aí o papel da mídia, que ficou bem claro mês passado. Como escreveu Hildegard Angel, "Fomentado pela grande mídia, o ódio da classe média manifesta-se nas mídias sociais, nas ruas, nas cartas aos jornais, nos bares, nas conversas."

A colunista enfiou o dedo na ferida:

"Tanto fizeram, tanto insistiram, numa campanha de tal forma poderosa, insidiosa, obsessiva, continuada, que conseguiram chegar ao cenário que pretendiam: o país desmoralizado internacionalmente, a presidenta impopular, a economia em queda, manifestações nas ruas.
Cegos, imprevidentes, imprudentes, os donos desta mídia, os membros desta sigla, PIG – de Partido da Imprensa Golpista – acabam por dar o Golpe neles próprios, pois a primeira vítima é ela mesma, a mídia, que acendeu o fósforo, mas quem jogou a gasolina foi o Facebook, foi o Google. Só então a grande e forte mídia brasileira percebeu o quão é pequena e frágil, uma formiguinha, perto das redes sociais.
E deu no que deu: para cobrir as manifestações, só com os repórteres no alto dos prédios, dialogando com os cinegrafistas no alto dos helicópteros. Se chegassem às ruas, eram escorraçados, enxovalhados, linchados. Os microfones, pelados: não podiam exibir logomarca de emissora."

Aproveitando-se do vácuo cultural criado na ditadura militar, a mídia instigou as piores neuras no seu público. Os programas policiais, as páginas que quando retorcidas gotejam sangue, o enfoque na desgraça, tudo isso se alastrou. A ênfase no que há de pior na humanidade assumiu o papel da crítica, que além de proibida pelos milicos se transformou em motivo de tristeza e tragédia, como na família da própria Hildegard Angel.  A verdadeira crítica, instrumento intelectual poderoso regrediu ao complexo de vira latas até no futebol, na recente copa das confederações, sucesso esportivo e comercial, ofuscado pela avalanche de protestos.

Mas voltando ao nosso tema, diz o vanguardista que prefere a eficiência do IX35 ao esbanjamento dos Dojões; a produtividade do Leandro Damião ante o carisma do Fio Maravilha. Sei não. Duvido que Jorge Benjor faria músicas para Fellype Gabriel, Renato Abreu e Bruno César. Mas concordo que aprendemos algo: a andar para trás. Moderno, mas não me agrada.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

MÉDICOS E MONSTROS

Se você chegou até aqui, provavelmente já leu muita coisa a respeito do programa Mais Médicos, do governo federal. Logo, não é o caso de explicar do que se trata. Esse link aqui é exaustivo no assunto.

A grita contrária apenas reflete, mais uma vez, a falta de ética de nossa elite em negar (ou tentar) ao povo a ascensão a padrões mínimos da dignidade. Esses "protestos" têm a mesma genética mesquinha das ofensas ao bolsa-família, à política de cotas nas Universidades, ou à extensão dos direitos trabalhistas às domésticas (EC-72). Estudantes de medicina advém das famílias mais ricas do país, e não se submetem às necessidades do país (atender nas regiões desassistidas). Quem é do interior sabe que está na raiz do clientelismo o fato de não haver médicos, nem hospitais, proporcionando o surgimento de "benfeitores", que carregam os enfermos para as capitais, lotando ainda mais os caóticos pronto-socorros e leitos do SUS, para depois cobrarem votos em gratidão.

Vou me prender a dois aspectos que não tiveram maior repercussão. Alguns blogs trouxeram à tona, é verdade, mas o PIG que os noticiou também os empurrou para debaixo do tapete:

1. Saiu no G1. O programa Mais Médicos, extensivo a brasileiros (prioritariamente) e estrangeiros, dispensará o exame "Revalida", que testa os conhecimentos do médico graduado fora do país. O argumento é que se o profissional se sujeita à prova, pode escolher o local onde preferir a atuar e interessa ao programa do governo levar médicos ao interior e periferias das grandes cidades, onde são ausentes.

Sabe qual nacionalidade lidera o número de aprovações no Revalida nos anos de 2011 e 2012? Sim... Venezuela! Seguida por Cuba, de onde, segundo a burguesia raivosa, viriam guerrilheiros comunistas e profissionais de pajelança e curandeirismo.

Resta evidente que os médicos estão sendo usados com fins eleitoreiros. A classe não suporta o declínio do status e o fim da autoridade do jaleco, caindo na dura realidade de ser mais uma categoria assalariada. E acaba como joguete com a manipulação e distorção do programa, como se fosse prejudicial aos que estão trabalhando. Faltam mais de 50 mil médicos no Brasil e os caras não têm vergonha na cara de usar esse discursinho corporativista? Onde enfiaram o juramento de Hipócrates?

2. Também saiu no G1. Representante da Organização Médica Colegial da Espanha, Fernando Rivas, disse que se trata de uma boa oportunidade para seus conterrâneos.

Na Europa, sonho de consumo e ideal político de parte da nossa burguesia (a outra parte sonha com o modelo americano mesmo, sem saúde pública), onde tudo é bom, como por exemplo no Reino Unido, onde 37% dos médicos são estrangeiros, julgaram a opção de trabalhar nos rincões brasileiro boa: "Tal como está a situação da Espanha atualmente, onde os salários têm sido reduzidos entre 20% e 30% nos últimos anos e onde persistem os cortes [de verbas] na saúde, a oferta de R$ 10 mil mensais, mais alimentação e alojamento, é uma boa oferta", diz.

