Os acontecimentos dos últimos dias alteraram bastante a percepção política das pessoas. No nível pessoal, recebi vários questionamentos sobre minha "mudança" de posição: antes, tão engajado e provocador, jamais aceitando o status quo, me tornei um ferrenho crítico das manifestações de rua ocorridas em junho. Os mais argutos ironizam: será que eu me endireitei? Nem precisava escrever essa "justificativa", mas como seria pernóstico mandá-los estudar um pouco da história recente, aqui vai uma breve explicação. Enquanto os novos atores sociais que descobriram a política no facebook estavam dormindo eu dava a cara para bater, desde que me conheço por gente, integrando todas as lutas que conheci a favor das causas populares.
Este blog reflete quase integralmente minhas posturas políticas. Na realidade, ele nasceu como convite a velhos conhecidos interessados em debater os rumos da sociedade, do Brasil e, sem medo de parecer presunçoso, do planeta. Filosofando, somos pessoas preocupadas com o destino da coletividade humana. Mas o mundo gira, e cada um se viu de tal forma enovelado pelos afazeres particulares - eu mesmo tive que priorizar outras atividades - que o Anti-Pig esteve à beira da morte em coma vegetativo. Recentemente consegui retomar as postagens. E por coincidência, explodiram as passeatas. Minha intenção era ser menos autoral, compartilhar coisas que lia e julgava relevantes, mas não repercutia. O calor dos acontecimentos não permitiu tal fleuma.
A ideologia do blog sempre foi explícita, há até um manifesto constitutivo, sintetizado na frase do cabeçalho: contra a imprensa golpista, a favor do povo brasileiro. É inerente à nossa natureza a liberdade ao contraditório, à dialética, inserido num debate profícuo, cujo objetivo seja o questionamento e aprimoramento das ideias políticas afins à esquerda: socialismo, soberania popular, participação decisória, igualdade e equidade. Como reza o slogan do Tijolaço, a política sem polêmica é a arma das elites. Noutras palavras, não fazer política, não se importar com as questões governamentais, delegar suas opiniões aos comentaristas a soldo da mídia, ignorar a participação do povo na condução do ente coletivo é exatamente o que interessa a quem detém o poder, pois perpetua as relações como estão, em nome da manutenção da ordem vigente. Povo apático é povo sem paixão, é povo dominado, é povo ser alma, sem razão de existir.
Estar ao lado do povo não é exercício de retórica demagógica; é o resultado de uma série de opções de vida que conduzem necessariamente a esse fim. Como dizia o vídeo do PC Siqueira, ser de direita ou de esquerda é consequência dos seus atos e atitudes. Grosso modo, não é possível ser militante de esquerda autêntico e se sentir atraído pelo discurso oposto, conveniente ao capital, nem se calar diante da manipulação dos fatos pelos meios de comunicação, enfiando a fórceps na cabeça do cidadão um ideário nocivo a ele mesmo.
Foi essa a minha leitura sobre os distúrbios ocorridos Brasil adentro. Na cronologia dos eventos, identifiquei quatro etapas. A primeira, com oposição da imprensa e vítima de brutal repressão da PM paulista, foi localizada (em uma região de uma cidade), instigada pela extrema-esquerda, com a adesão de um personagem já visto por aí, mas que não sabia o que era política: o coxinha, que se horrorizou com o tratamento que polícia destina aos movimentos sociais (ou como ele diz, a galera) e contou tudo para o papai.
Até aí, minha avaliação era de algo inconsequente, que desconsiderava as implicações econômicas da sua pauta, fazia barulho e muito pouco além disso.
A segunda etapa foi a mais difícil de se interpretar: as pessoas, em vários locais do Brasil, saíram às ruas, apenas em apoio aos trotskistas do MPL e repudiando a polícia. Muitas delas nem pegam ônibus, pois recentemente adquiriram carro com IPI reduzido. Já a maioria ignorava o passe livre, e levava suas próprias frustrações e anseios. Nas ruas foi composto o samba do manifestante doido, que mistura alhos com bugalhos e se acha cheio de razão, contra tudo que está aí. Voltando à pauta dos R$ 0,20, é o cara que pede transporte público de graça, sem saber que a subvenção desse "direito" sairá do combustível que move o veículo bancado graças à desoneração industrial.
Nessa fase não tornei públicas minhas impressões, mas a semente golpista já estava lançada. A rede social, da qual não faço parte, já estava em polvorosa.
A terceira etapa foi a caótica, quando o movimento foi cooptado pela direita. A Globo televisionava o golpe em marcha, como se fosse cada passo da destituição do governo. Micareta global e louvorzão fascista foram definições da mesma coisa disforme que grupos cibernéticos manobravam à distância, uma monumental massa de manobra servindo aos desígnios importados e controlados pelo Departamento de Estado dos EUA. O grito tinha que ser dado: era o GOLPE!, o frenético cavalgar rumo a ditadura, a supressão dos partidos políticos, a demolição das instituições, o fim de tudo. Nossa breve e trôpega tentativa de construir um Estado Democrático se diluindo na modernidade líquida dos inimigos sem rosto, em Wall Street, na internet e nos meandros burocráticos da máquina pública brasileira.
