quinta-feira, 25 de julho de 2013

AFINIDADES INTELECTUAIS

Tenho pouco ou nada a dizer sobre a visita papal. Sou indiferente à igreja católica. Li o suficiente sobre as barbaridades cometidas sob a insígnia da cruz, mas fui criado num clima de plena liberdade religiosa. Logo, não alimentei nenhuma neura. Não me submeto à autoridade papal, e penso que sua mensagem não diz grande coisa. Nem objetivamente, pois as "soluções" que a igreja propõe para os problemas mundanos são análogas às de Marco Feliciano; nem subjetivamente, no campo da espiritualidade, pois não me satisfazem os dogmas, a ritualística e as crenças católicas. O exemplo de simplicidade e comedimento deste D. Jorge Bergoglio, que poderia ser saudável numa análise preliminar, não resiste à hipocrisia de uma igreja que concentra tanta renda e poder nos seus domínios.

Nota da minha esposa: queixam-se, amiúde, da recepção do papa pela presidenta Dilma e sua conotação política. Quem eles queriam como cicerone do chefe do Estado do Vaticano? Quem faria as honras da casa? Os revoltosos, com coquetéis molotov à mão? Ou a própria Globo, na figura de Patrícia Poeta?

Minha nota: talvez tenham saudade do presidente ateu FHC.

 

À falta de assunto pensei em comentar o clamor do Lula em democratizar a mídia. Agora, depois de dez anos de suplício masoquista para ele e para a militância que o defende!?. Daí, depreende-se que, apesar de logicamente concordar com a proposta, o tom da minha intervenção seria crítico, por não suportar a morosidade com que a ideia ganha vulto. Desde 2003, o PT tem evitado o confronto e adulado a classe média. Nas passeatas, foi claro o receio do partido em se opor ao quebra-quebra. Contudo, o cenário se alterou drasticamente, e a manutenção desta estratégia é impossível ou suicida: a peleja está deflagrada e a classe média estumada pela Globo espuma de raiva à simples menção da sigla. Democratizar a mídia significa esgotar a capacidade de manipulação da Globo. O Brasil está amordaçado, e não cresce mais porque é refém da Globo. Por mim, se a Globo se sujeitasse às normas legais e constitucionais como qualquer pessoa - física e jurídica - os outros integrantes do PIG não fariam diferença, permanecendo como estão sob o cinico verniz da pluralidade de imprensa.

...

Com o passar dos anos, vamos criando afinidades intelectuais. Entre os pensadores que coloco no meu rol de influências está Wanderley Guilherme dos Santos. Nunca escreveria como ele, mas o índice de concordância com suas opiniões é altíssimo. Em 19 de junho, disse que o amorfismo dos protestos poderia conduzir a desfechos díspares: tudo, que nesse caso significava o golpe (a tomada do poder), ou nada, que não significa nada mesmo (ou melhor, é a negação de tudo). Eis que hoje o professor publica um magistral comentário com quatro parágrafos denominado: O futuro do atual levante niilista.

É uma ideia simples, mas tem que ser externada: assim como a máfia não pode reivindicar garantias jurídicas, como o direito de ir e vir e de associação, para perpetrar seus crimes, a turba que sai às ruas não tem a prerrogativa de atacar os ícones materiais e institucionais do país, além de interditar e ofender seus "adversários", sob a manjedoura do ordenamento jurídico e a conivência do Estado que pretendem destruir. Por um lado, credita-se o absurdo a uma confusão de conceitos; por outro, percebe-se o ímpeto de uma juventude que não tardará em arrepender-se como nossos mais empedernidos ex-esquerdistas.

O professor dá uma aula sobre democracia ateniense (eu sempre uso o argumento de que se tratava de uma sociedade desonerada do trabalho por causa de escravidão). Ele enfoca outra perspectiva: para todo direito implica um dever. Na democracia ateniense, a responsabilidade sobre uma deliberação poderia conduzir seu proponente ao confisco, exílio e até morte, bem diferente da postura "contra tudo o que está aí" das manifestações "pacíficas", transmitidas em tempo real.

Ao fim e ao cabo, os coxinhas legarão somente o recrudescimento do discurso sectário, carreado por ódio e mesquinhez. Com inquietação envergonhada, num breve futuro, buscarão ocultar a participação na massa de manobra tal qual uma mancha curricular, assim como as madalenas do maio de 68, "... cuja inconsequência história (e volta dos conservadores) é discretamente omitida..." das biografias.

O mestre conclui com um tiro no coração do golpe: os levantes são permeados por uma energia destrutiva, sem condições de gerar algo positivo. O caráter ingênuo dos marcheteiros até esconde os que orquestram a baderna e as depredações, os "cérebros do niilismo juvenil", que via facebook arregimentam aliados para novas confrontações, tomando o lugar de seus ascendentes, que com sorriso no rosto e uma ponta de orgulho, assistem a tudo pela Globo News no conforto de suas mansões, sejam no Leblon, sejam nos Jardins.