Só que, ao contrário do Reino Unido, que importa médicos de países mais carentes que eles mesmos (grande parte vem da Índia), no Brasil só serão aceitos médicos estrangeiros que atuem em países com proporção de profissionais maior que a do Brasil (1,8 médicos por mil habitantes) em respeito ao código de recrutamento de profissionais de saúde da OMS.


Esses dois pitacos servem como pano de fundo para algo maior, que a direita insiste em chamar de serviço civil obrigatório, num falso paralelismo com o militar. Em verdade, a formação de um médico numa federal custa R$ 800 mil aos cofres públicos. É uma questão de justiça social que haja contrapartida, tendo vista a carência da atendimento básico à população. Penso que a questão não pode parar na medicina: todos os estudantes que desfrutam das nossas Universidades deveriam contribuir com o que for, sejam aulas no interior e periferia, confecção de material didático, assessoria técnica, acompanhamento de obras, desenvolvimento de tecnologias de domínio público e outras iniciativas que auxiliem na superação da miséria e tornem o Brasil o verdadeiro gigante desperto.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

PRINCÍPIOS ÉTICOS E OPÇÕES POLÍTICAS


Recentemente, o companheiro esquerdopata quase arregou. Sua indignação com os auto proclamados “progressistas”, que se assanharam na primeira hora dos levantes de junho foi tão grande que ele chegou a desistir de manter seu blog na ativa. Felizmente voltou atrás. Numa dessas postagens pós-surto invocou um aforismo do facebook de Renato Janine Ribeiro denominado “o arco de diálogo”, que merece a transcrição:

“Ética e Política. Na ética se opõem o justo e o injusto. Não dá para transigir. A miséria, que marca a sociedade brasileira desde 1500 e tanto, a corrupção e outros males de autoria humana são inaceitáveis. Quem é contra a inclusão social dos miseráveis, eu não respeito. Agora, há meios de esquerda e de direita para a inclusão. Se a pessoa aceita o valor ético da luta contra a miséria e propõe meios razoáveis de levá-la adiante, para mim não é preciso que concordemos quanto a estes (= aos meios). Mas, se alguém defende a miséria (ou a corrupção), para mim está fora do arco de diálogo. Porque não merece ser, eticamente, respeitado.”

À época do mestrado, o filósofo Renato Janine não me agradava. Principalmente por um texto em que analisava a democracia, conceito de origem grega, como governo do desejo, das vontades desmedidas e a república, de matriz romana, como o ambiente da austeridade, da contenção. Pior, associava essa democracia ao PT e essa república ao PSDB. Mas nesses dias tão estranhos o vejo como um aliado, ainda que estratégico (muito tempo depois li uma “mea culpa”: sua percepção de que quem deseja é o pobre, aquele que não tem, e que quem restringe é quem tem, o proprietário).

É imprescindível saber pelo que lutamos. Várias imagens publicadas aqui no blog expõem contradições de quem não tem fundamentos para pensar politicamente: defender o estado mínimo e exigir investimentos em saúde, educação, mobilidade; comprar carro com IPI reduzido e vindicar transporte público gratuito; reclamar da carga trabalhista e usufruir destas prerrogativas; ser contra a corrupção e exercê-la (ou ser conivente) em suas esferas de atuação, no seu microcosmo. Tudo ao mesmo tempo. Esse cenário irracional e acrítico gerou um redemoinho de cinismo, hipocrisia e cretinice que causou vertigem nos mais centrados e proporcionou a escalada do golpe.

Meses atrás participei de uma atividade chamada “declaração de credo”: uma lista de perguntas como quais valores eu estaria disposto a defender, no que eu acredito, o que me deixa descontente, meus sonhos, paixões, propósitos, cuidados, enfim, os princípios e crenças da minha vida que no fim viraram uma redação de umas 20 linhas. Penso que se todos tivessem escrito essa redação – e a lido – e a praticado – as manifestações seriam de uma estirpe bem diferente.

Voltando ao pensamento do Renato Janine, o amigo Sala Ferio deixou comentário citando o filme Lincoln, que mostra um mensalão made in USA, pela compra dos congressistas para a abolição da escravatura que foi recebido efusivamente nos cinemas brasileiros. Não entrarei no enredo e seus pormenores, mas para os críticos americanos e ingleses, o filme descreve com razoável verossimilhança as habilidades políticas do presidente americano, e os conflitos em que entrou para aprovar a 13.ª emenda constitucional.

Determinada esquerda (como o MPL, que apesar disso não excluo do meu arco de diálogo) consideraria-o um racista enrustido, buscando falas descontextualizadas para “explicar” sua defesa da supremacia branca. Ou seja, nessa linha torta de raciocínio ele peitou a guerra de secessão nos EUA e depois subornou vários parlamentares somente em benefício dos grandes empresários do norte, por ser mais barato pagar o salário de um trabalhador livre que comprar um escravo com vida útil restrita e sustentá-lo.

Caminhando pelos paradoxos, miro o fundador do partido republicano, Francis Preston Blair, interpretado por Tommy Lee Jones. Não conheço o personagem real, mas para análise basta o fictício: primeiro ele exigia o fim imediato das hostilidades, com a rendição do sul, para desatravancar a economia do país. Ademais, achava uma mesquinharia a mera supressão da escravidão, pois julgava que entre as raças deveria prevalecer a igualdade completa. Nos dois casos, teve que dobrar seus interesses imediatos: não foi assinado o tratado de paz antes da aprovação da 13.ª emenda (até porque, se fosse assinada antes, não comprometeria os sulistas com o fim da escravidão) e a liberdade dos negros dizia respeito apenas à alforria do trabalho compulsório (continuaram com restrições jurídicas, como por exemplo não poderem ser votados).

