segunda-feira, 8 de julho de 2013

CAÇA-CONCURSO, JOAQUIM BARBOSA E A HIPOCRISIA

Sinto muita falta de um blog, o Classe Média Way of Life. Retratava com a sutileza de poucos a ideologia dessa classe. Não é atualizado desde 2010. Uma pena. Vai ver a pessoa deixou de ser classe média.

Esse estrato social ocupa oportunidades de ouro para a estabilidade profissional. Quem nunca ouviu falar dos caça-concurso? Jovens de classe média que normalmente fazem um ensino médio primoroso, nas escolas mais caras, para em seguida adentrarem as Universidades Públicas (mas não necessariamente: serve qualquer faculdade particular), quase sem falha no curso de Direito, e emendarem o diploma em cursos preparatórios, como LFG, Damásio, Verbo Jurídico, etc, até vencerEm alguma certame das carreiras públicas, o que em regra coincide com o primeiro emprego, lá pelos 25 anos (a prática jurídica de três anos é pro-forma).

Fazem parte do sistema que vivemos, não estão errados. Dentre todas as formas injustas de se empregar alguém, o concurso público objetivo é a menos ruim. O que ele esconde é que a almejada (pelo capitalismo) meritocracia vai pelo ralo quando o concorrente tem melhores insumos para a disputa. Mas o pior nem é isso: parece que a aprovação num desses concursos que torna a pessoa "órgão do judiciário" (como no Art. 106, II, da CF/88) oblitera a capacidade de enxergar o mundo como um reles cidadão, e direciona sua visão crítica a meros interesses corporativos. É como se a pessoa se despisse de sua vestimenta cívica e encarnasse o Estado, mantendo arraigados os valores de classe que trouxe do berço, alienada do processo do qual é agente e vítima.

São esses reprodutores da mentalidade "remediada", ratos que se refestelam com as migalhas caídas do banquete da verdadeira elite - enchem o bucho, se saciam e se sentem felizes com isso - que compõem o judiciário e o ministério público brasileiro. Há exceções, é claro. Só para ilustrar, tive um professor humílimo, que de alfaiate em uma cidade do interior de Minas Gerais, tornou-se juiz titular em Goiânia, conservando o jeito singelo e comedido. Também há exceções ao inverso, ou seja, gente de família quatrocentona, que estuda na Europa e mantém traços e títulos de nobreza, mesmo na "república".

Manifestantes de gravata
Essa patota, que interpreta os fatos da vida com o código na mão, não é capaz de analisar a realidade sob outro viés, seja cultural, sociológico ou político. Apesar da elevada erudição, do "notável saber jurídico", é uma massa de manobra tão ou mais volúvel que os de baixa escolaridade, espezinhados pela imprensa golpista a cada vez que lembram qual foi o único governo que encampou bandeiras sociais, como a erradicação da miséria. Perigoso é o fato de que mesmo tão suscetíveis a influências (e aí o PIG entra rasgando) constituem um clube denominado "formadores de opinião". Exemplo? A turma que foi às ruas contra a PEC-37 sem saber o que ela era.

Há vários entre eles que não cursaram Direito, mas sim Medicina. Estavam nas ruas outro dia para impedir que a saúde pública chegasse ao rincões mais esquecidos do país. Mas quando se deparam com um bastião da moral e dos bons costumes, seus olhinhos míopes brilham. A sedução do discurso contra a corrupção os faz realimentar a ideologia do caça-concurso: ele é bom, ele venceu, as oportunidades estão aí, quem não se dá bem quer dar um "jeitinho", perpetuando essa maneira de pensar. Li em algum lugar que o novo ídolo desse raciocínio torto é Joaquim Barbosa.

O Catão de Paracatu
Sem dúvida, Joaquim Barbosa é uma exceção, na origem, entre os membros do judiciário. De infância humilde, desde 1976 faz parte do quadro de Servidores Públicos Federais. Passou em vários concursos, até chegar a Procurador da República. Em que pese a história de superação, muitos anos convivendo no mais alto escalão de poder o aculturaram à mentalidade dos "órgãos do Estado". Novamente exceção, contou com todo empenho de Lula para conquistar uma cadeira no STF, em 2003. O primeiro ministro reconhecidamente negro do STF.


Acostumado a usar seu estilingue, Joaquim Barbosa também tem vidraça. A presidência do STF parece ter o feito crer que está acima das quimeras mundanas, que é inatingível pela iniquidade dos pecadores. Sua dureza em apontar as máculas dos demais é a justa medida para avaliar a sua conduta? Só nos últimos três dias tivemos notícias que, se fossem endereçadas à Dilma, ensejariam pedidos de impeachment.

Novos velhos amigos
Primeiro, arrumou uma boquinha para o filho na produção do programa do tucano Luciano Huck, na Globo. É escandalosa essa proximidade do chefe de um dos três poderes com um império de comunicação tão influente na nossa sociedade. Influência pra lá de negativa, diga-se de passagem.

Depois, ficamos sabendo pelo próprio PIG, que Joaquim Barbosa foi assistir ao jogo da seleção bancado pelo dinheiro público. Usou recursos do STF, de uma tal cota a que os ministros têm direito, mas não se sabe bem quanto nem porquê. No camarote de Luciano Huck. Fico pensado no estardalhaço se o nome do personagem em questão fosse Luís Inácio.

Por fim, a mais vultosa. Crítico dos gastos públicos, receberá R$ 580 mil por conta de controverso bônus salarial criado para equiparar ao auxílio-moradia concedido aos congressistas. Corrigido pelo IPCA, a bolada padrão FIFA resultará em R$ 704,5 mil. A rubrica já beneficiou 600 procuradores e custou ao erário a bagatela de R$ 150 milhões, até agora. Cadê os cartazes, dizendo que com esse valor (que irá aumentar) é possível fazer 280 UBS (Unidade Básica de Saúde)? Ou manter 250 equipes de saúde da família por um ano? Ou 150 creches que atenderiam 18.000 crianças? Ou ainda 35 escolas, cada uma para 700 alunos, quase 25.000 estudantes? Vestiu a carapuça, hipócrita?

A língua viperina que destila impropérios emudeceu. Será que ainda é o líder das pesquisas entre os manifestantes? Que tal apenas uma demonstração de probidade: acabar com os dois meses de férias a juízes e procuradores? Ou melhor, estender o benefício a todas as demais categorias? Como disse o Carlos Motta, fica do mesmo tamanho dessa legião de malandros que está por aí. Justamente ele, que foi escolhido para ser, se não a reserva moral do Brasil, ao menos seu guardião.


Um comentário:

Apelido disponível: Sala Fério disse...

É a tal da ética seletiva e denúncia seletiva. Membros do MPF também receberam a tal bolada e ficaram quietinhos, esquecendo-se de vociferar que isso é antiético e que quem decidiu por esse regalo foi o próprio Judiciário, com apoio tácito do MP ...