segunda-feira, 15 de julho de 2013

PRINCÍPIOS ÉTICOS E OPÇÕES POLÍTICAS


Recentemente, o companheiro esquerdopata quase arregou. Sua indignação com os auto proclamados “progressistas”, que se assanharam na primeira hora dos levantes de junho foi tão grande que ele chegou a desistir de manter seu blog na ativa. Felizmente voltou atrás. Numa dessas postagens pós-surto invocou um aforismo do facebook de Renato Janine Ribeiro denominado “o arco de diálogo”, que merece a transcrição:

“Ética e Política. Na ética se opõem o justo e o injusto. Não dá para transigir. A miséria, que marca a sociedade brasileira desde 1500 e tanto, a corrupção e outros males de autoria humana são inaceitáveis. Quem é contra a inclusão social dos miseráveis, eu não respeito. Agora, há meios de esquerda e de direita para a inclusão. Se a pessoa aceita o valor ético da luta contra a miséria e propõe meios razoáveis de levá-la adiante, para mim não é preciso que concordemos quanto a estes (= aos meios). Mas, se alguém defende a miséria (ou a corrupção), para mim está fora do arco de diálogo. Porque não merece ser, eticamente, respeitado.”

À época do mestrado, o filósofo Renato Janine não me agradava. Principalmente por um texto em que analisava a democracia, conceito de origem grega, como governo do desejo, das vontades desmedidas e a república, de matriz romana, como o ambiente da austeridade, da contenção. Pior, associava essa democracia ao PT e essa república ao PSDB. Mas nesses dias tão estranhos o vejo como um aliado, ainda que estratégico (muito tempo depois li uma “mea culpa”: sua percepção de que quem deseja é o pobre, aquele que não tem, e que quem restringe é quem tem, o proprietário).

É imprescindível saber pelo que lutamos. Várias imagens publicadas aqui no blog expõem contradições de quem não tem fundamentos para pensar politicamente: defender o estado mínimo e exigir investimentos em saúde, educação, mobilidade; comprar carro com IPI reduzido e vindicar transporte público gratuito; reclamar da carga trabalhista e usufruir destas prerrogativas; ser contra a corrupção e exercê-la (ou ser conivente) em suas esferas de atuação, no seu microcosmo. Tudo ao mesmo tempo. Esse cenário irracional e acrítico gerou um redemoinho de cinismo, hipocrisia e cretinice que causou vertigem nos mais centrados e proporcionou a escalada do golpe.

Meses atrás participei de uma atividade chamada “declaração de credo”: uma lista de perguntas como quais valores eu estaria disposto a defender, no que eu acredito, o que me deixa descontente, meus sonhos, paixões, propósitos, cuidados, enfim, os princípios e crenças da minha vida que no fim viraram uma redação de umas 20 linhas. Penso que se todos tivessem escrito essa redação – e a lido – e a praticado – as manifestações seriam de uma estirpe bem diferente.

Voltando ao pensamento do Renato Janine, o amigo Sala Ferio deixou comentário citando o filme Lincoln, que mostra um mensalão made in USA, pela compra dos congressistas para a abolição da escravatura que foi recebido efusivamente nos cinemas brasileiros. Não entrarei no enredo e seus pormenores, mas para os críticos americanos e ingleses, o filme descreve com razoável verossimilhança as habilidades políticas do presidente americano, e os conflitos em que entrou para aprovar a 13.ª emenda constitucional.

Determinada esquerda (como o MPL, que apesar disso não excluo do meu arco de diálogo) consideraria-o um racista enrustido, buscando falas descontextualizadas para “explicar” sua defesa da supremacia branca. Ou seja, nessa linha torta de raciocínio ele peitou a guerra de secessão nos EUA e depois subornou vários parlamentares somente em benefício dos grandes empresários do norte, por ser mais barato pagar o salário de um trabalhador livre que comprar um escravo com vida útil restrita e sustentá-lo.

Caminhando pelos paradoxos, miro o fundador do partido republicano, Francis Preston Blair, interpretado por Tommy Lee Jones. Não conheço o personagem real, mas para análise basta o fictício: primeiro ele exigia o fim imediato das hostilidades, com a rendição do sul, para desatravancar a economia do país. Ademais, achava uma mesquinharia a mera supressão da escravidão, pois julgava que entre as raças deveria prevalecer a igualdade completa. Nos dois casos, teve que dobrar seus interesses imediatos: não foi assinado o tratado de paz antes da aprovação da 13.ª emenda (até porque, se fosse assinada antes, não comprometeria os sulistas com o fim da escravidão) e a liberdade dos negros dizia respeito apenas à alforria do trabalho compulsório (continuaram com restrições jurídicas, como por exemplo não poderem ser votados).

Aristóteles ensinou que a política é a arte do possível. O projeto de governo do PT esbarrou numa “possibilidade”: como aprovar mudanças num legislativo majoritariamente oposicionista? Eleger 2/3 do congresso com deputados petistas e aliados era (e é) uma quimera. Tendo José Dirceu como mentor, no início e em nome da governabilidade, se aliou a pequenos partidos fisiológicos que estão na base do mensalão (que ainda estar por se provar e que pela primeira vez na história condenou os supostos corruptores e não os corrompidos). Depois, no governo Dilma, partiu para a inglória chapa com o PMDB – sem o pagamento de mesadas aos 300 picaretas, mas com a velha distribuição de emendas, de cargos de 2.º e 3.º escalão, além do balcão de negócios que intercede a nomeação dos ministros. Em contrapartida, promoveu a inclusão social de segmentos históricamente ignorados, com o aumento real do salário mínimo e a diminuição do desemprego; alcançou os melhores indicadores sociais do Brasil desde sempre.

Enfim, os paralelos não terminam no filme: sucedeu Lincoln o heói da guerra, general Ulysses S. Grant (lembrando que Lincoln foi assassinado e não concluiu o segundo mandato e sim o seu vice, Andrew Johnson). Grant coordenou o processo de reconstrução do sul e restauração da economia americana, além de ampliar as garantias aos negros e exterminar a Ku Klux Klan. Mesmo assim não passou incólume: sua reputação foi manchada por escândalos protagonizados por funcionários do governo e pela profunda depressão econômica (o chamado "Pânico de 1873"), que dominou seu segundo mandato.

Mal sabia Preston que inobstante a pujança econômica que seu país alcançou, até hoje se luta pela emancipação dos negros. Porém, sem dúvida, aquele foi um passo crucial para a história. E nós? Esperaremos quantos séculos para entender quem está de cada lado?

Um comentário:

Apelido disponível: Sala Fério disse...

Legal, Marco, ótima análise. Não citei o filme Lincoln para tentar justificar algum meio considerado ilícito de mudar a situação dos nossos 'escravos', mas para expor a hipocrisia de uma classe que aplaude quando isso é feito fora do país, mesmo que sob a forma da representação fílmica, mas execra de plano que o mesmo possa ocorrer aqui, o que indica um duplo critério ético. Lembro que a PEC das domésticas, a princípio criticada duramente por vários meios que propõem representar o povo e servir-lhe de vocais, foi feita dentro da legalidade estrita e representou uma revolução também. Claro que sua negociação deve ter incluído concessões - mas sem elas, por quanto tempo mais adiaríamos a inclusão dessas milhões de pessoas no mercado formal de trabalho e respectivos benefícios previdenciários?
Abraço
F.Prieto (Sala Fério)