Aristóteles ensinou que a política é a arte do possível. O projeto de governo do PT esbarrou numa “possibilidade”: como aprovar mudanças num legislativo majoritariamente oposicionista? Eleger 2/3 do congresso com deputados petistas e aliados era (e é) uma quimera. Tendo José Dirceu como mentor, no início e em nome da governabilidade, se aliou a pequenos partidos fisiológicos que estão na base do mensalão (que ainda estar por se provar e que pela primeira vez na história condenou os supostos corruptores e não os corrompidos). Depois, no governo Dilma, partiu para a inglória chapa com o PMDB – sem o pagamento de mesadas aos 300 picaretas, mas com a velha distribuição de emendas, de cargos de 2.º e 3.º escalão, além do balcão de negócios que intercede a nomeação dos ministros. Em contrapartida, promoveu a inclusão social de segmentos históricamente ignorados, com o aumento real do salário mínimo e a diminuição do desemprego; alcançou os melhores indicadores sociais do Brasil desde sempre.

Enfim, os paralelos não terminam no filme: sucedeu Lincoln o heói da guerra, general Ulysses S. Grant (lembrando que Lincoln foi assassinado e não concluiu o segundo mandato e sim o seu vice, Andrew Johnson). Grant coordenou o processo de reconstrução do sul e restauração da economia americana, além de ampliar as garantias aos negros e exterminar a Ku Klux Klan. Mesmo assim não passou incólume: sua reputação foi manchada por escândalos protagonizados por funcionários do governo e pela profunda depressão econômica (o chamado "Pânico de 1873"), que dominou seu segundo mandato.

Mal sabia Preston que inobstante a pujança econômica que seu país alcançou, até hoje se luta pela emancipação dos negros. Porém, sem dúvida, aquele foi um passo crucial para a história. E nós? Esperaremos quantos séculos para entender quem está de cada lado?

sábado, 13 de julho de 2013

SÁBADO DO DESCANSO CRÍTICO

Sabadão, graças às conquistas trabalhistas, dia de folga. Arrumar as coisas da casa, sair para comprar os mantimentos da semana que vem por aí e me permitir uma pausa para reflexão. Lembrei desse vídeo, assisti-o no começo do ano, e diz muito do que eu queria dizer para cada um dos marcheteiros que fizeram a micareta global tingida com cores golpistas de junho. Precisamos de uma visita de George Galloway para conversar com nossos coxinhas.



Fuçando na internet, encontrei essa postagem no Conversa Afiada. O texto fomenta o debate. Não me empolguei com o dia de luta por julgá-lo inoportuno. Sabia que a cobertura do PIG ia ser totalmente desfavorável. Não tenho ilusões quanto ao adversário etéreo, volátil, sem rosto: nos EUA ele é Wall Street; no Brasil a Rede Globo. O resto do PIG funciona como apêndice, e não se sustenta pelas próprias pernas se essa nociva organização for eliminada da nossa sociedade. Mas à luz dos dados, e após a análise do PHA, consigo ver algo de positivo, no sentido de efetivamente contrapor dois modelos de fazer política. É como disse o Adílson Filho: "Acho que agora está provado que as milhares de pessoas que ‘incendiaram’ as ruas no mês passado e que formaram o ‘tal do gigante’ que acordou receberam a lenha da mídia e a gasolina do Facebook. Quando a pauta conservadora deu lugar à pauta progressista, o gigante voltou ao seu sono profundo. Nas ruas, só ficaram os que nunca dormiram".

 
De Adalberto Cardoso, professor e pesquisador do Iesp-Uerj

As centrais sindicais foram às ruas na quinta feira, dia 11, com uma pauta classificada por alguns como “corporativa” e restrita a “temas trabalhistas”, de interesse de uma minoria. Essa interpretação erra o alvo. Jornada de trabalho e regras de aposentadoria, dois dos temas salientes da convocação das centrais, são afeitos a todos os que ganham a vida trabalhando.

Na ponta do lápis, 55 milhões de brasileiros contribuem para a previdência social, e cerca de 123 milhões de pessoas vivem em famílias nas quais pelo menos um membro contribui. Além disso, 40 milhões de brasileiros trabalham 44 horas por semana ou mais, e 103 milhões de pessoas vivem em famílias em que pelo menos um membro trabalha essa jornada (dados da PNAD-2011, última disponível).

Trabalhar menos e se aposentar com decência são conquistas civilizatórias universalizadas no século XX nos países mais ricos, mas permanecem uma promessa no Brasil. E são demandas históricas de nosso sindicalismo.

Julgadas contra o pano de fundo das jornadas de junho, que levaram mais de um milhão de pessoas às ruas, metade delas jovens de 24 anos ou menos (segundo a pesquisa IBOPE divulgada no Fantástico), a manifestação puxada pelas centrais sindicais e outros movimentos organizados pareceu um fracasso. Outro engano.

Os avanços mais evidentes das administrações petistas ocorreram no mercado de trabalho. Foram quase 20 milhões de empregos formais criados em 10 anos, isto é, 20 milhões de novos contribuintes para a previdência social.

