Recentemente, o
companheiro esquerdopata quase arregou. Sua indignação com os auto proclamados
“progressistas”, que se assanharam na primeira hora dos levantes de junho
foi tão grande que ele chegou a desistir de manter seu blog na ativa.
Felizmente voltou atrás. Numa dessas postagens pós-surto invocou um aforismo do
facebook de Renato Janine Ribeiro
denominado “o arco de diálogo”, que merece a transcrição:
“Ética e Política. Na ética se opõem o justo e o injusto. Não dá para transigir. A miséria, que marca a sociedade brasileira desde 1500 e tanto, a corrupção e outros males de autoria humana são inaceitáveis. Quem é contra a inclusão social dos miseráveis, eu não respeito. Agora, há meios de esquerda e de direita para a inclusão. Se a pessoa aceita o valor ético da luta contra a miséria e propõe meios razoáveis de levá-la adiante, para mim não é preciso que concordemos quanto a estes (= aos meios). Mas, se alguém defende a miséria (ou a corrupção), para mim está fora do arco de diálogo. Porque não merece ser, eticamente, respeitado.”
À época do
mestrado, o filósofo Renato Janine não me agradava. Principalmente por um texto
em que analisava a democracia, conceito de origem grega, como governo do
desejo, das vontades desmedidas e a república, de matriz romana, como o
ambiente da austeridade, da contenção. Pior, associava essa democracia ao PT e
essa república ao PSDB. Mas nesses dias tão estranhos o vejo como um aliado,
ainda que estratégico (muito tempo depois li uma “mea culpa”: sua percepção de que quem deseja é o pobre, aquele que
não tem, e que quem restringe é quem tem, o proprietário).
É imprescindível
saber pelo que lutamos. Várias imagens publicadas aqui no blog expõem contradições
de quem não tem fundamentos para pensar politicamente: defender o estado mínimo
e exigir investimentos em saúde, educação, mobilidade; comprar carro com IPI
reduzido e vindicar transporte público gratuito; reclamar da carga trabalhista
e usufruir destas prerrogativas; ser contra a corrupção e exercê-la (ou ser
conivente) em suas esferas de atuação, no seu microcosmo. Tudo ao mesmo tempo. Esse
cenário irracional e acrítico gerou um redemoinho de cinismo, hipocrisia e
cretinice que causou vertigem nos mais centrados e proporcionou a escalada do
golpe.
Meses atrás
participei de uma atividade chamada “declaração de credo”: uma lista de
perguntas como quais valores eu estaria disposto a defender, no que eu
acredito, o que me deixa descontente, meus sonhos, paixões, propósitos,
cuidados, enfim, os princípios e crenças da minha vida que no fim viraram uma
redação de umas 20 linhas. Penso que se todos tivessem escrito essa redação – e
a lido – e a praticado – as manifestações seriam de uma estirpe bem diferente.
Voltando ao
pensamento do Renato Janine, o amigo Sala Ferio deixou comentário citando o filme Lincoln, que mostra um mensalão made in USA, pela compra dos congressistas para a abolição da escravatura que
foi recebido efusivamente nos cinemas brasileiros. Não entrarei no enredo e
seus pormenores, mas para os críticos americanos e ingleses, o filme descreve
com razoável verossimilhança as habilidades políticas do presidente americano,
e os conflitos em que entrou para aprovar a 13.ª emenda constitucional.
Determinada
esquerda (como o MPL, que apesar disso não excluo do meu arco de diálogo)
consideraria-o um racista enrustido, buscando falas descontextualizadas
para “explicar” sua defesa da supremacia branca. Ou seja, nessa linha torta de
raciocínio ele peitou a guerra de secessão nos EUA e depois subornou vários
parlamentares somente em benefício dos grandes empresários do norte, por ser
mais barato pagar o salário de um trabalhador livre que comprar um escravo com
vida útil restrita e sustentá-lo.