Ainda estamos na quarta etapa, o rescaldo. Sempre fui a favor da manifestação popular, mas com o tempo, calejado pela experiência in loco, aprendi a distinguir o que é legítimo do que é manipulado. Participei do movimento estudantil, liderei greves, e fiquei com o couro grosso de tanto apanhar e ser marginalizado. Por isso, ao invés de endossar essa pataquada, procurei alertar sobre os perigos do que estava sendo feito. Os assuntos e motivos de indignação estavam à disposição a muito tempo, todavia só emergiram quando a mídia os canonizou. A classe média, que batia palmas para a criminalização dos movimentos sociais no governo de FHC, com a hipocrisia que lhe é peculiar, curtiu no face um zilhão de hoaxes, farsas, embustes, achou patriotismo, um espetáculo democrático. É a classe que vive das migalhas que caem das mesas da elite e na sua faceta conservadora quem entrega a soberania popular de bandeja aos poderosos. Críticas ao governo Dilma pela esquerda, como a falta de regulação da mídia, a distribuição de dinheiro aos órgãos de comunicação golpistas, a política agrária excludente, a gestão "técnica", tenho aos montes, mas sei que não são pertinentes e nem atingiriam seu real objetivo se levantadas agora, nas circunstâncias que fragilizaram a presidente, e praticamente enterraram o desejo petista de ser tornar mais acessível à burguesia.
Continuo repudiando as piadinhas que associam tudo que é negativo ao PT. É que, por mais que contenham aquele faísca de chiste subversivo (o que em geral me grada), é unilateral, sempre com alvo nos petistas e suas gestões. É como se fosse proibido a senzala tomar o poder da Casa Grande. A última, que circula no meu trabalho é que a mentira tem perna curta, nove dedos e língua presa. É o único caso em que o ressentimento cego insiste em tentar depor o presidente após a conclusão de dois mandatos. Realmente, o Brasil ficou ruim depois do Lula. Antes do Lula não havia corrupção, pois os donos do país não deviam satisfação de como administravam suas propriedades privadas. A menor taxa de desemprego da história é péssima para os empregadores, já que trabalhadores podem se dar ao luxo de escolher a labuta mais vantajosa. E a renda maior então? O aumento do poder de compra das classes excluídas? Faz com que pobres tenham acesso ao consumo, direito sagrado até então a uma meia-dúzia de privilegiados, e estimula a inflação, enche aeroportos, causa filas nos shoppings centers.
Numa leitura mais abrangente, é importante relembrar que em maio, a popularidade do governo e da presidenta Dilma havia atingido um percentual nunca igualado desde que essas pesquisas começaram. Pode ser que haja uma nova alteração, mas a relação de confiança que a população tinha com o governo, a presidente Dilma e até mesmo o PT foi estragada pela onda de protestos. Mais que nunca o governo está em disputa. A avalanche direitista solapou nossas esperanças de avanços sociais agora. Novamente, a prática ensina que essa situação é transitória, não definitiva. E é nesse ponto, que penso manter a coerência, direcionando os meus esforços em defesa do povo brasileiro.
3 comentários:
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8564%3Abrasilnasruas030713&catid=17%3Afrei-betto&Itemid=55
Salve, xará!
Obrigado pelo comentário.
Li com atenção o link, sobre a posição do Frei Betto. Enriquece o debate, sem dúvida, apesar de divergir do que eu penso.
Faço algumas ressalvas quanto aos exemplos:
1. Marx saldou com entusiasmo a Comuna de Paris, conforme o Estado e a revolução, de Lenin.
http://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/08/estadoerevolucao/cap3.htm
2. Maio de 68 teve como consequência apenas o recrudescimento do Gaullismo.
3. A democracia grega, apenas para homens, nascidos na cidade, proprietários de terras, donos de escravos, e desonerados do trabalho era um avanço diante do estado teocrático, mas não é um modelo interessante para vivermos no séc. XXI
4. A Bolívia é um exemplo louvável, que merece todo apoio, mas que não pode ser transportado para um país com as nossas proporções. Imagine o nível do incidente diplomático se nossa presidenta fosse proibida de pousar na Europa.
E o debate segue, acho que se o norte é a democracia direta, sem interferência dos representante entre o povo e o poder, caminhamos para o mesmo lugar.
Também me preocupa qualquer retrocesso nos projetos sociais que o PT tanto priorizou. Na verdade, a prova dos nove de um governo pra mim é essa: aquilo que ele consegue efetivamente realizar em favor dos que estão nos estratos inferiores, sem descuidar das faixas medianas ao garantir alguma estabilidade politica e econômica. Os que tentam balançar o barco por motivos egoístas ou mesquinhos agem, a meu ver, de modo torpe e irresponsável. Quem se ferra quando há muita instabilidade é o país e seu povo, em geral. Lucram os tubarões de sempre ...
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