O ganho de renda das famílias entre 2002 e 2011 também foi expressivo, de mais de 35% em termos reais, tendo chegado a 80% em alguns estados do Nordeste, ainda segundo a PNAD. A inflação recente, que atinge mais fortemente os mais pobres, porque puxada sobretudo pelos alimentos, vem corroendo em parte esses ganhos, mas a maioria das categorias tem conseguido aumentos de salários acima dos índices oficiais de inflação, segundo o DIEESE.

Ou seja, se há insatisfação de parcelas da população quanto à sua qualidade de vida, essa insatisfação não parece ter origem no mercado de trabalho. E no entanto, as centrais sindicais, com uma pauta com viés de classe (e não difuso como as jornadas de junho), se fizeram ouvir no país inteiro, com passeatas em todas as capitais e centenas de cidades do interior, bloqueios de estradas e acesso a portos e, no caso do Rio de Janeiro, confronto com a PM, que vem utilizando violência excessiva contra os manifestantes. Não colocaram um milhão de pessoas nas ruas. Mas mostraram que continuam ativas, e que são capazes de causar prejuízos à economia e aos poderes públicos, seu principal recurso reivindicatório.

NAVALHA

O Conversa Afiada observaria, também, a propósito do sucesso do Dia Nacional das Lutas:
- Se quiserem derrubar a Dilma nas ruas, vai ter Venezuela !
- Uma coisa é doença infantil do transportismo, que a Globo transformou em Golpe contra Dilma.
- Outra é trabalhador paralisar o país com pauta trabalhista.
- Pergunta pra FEBRABAN, pra FIESP o que dói mais.
- Uma coisa é classe média cheirosa hostilizar os partidos e a CUT na Avenida Paulista.
- Outra é paralisar o país dentro da Lei, com aviso à Polícia sobre o trajeto, sem interromper o transporte urbano, sem manifestante mascarado.
- Pergunta pra FIESP o que dói mais.
- Pergunta à FIESP se ela prefere o MPL que anula voto ou o Vagner , que vota na Dilma.
- Uma coisa é manifestante da classe média virar herói da Globo.
- Outra, é o Dia Nacional das Lutas mudar a logomarca da Globo: “sonega Globo”.
- Uma coisa é dar Golpe na rua.
- Outra é evitar, na rua, o Golpe.
- Pergunta pra FIESP o que dói mais.
- Pergunta aos filhos do Roberto Marinho – eles não têm nome próprio.
- Pergunta à Dilma.
Ela sabe.
Paulo Henrique Amorim

sexta-feira, 12 de julho de 2013

SURREALPOLITIK

Há 45 dias vivemos num outro país. Aquele Brasil da época da entrevista abaixo não existe mais.

Desde então a globo encenou um roteiro de golpe. Rapidamente cooptou o movimento passe livre, antes execrado por seus editoriais, no jornal e na televisão. Teve êxito em encobrir as eventuais críticas à sua cobertura - de cima de prédios e helicópteros. Usou a concessão pública do espectro eletro magnético para incitar e orientar - trajetos e procedimentos - os passos dos marcheteiros. No auge de sua influência conspiratória foi pega no contrapé, com a exposição de uma monstruosa sonegação (em valor de 2007, R$ 615 milhões), além do nebuloso sumiço processual, o que seria apenas a primeira sangria demonstrando as entranhas contaminadas pela corrupção que sua hipocrisia diz combater.

Nesse ínterim, o ministro Paulo Bernardo foi à revista Veja garantir que o oligopólio midiático não seria perturbado e que o governo sufocaria qualquer clamor pelo marco regulatório das comunicações com o falso argumento da afronta à liberdade de imprensa. Segundo o detrito sólido de maré baixa, é um ministro corajoso, que diz coisas razoáveis e acabará demitido por ser sensato demais. Unha e carne. Convergência de ideias e interesses. Logo abaixo, é desconfortável o fato da entrevista ter sido intermediada por Helena Chagas, secretária de comunicação social da presidência com preocupantes afinidades com o império globo, que se porta como papagaio de pirata da amena conversa.

Ao pandemônio das ruas, a presidenta retraiu-se, atônita. Foi consultar suas bases, aliados históricos e de última hora, seus asseclas, o oráculo e até traíras empoleirados no governo. Reagiu com a proposta de entregar a soberania popular na mão de quem de direito - o povo. Propôs uma constituinte exclusiva para tratar da reforma política e de como se daria a questionada representação popular nas instâncias governamentais. Foi obrigada a recuar (constituinte impossível, pugnou por um plebiscito) até ser derrotada miseravelmente pela oposição que se articula nas masmorras dos protestos visíveis e lucra politicamente com o desgaste da imagem institucional do governo e do país.

A crise da república está deflagrada; o clima de tensão, com desrespeito acintoso às instituições até outro dia consideradas sólidas, parece entrar numa espiral sem fim. Até prefeitos irresponsáveis e arrivistas se julgam no direito de vaiar a presidenta - que os comprometeu nos cinco pactos em favor do país. As centrais sindicais, inimigas fidagais, ajuntaram-se numa agenda mínima que contempla a oposição à PEC 4330 (das terceirizações), bem como reivindica jornada semanal de 40 horas, sem redução salarial e outros itens, contestando ainda mais o frágil e contraditório mandato de Dilma Roussef. O governo federal é o judas que cataliza todas as frustrações individuais e coletivas. O bode expiatório que purgará nossas mazelas.
Será que a presidenta continua ligada na globo?

A coluna tem o sugestivo nome "nhenhenhém".