 

Enviado por on 25/07/2013 – 6:00 am


Regras democráticas e direitos constitucionais não transferem suas virtudes às ações que os reivindicam como garantia. Máfias e cartéis econômicos também são organizações voluntárias e nem por isso o que perpetram encontra refúgio na teoria democrática ou em dispositivos da Constituição. Esgueirar-se entre névoas para assaltar pessoas ou residências não ilustra nenhum direito de ir e vir, assim como sitiar pessoas físicas ou jurídicas em pleno gozo de prerrogativas civis, políticas e sociais, ofendendo-as sistematicamente, nem de longe significa usufruir dos direitos de agrupamento e expressão. Parte dos rapazes e moças que atende ao chamamento niilista confunde conceitos, parte exaure a libido romântica na entrega dos corpos ao martírio dos jatos de pimenta, parte acredita que está escrevendo portentoso capítulo revolucionário. São estes os subconjuntos da boa fé mobilizada. Destinados à frustração adulta.

É falsa a sugestão de que se aproximam de uma democracia direta ou ateniense da idade clássica. Essa é a versão de jornalistas semi-cultos que ignoram como funcionaria uma democracia direta e que crêem na versão popularesca de que Atenas era governada pelo Ágora – uma espécie de Largo da Candelária repleto de mascarados e encapuzados trajando luto. Os Ágoras só tratavam de assuntos locais de cada uma das dez tribos atenienses. Em outras três instituições eram resolvidos os assuntos gerais da cidade, entre elas a Pnyx, que acolhia os primeiros seis mil atenienses homens que lá chegassem. Ali falava quem desejasse, apresentassem as propostas que bem houvessem e votos eram tomados. Os nomes dos proponentes, porém, ficavam registrados e um conselho posterior avaliava se o que foi aprovado fez bem ou mal à cidade. Se mal, seu proponente original era julgado, podendo ser condenado ao confisco de bens, exílio ou morte. A idéia de democracia direta como entrudo, confete e um cheirinho da loló é criação de analistas brasileiros.

As cicatrizes que conquistarem nos embates que buscam não semearão, metaforicamente, sequer a recompensa de despertar o País para a luta contra uma ditadura (pois inexistente), apesar de derrotados, torturados e mortos – reconhecimento recebido pelos jovens da rebelião armada da década de 70. Estão esses moços de atual boa fé, ao contrário, alimentando o monstro do fanatismo e da intolerância e ninguém os aplaudirá, no futuro, pelo ódio que agora cultivam, menos ainda pelas ruínas que conseguirem fabricar. Muito provavelmente buscarão esconder, em décadas vindouras, este presente que será o passado de que disporão. Arrependidos muitos, como vários dos participantes do maio de 68, francês, cuja inconseqüência histórica (e volta dos conservadores) é discretamente omitida nos panegíricos.

Revolução? – Esqueçam. Das idéias, táticas e projetos que difundem não surgirá uma, uma só, instituição política decente, democrática ou justa. Não é essa a raiz dessa energia que os velhotes têm medo de contrariar. É uma enorme torrente de energia, sem dúvida, mas é destrutiva tão somente. E mais: não deseja, expressamente, construir nada. Sob cartolinas e vocalizações caricaturais não se abrigam senão balbucios, gagueira argumentativa e proclamações irracionais. Os cérebros do niilismo juvenil sabem que não passam de peões, certamente alguns muitíssimo bem pagos, talvez em casa, a atrair bispos, cavalos e torres para jornadas de maior fôlego. Afinal, os principais operadores da ordem que se presumem capazes de substituir são seus pais e avós. Em cujas mansões se escondem, no Leblon e nos Jardins.

2 comentários:

Apelido disponível: Sala Fério disse...

O pior mesmo é sabermos que todas essas manifestações violentas têm na base algum interesse político oculto, servem a partidos e são em boa parte articuladas por eles, não só os da esquerda explosiva e ocupacionista, mas também os da direita raivosa e vingativa, que considera como direito absoluto seu deter o poder político sem rivais. A mensagem do Papa sobre a questão da necessidade de diálogo permanente, livre de preconceitos, a vejo com muito bons olhos. A da simplicidade e do olhar para o mais pobre também. Lembro que apesar do fato de que a igreja concentre riquezas, vários de seus missionários espalhados pelo mundo todo - inclusive no continente africano - realizam a tarefa da caridade e de auxiliar o próximo em tudo o que seja possível, acima de quaisquer ideologias. Não se exige conversão a quem se ajuda, o que é muito bom. Wanderley Guilherme dos Santos é um de nossos verdadeiros intelectuais, a meu ver.

máximo disse...

"Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi para Betânia, onde estava Lázaro, que havia morrido e fora ressuscitado dentre os mortos. 2Então, ofereceram-lhe um jantar; Marta servia, enquanto Lázaro era um dos convidados, sentado à mesa com Jesus. 3Maria pegou uma libra de bálsamo de nardo puro, um óleo perfumado muito caro, ungiu os pés de Jesus e os enxugou com seus cabelos. E a casa encheu-se com a fragrância daquele bálsamo. 4Mas um de seus discípulos, Judas Iscariotes, filho de Simão, que mais tarde iria traí-lo, objetou: 5“Por que este bálsamo perfumado não foi vendido por trezentos denários e dado aos pobres?” 6Ele não disse isso por se importar com os pobres, mas porque era ladrão; sendo responsável pela bolsa de dinheiro, frequentemente tirava o que nela era depositado. 7Mas Jesus respondeu: “Deixa-a em paz; pois para o dia da minha sepultura foi que ela guardou isso. 8Quanto aos pobres, vós sempre os tereis convosco, mas a mim vós nem sempre tereis." (João 12)

Cuidado, pois com "venda tudo e dá aos pobres".
Veja que "Ele não disse isso por se importar com os pobres, mas porque era ladrão"