Caminhando pelos
paradoxos, miro o fundador do partido republicano, Francis Preston Blair,
interpretado por Tommy Lee Jones. Não conheço o personagem real, mas para
análise basta o fictício: primeiro ele exigia o fim imediato das hostilidades,
com a rendição do sul, para desatravancar a economia do país. Ademais, achava
uma mesquinharia a mera supressão da escravidão, pois julgava que entre as
raças deveria prevalecer a igualdade completa. Nos dois casos, teve que dobrar
seus interesses imediatos: não foi assinado o tratado de paz antes da aprovação
da 13.ª emenda (até porque, se fosse assinada antes, não comprometeria os
sulistas com o fim da escravidão) e a liberdade dos negros dizia respeito
apenas à alforria do trabalho compulsório (continuaram com restrições jurídicas,
como por exemplo não poderem ser votados).
Aristóteles ensinou
que a política é a arte do possível. O projeto de governo do PT esbarrou numa “possibilidade”:
como aprovar mudanças num legislativo majoritariamente
oposicionista? Eleger 2/3 do congresso com deputados petistas e aliados era (e é) uma quimera. Tendo José Dirceu como mentor, no início e em nome da
governabilidade, se aliou a pequenos partidos fisiológicos que estão na base do
mensalão (que ainda estar por se provar e que pela primeira vez na história condenou os supostos corruptores e não os corrompidos). Depois, no governo Dilma, partiu para a inglória chapa com o PMDB –
sem o pagamento de mesadas aos 300 picaretas, mas com a velha distribuição de
emendas, de cargos de 2.º e 3.º escalão, além do balcão de negócios que
intercede a nomeação dos ministros. Em contrapartida, promoveu a inclusão social de segmentos históricamente ignorados, com o aumento real do salário mínimo e a diminuição do desemprego; alcançou os melhores indicadores sociais do Brasil desde sempre.
Enfim, os paralelos não terminam no filme: sucedeu Lincoln o heói da guerra, general Ulysses S. Grant (lembrando que Lincoln foi assassinado e não concluiu o segundo mandato e sim o seu vice, Andrew Johnson). Grant coordenou o processo de reconstrução do sul e restauração da economia americana, além de ampliar as garantias aos negros e exterminar a Ku Klux Klan. Mesmo assim não passou incólume: sua reputação foi manchada por escândalos protagonizados por funcionários do governo e pela profunda depressão econômica (o chamado "Pânico de 1873"), que dominou seu segundo mandato.
Mal sabia Preston que inobstante a pujança econômica que seu país alcançou, até hoje se luta pela emancipação dos negros. Porém, sem dúvida, aquele foi um passo crucial para a história. E nós? Esperaremos quantos séculos para entender quem está de cada lado?
Enfim, os paralelos não terminam no filme: sucedeu Lincoln o heói da guerra, general Ulysses S. Grant (lembrando que Lincoln foi assassinado e não concluiu o segundo mandato e sim o seu vice, Andrew Johnson). Grant coordenou o processo de reconstrução do sul e restauração da economia americana, além de ampliar as garantias aos negros e exterminar a Ku Klux Klan. Mesmo assim não passou incólume: sua reputação foi manchada por escândalos protagonizados por funcionários do governo e pela profunda depressão econômica (o chamado "Pânico de 1873"), que dominou seu segundo mandato.
Mal sabia Preston que inobstante a pujança econômica que seu país alcançou, até hoje se luta pela emancipação dos negros. Porém, sem dúvida, aquele foi um passo crucial para a história. E nós? Esperaremos quantos séculos para entender quem está de cada lado?
Um comentário:
Legal, Marco, ótima análise. Não citei o filme Lincoln para tentar justificar algum meio considerado ilícito de mudar a situação dos nossos 'escravos', mas para expor a hipocrisia de uma classe que aplaude quando isso é feito fora do país, mesmo que sob a forma da representação fílmica, mas execra de plano que o mesmo possa ocorrer aqui, o que indica um duplo critério ético. Lembro que a PEC das domésticas, a princípio criticada duramente por vários meios que propõem representar o povo e servir-lhe de vocais, foi feita dentro da legalidade estrita e representou uma revolução também. Claro que sua negociação deve ter incluído concessões - mas sem elas, por quanto tempo mais adiaríamos a inclusão dessas milhões de pessoas no mercado formal de trabalho e respectivos benefícios previdenciários?
Abraço
F.Prieto (Sala Fério)
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