Por Jorge Bastos Moreno
25/05/2013 11:03

Um dia depois de ser eleita a segunda mulher mais poderosa do mundo, a presidente Dilma Rousseff revela uma inusitada frustração de dona de casa — a de não ter um fogão para ela mesma preparar suas refeições rápidas. O que hoje já é uma realidade na maioria dos lares de baixa renda, para a presidente, não passa de um sonho: "Eu preciso ter um fogão, urgentemente!".

Desconfio que, talvez, seja por isso que o governo esteja pensando em lançar um novo e impactante projeto do Minha Casa Minha Vida, sobre o qual estou impedido de falar, para não estragar a surpresa: o cartão de crédito para a aquisição de móveis e eletrodomésticos. Pronto, falei. Mas eu não soube disso pela presidente, e sim por fontes da área social.

Tudo sobre o fogão e a constatação de que, se fosse mais nova e com filhos pequenos, não conseguiria exercer em plenitude o cargo de presidente da República, você vai saber agora, neste relato sobre meu encontro com a Dilma:

Preocupado com as últimas semanas de estresse vividas pela presidente Dilma, por causa do comportamento do PMDB da Câmara na votação da MP dos Portos, levei para ela o livro "Te cuida!", do meu cardiologista Cláudio Domênico. Expliquei-lhe que a obra enfatiza a qualidade de vida como foco da moderna "medicina comportamental" e, nesse sentido, inclui até a espiritualidade como elemento de vida saudável, desde que não se sobreponha ao tratamento convencional. Ela adorou e botou na bagagem para ler no avião, durante a viagem que está fazendo à África.

— Que coincidência. Acabam de me recomendar esse tipo de tratamento, a busca da medicina comportamental. Sugeriram que eu tentasse algum tipo de concentração logo ao acordar, uma coisa zen, desligando-me dos problemas. Você consegue me ver assim, desligada de tudo, com tudo isso que acontece à minha volta?

Pronto, era a deixa de que eu precisava para entrar nos assuntos mundanos:

— Realmente, não consigo imaginá-la levitando no meio desse barulho todo do PMDB, do combate à inflação e da oposição lançando candidatos.

PALANQUES

Mas a alegre presidente que estava à minha frente não queria saber de mais problemas, além dos que já enfrenta dentro de casa. E não foi por falta de insistência que ela deixou de falar de política e de economia. Dilma, habilmente, fugiu de todos os assuntos relacionados às eleições de 2014. E eu não sou suficientemente idiota para pressioná-la a falar de sucessão presidencial, na hora do expediente, dentro do gabinete presidencial. Não sou, repito, suficientemente, apenas razoavelmente: tentei falar das eleições dos outros, ou seja, das dos candidatos a governadores. Mas nem por aí consegui arrancar nada, a não ser o reconhecimento de que a disputa entre o PT e o PMDB em alguns estados é o mais grave da aliança. Como eu vinha de um almoço com o seu vice-presidente, que estava muito animado, apostando que, à exceção deste osso de pescoço que é o Rio, as demais brigas estaduais não deverão afetar a eleição principal, provoquei:

— O seu vice diz que todos os governadores do PMDB em litígio com o PT repetem "Michel, aconteça o que acontecer, nosso palanque é seu e da Dilma". Isso mostra a segurança dele em relação à preservação da aliança, com a mesma chapa. Existe algum risco ou isso é matéria vencida?

— É matéria vencida! — limitou-se a responder a presidente.

SAUDADE DO AROUCHE

É necessário situar o leitor sobre o clima e as circunstâncias em que fui recebido pela chefa da Nação, no seu gabinete no Palácio do Planalto. Uma quinta-feira muito movimentada pelo fim da novela da nomeação — ufa! — do novo ministro do Supremo e por outras questões importantes, fui recebido quase duas horas antes da viagem da Dilma à Etiópia. Recebeu-me assim:

— Sinta-se um privilegiado! Fiz de tudo para encaixá-lo na agenda!

Não deixei por menos:

— E eu que tive que encurtar uma conversa com a Carolina Dieckmann para estar aqui!

— Nossa! Você abandonou a bela Carolina Dieckmann por minha causa e da ministra Helena?

— As senhoras merecem!

E aí entramos no nosso assunto favorito: televisão.

A presidente contou que se diverte revendo o "Sai de baixo", no canal Viva:

— É meu programa favorito. Sei os horários todos. Vejo e ainda gravo. E fico torcendo para que o episódio da semana seja um daqueles antológicos que nunca saíram da minha memória. Vendo o "Sai de baixo", depois de ter visto a Adriana Esteves em "Avenida Brasil", é que a gente tem a dimensão da genialidade dessa atriz.

Dilma explica por que Viva é o seu canal favorito:

— Porque nesse canal revejo também os personagens do Jô Soares no "Viva o Gordo". Todos os personagens do Jô eram ótimos, mas eu me divertia com os Bombeiros Encanadores. Eram ele e o seu companheiro Jefferson, feito por aquele outro humorista sensacional, um moreno, de cujo nome não me lembro agora.

— É o Eliezer Motta — socorri.

A presidente manifesta o desejo de um dia poder ter um encontro descontraído com esses ídolos da televisão:

— Esse encontro tem que ter as duas Fernandas, mãe e filha. A Fernanda Torres tem um texto inteligente, maravilhoso. É uma excelente cronista. Gosto de ler seus artigos em jornais e revistas. Como atriz, nem se fala.

FERNANDINHA COR DE ABÓBORA

Não desisto e tento inserir política na pauta:

— Concordo com a senhora de que a Fernanda Torres tem um dos melhores textos da mídia brasileira, tanto que vivo fazendo campanha para ela entrar para a Academia Brasileira de Letras. E agora vem esse Fernando Henrique atrapalhar meus planos.

Dilma finge que não ouviu esse último nome e continua falando da atriz:

— E a Fernanda Torres está impagável neste que acho um dos melhores programas da televisão brasileira, o "Tapas e beijos". Eu me divirto muito com ela e com a outra sensacional atriz que é a Andréa Beltrão. E aquele uniforme das duas, cor de abóbora, se não me engano?!Ã

CORAÇÃO DE MÃEZONA

Sobre novelas, Dilma, já sobre a estreante "Amor à vida", acredita que o drama da personagem de Paola Oliveira em busca da sua filha tem tudo para comover os telespectadores. E foi nesse momento, citando a forte relação entre mães e filhos, que a presidente fez esta reflexão:

— Tenho a certeza de que, se fosse mais nova e tivesse filhos pequenos ou adolescentes, eu não conseguiria exercer em plenitude a presidência da República. Por exemplo, estou embarcando agora para a Etiópia. Se, na minha ausência, acontecesse qualquer coisa com um filho pequeno, eu abandonaria tudo e voltaria correndo. O sentimento materno é muito maior do que qualquer outra coisa. Graças a Deus, tenho uma filha adulta, independente, responsável, capaz de enfrentar qualquer adversidade na minha ausência.

— E o seu neto, Gabriel?

— Aí eu me enlouqueceria! Se bem que não tiro o poder da mãe. Não sou uma avó possessiva, dessas que tentam invadir o espaço da mãe. Minha filha é uma mãe muito responsável. Ela sabe cuidar do meu neto melhor que eu.

ELOGIO INSULTUOSO

Procuro outro caminho torto de voltar ao tema político e finjo constrangimento:

— Para mim, a melhor definição do papel dos avós foi feita por personagem que não deve ser citável neste gabinete: o José Serra. Diz que avós só estragam os netos porque têm certeza de que os pais estão aí para consertá-los.

A reação é surpreendente:

— E quem falou para o senhor que José Serra não pode ser citado aqui? Não é porque ele foi meu adversário na eleição que eu vou deixar de reconhecer sua importância, sua inteligência! Posso discordar, como discordo, do Serra, mas não deixo de reconhecer sua capacidade, sua inteligência.

(Meu Deus! Como Serra reclama até de nota a favor, certamente vai pedir direito de resposta para o insultuoso elogio presidencial. Para ele, que não ouve uma palavra amiga do Aécio, ser elogiado pela Dilma é quase humilhação).

Indago se, quando sua única filha, Paula, era criança, ela tinha algum sentimento de culpa, por trocá-la pelo trabalho.

— E como!!! Mas esse sentimento não era exclusividade minha já naquela época em que a mulher começava a assumir e se impor em funções executivas. Nos dias de hoje, nem se fala! É coisa cultural, normal, a presença maciça da mulher no mercado de trabalho. Por mais que a mãe monte uma infraestrutura para os filhos, durante as horas em que passa no trabalho, por mais amor e carinho que tenha por eles, o sentimento de culpa sempre vai existir. Ele é inevitável.

FOME MADRUGADORA

Na verdade, eu deveria ter começado o relato sobre a conversa com a Dilma compartilhando com vocês o grande drama que vive a nossa presidente da República e que foi o motivo principal da minha convocação ao Palácio.

A gente pensa que vida de presidente da República é fácil, cheio de mordomias.

Ledo engano!

É pior que a nossa. Pelo menos da minha e de milhares de brasileiros que, como a Dilma, costumam sentir fome de madrugada:

— Eu preciso de um fogão, urgentemente. Mas não querem me dar um fogão. A cozinha fica muito longe dos meus aposentos. Às vezes, quero comer um omelete, um mexido. E não tenho fogão.

Eu quis saber:

— Por que não botam um fogão mais perto da senhora?

— Alegam que é por segurança e, também, por falta de exaustores.

— Micro-ondas pode ser uma solução — sugeri.

A presidente rebate:

— Nem pensar. Eu quero fazer minha própria comida quando eu tiver fome à noite.

Não resisti:

— Com todo o respeito, presidente. Mas a sua fama na cozinha é péssima. Suas colegas de prisão que faziam rodízio com a senhora no fogão dizem que seus mexidos eram horrorosos. Que nem salada a senhora sabia fazer: ralava os legumes crus e jogava um em cima do outro, botava um litro de limão e salgava tudo.

E ela:

— Já até sei quem te falou. Ela não deixa de ter razão. No início, eu cozinhava mal. Depois fui aprendendo. Aprendi a fazer molho branco, cozinhar os legumes, fazer arroz direitinho. Hoje cozinho bem, mas nem tanto quanto a sua chef, mas dá para o gasto.

— E a senhora cozinhava só para as suas colegas de cela?

— Eu cozinhava para 20 a 25 pessoas. Claro que tinha gente que cozinhava melhor que eu. Mas, por exemplo, a minha sopa de beterraba era imbatível.

TORCEDORA COMPULSIVA

Sobre Copa do Mundo, perguntei-lhe qual estádio desses que estão prontos é o mais bonito. Dilma respondeu que não só ela, mas os dirigentes da Fifa e as pessoas envolvidas com a Copa acham que, por fora, o mais lindo é o de Brasília, mas reconhece:

— Por dentro, é o Maracanã. Mas os de Salvador, Recife e de outras capitais são muito bonitos também.

E, sem querer, a presidente bota a bola nos meus pés para eu fazer o golaço da conversa:

— Em Recife, o jogo foi entre dois times de operários. Eu não posso ver um jogo que acabo escolhendo logo um time para torcer. Quando me dei conta, já estava torcendo para um deles.

Não tive dúvidas e chutei a bola:

— Aposto que a senhora torceu para o time que não era o do Eduardo Campos.

Depois da resposta que tive, só me restou encerrar a conversa e partir para o abraço. Com um sorriso nos lábios, Dilma pensou, pensou e disse:

— Olha, para dizer a verdade, nem reparei para que time o governador Eduardo Campos estava torcendo. Se é que ele torceu por alguém.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

DA TEORIA À PRÁTICA

Primeiro, a tentativa de um golpe de Estado arquitetada pela empresa Anonymous, nos mesmos moldes do que acontece em outras partes do mundo, esbanjando conhecimento semiótico para distorcer completamente o significado da máscara, ilustrada por David Lloyd na graphic novel V for Vendetta (V de Vingança), de Alan Moore, bem como sua mais remota inspiração, Guy Fawkes. Expediente básico de manipulação, mas que quase convulsionou um milhão de pessoas nas ruas.


Depois, as denúncias de Edward Snowden, que conferem novo status ao termo "teoria da conspiração", desde que se evadiram do campo meramente abstrato e adentraram ao país, ao governo, aos lares. Atualizada para "prática da conspiração", a invasiva política que provoca calafrios nos trombeteiros da liberdade, tem sido levada a consequências impensáveis pelos EUA, com a cooperação técnica das companhias de telecomunicação instaladas no Brasil, derivadas das privatizações ocorridas no auge da interferência norte-americana, quando nosso chanceler tirava o sapato para pisar em solo ianque.

O pessoal que saiu da matrix criada pela Globo já sabia que as festejadas redes sociais são monitoradas pelo Departamento de Estado dos EUA. Também é de domínio público o papel que a espionagem norte-americana exerceu no golpe militar de 1964. O atual SIVAM, com todos os dados sobre espaço aéreo, solo e subsolo da Amazônia transmite em rede e equipamentos criados pela Raytheon (mais uma doação da privataria). Exemplos aos borbotões podem ser colhidos pela América Latina. A primavera árabe não deu um passo sem o consentimento da CIA. Chocante, no presente, é que as pessoas vão até a informação, outrora recolhida à penumbra e controle destes mesmos meios ora desmascarados. Antes ridicularizados, "paranoicos" apontam o dedo para a sociedade estupefacta, denunciando o Big Brother da vida real. 

Muita infomação e poucas certezas. Tudo muito suspeito, permeado por interrogações:

São etapas de um plano meticulosamente articulado ou ações isoladas, ainda que familiares?

A tentativa de golpe tem a ver com a espionagem?

Quais as motivações da arapongagem eletrônico da qual o Brasil é um dos maiores alvos?

Os EUA teriam coragem de recusar atendimento a parte de sua própria população (pobre, negra e com sífilis) para combater o "sangue ruim"?

E de bombardear cidades da Flórida (inclusive Miami) e a capital, Washington, para se colocar na aparente posição de vítima ante a agressividade de Cuba, justificando perante a opinião pública seus planos de invasão à ilha?

E de inocular cidadãos saudáveis da Guatemala com doenças venéreas para fins científicos?

E o famoso testemunho da garota Nayirah, que deflagrou a primeira invasão americana no Iraque, em 1990?

E a denuncia de Hugo Chávez acerca da tecnologia Haarp, que pode ter provocado o terremoto do Haiti?

E a Operation Paperclip, que recrutou mentes brilhantes do partido nazista alemão para incrementar a indústria norte-americana?

Como se vê, a teoria da conspiração já é praticada faz tempo...

Para o sistema, interessa mais entreter o povo do facebook com a teoria das frivolidades conspirativas, que ocorre quando a seleção espanhola aceita suborno para entregar o jogo para a brasileira, mês passado, ou quando Anderson Silva é socado de propósito no último UFC.

A arte imita a vida ou o contrário? A distopia, a anti-utopia, gênero literário de desencanto com o mundo, surgido no séc. XX, quando os sonhos mais otimistas de uma sociedade ideal se converteram nos piores pesadelos totalitários, está saindo das páginas dos romances e se concretizando como nas fictícias - ainda que tenebrosas - existências de Winston Smith, Bernard Marx, Guy Montag e outros.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

CAÇA-CONCURSO, JOAQUIM BARBOSA E A HIPOCRISIA

Sinto muita falta de um blog, o Classe Média Way of Life. Retratava com a sutileza de poucos a ideologia dessa classe. Não é atualizado desde 2010. Uma pena. Vai ver a pessoa deixou de ser classe média.

Esse estrato social ocupa oportunidades de ouro para a estabilidade profissional. Quem nunca ouviu falar dos caça-concurso? Jovens de classe média que normalmente fazem um ensino médio primoroso, nas escolas mais caras, para em seguida adentrarem as Universidades Públicas (mas não necessariamente: serve qualquer faculdade particular), quase sem falha no curso de Direito, e emendarem o diploma em cursos preparatórios, como LFG, Damásio, Verbo Jurídico, etc, até vencerEm alguma certame das carreiras públicas, o que em regra coincide com o primeiro emprego, lá pelos 25 anos (a prática jurídica de três anos é pro-forma).

Fazem parte do sistema que vivemos, não estão errados. Dentre todas as formas injustas de se empregar alguém, o concurso público objetivo é a menos ruim. O que ele esconde é que a almejada (pelo capitalismo) meritocracia vai pelo ralo quando o concorrente tem melhores insumos para a disputa. Mas o pior nem é isso: parece que a aprovação num desses concursos que torna a pessoa "órgão do judiciário" (como no Art. 106, II, da CF/88) oblitera a capacidade de enxergar o mundo como um reles cidadão, e direciona sua visão crítica a meros interesses corporativos. É como se a pessoa se despisse de sua vestimenta cívica e encarnasse o Estado, mantendo arraigados os valores de classe que trouxe do berço, alienada do processo do qual é agente e vítima.

São esses reprodutores da mentalidade "remediada", ratos que se refestelam com as migalhas caídas do banquete da verdadeira elite - enchem o bucho, se saciam e se sentem felizes com isso - que compõem o judiciário e o ministério público brasileiro. Há exceções, é claro. Só para ilustrar, tive um professor humílimo, que de alfaiate em uma cidade do interior de Minas Gerais, tornou-se juiz titular em Goiânia, conservando o jeito singelo e comedido. Também há exceções ao inverso, ou seja, gente de família quatrocentona, que estuda na Europa e mantém traços e títulos de nobreza, mesmo na "república".

Manifestantes de gravata
Essa patota, que interpreta os fatos da vida com o código na mão, não é capaz de analisar a realidade sob outro viés, seja cultural, sociológico ou político. Apesar da elevada erudição, do "notável saber jurídico", é uma massa de manobra tão ou mais volúvel que os de baixa escolaridade, espezinhados pela imprensa golpista a cada vez que lembram qual foi o único governo que encampou bandeiras sociais, como a erradicação da miséria. Perigoso é o fato de que mesmo tão suscetíveis a influências (e aí o PIG entra rasgando) constituem um clube denominado "formadores de opinião". Exemplo? A turma que foi às ruas contra a PEC-37 sem saber o que ela era.

Há vários entre eles que não cursaram Direito, mas sim Medicina. Estavam nas ruas outro dia para impedir que a saúde pública chegasse ao rincões mais esquecidos do país. Mas quando se deparam com um bastião da moral e dos bons costumes, seus olhinhos míopes brilham. A sedução do discurso contra a corrupção os faz realimentar a ideologia do caça-concurso: ele é bom, ele venceu, as oportunidades estão aí, quem não se dá bem quer dar um "jeitinho", perpetuando essa maneira de pensar. Li em algum lugar que o novo ídolo desse raciocínio torto é Joaquim Barbosa.

O Catão de Paracatu
Sem dúvida, Joaquim Barbosa é uma exceção, na origem, entre os membros do judiciário. De infância humilde, desde 1976 faz parte do quadro de Servidores Públicos Federais. Passou em vários concursos, até chegar a Procurador da República. Em que pese a história de superação, muitos anos convivendo no mais alto escalão de poder o aculturaram à mentalidade dos "órgãos do Estado". Novamente exceção, contou com todo empenho de Lula para conquistar uma cadeira no STF, em 2003. O primeiro ministro reconhecidamente negro do STF.


Acostumado a usar seu estilingue, Joaquim Barbosa também tem vidraça. A presidência do STF parece ter o feito crer que está acima das quimeras mundanas, que é inatingível pela iniquidade dos pecadores. Sua dureza em apontar as máculas dos demais é a justa medida para avaliar a sua conduta? Só nos últimos três dias tivemos notícias que, se fossem endereçadas à Dilma, ensejariam pedidos de impeachment.

Novos velhos amigos
Primeiro, arrumou uma boquinha para o filho na produção do programa do tucano Luciano Huck, na Globo. É escandalosa essa proximidade do chefe de um dos três poderes com um império de comunicação tão influente na nossa sociedade. Influência pra lá de negativa, diga-se de passagem.

Depois, ficamos sabendo pelo próprio PIG, que Joaquim Barbosa foi assistir ao jogo da seleção bancado pelo dinheiro público. Usou recursos do STF, de uma tal cota a que os ministros têm direito, mas não se sabe bem quanto nem porquê. No camarote de Luciano Huck. Fico pensado no estardalhaço se o nome do personagem em questão fosse Luís Inácio.

Por fim, a mais vultosa. Crítico dos gastos públicos, receberá R$ 580 mil por conta de controverso bônus salarial criado para equiparar ao auxílio-moradia concedido aos congressistas. Corrigido pelo IPCA, a bolada padrão FIFA resultará em R$ 704,5 mil. A rubrica já beneficiou 600 procuradores e custou ao erário a bagatela de R$ 150 milhões, até agora. Cadê os cartazes, dizendo que com esse valor (que irá aumentar) é possível fazer 280 UBS (Unidade Básica de Saúde)? Ou manter 250 equipes de saúde da família por um ano? Ou 150 creches que atenderiam 18.000 crianças? Ou ainda 35 escolas, cada uma para 700 alunos, quase 25.000 estudantes? Vestiu a carapuça, hipócrita?

A língua viperina que destila impropérios emudeceu. Será que ainda é o líder das pesquisas entre os manifestantes? Que tal apenas uma demonstração de probidade: acabar com os dois meses de férias a juízes e procuradores? Ou melhor, estender o benefício a todas as demais categorias? Como disse o Carlos Motta, fica do mesmo tamanho dessa legião de malandros que está por aí. Justamente ele, que foi escolhido para ser, se não a reserva moral do Brasil, ao menos seu guardião.