quarta-feira, 17 de julho de 2013

MÉDICOS E MONSTROS

Se você chegou até aqui, provavelmente já leu muita coisa a respeito do programa Mais Médicos, do governo federal. Logo, não é o caso de explicar do que se trata. Esse link aqui é exaustivo no assunto.

A grita contrária apenas reflete, mais uma vez, a falta de ética de nossa elite em negar (ou tentar) ao povo a ascensão a padrões mínimos da dignidade. Esses "protestos" têm a mesma genética mesquinha das ofensas ao bolsa-família, à política de cotas nas Universidades, ou à extensão dos direitos trabalhistas às domésticas (EC-72). Estudantes de medicina advém das famílias mais ricas do país, e não se submetem às necessidades do país (atender nas regiões desassistidas). Quem é do interior sabe que está na raiz do clientelismo o fato de não haver médicos, nem hospitais, proporcionando o surgimento de "benfeitores", que carregam os enfermos para as capitais, lotando ainda mais os caóticos pronto-socorros e leitos do SUS, para depois cobrarem votos em gratidão.

Vou me prender a dois aspectos que não tiveram maior repercussão. Alguns blogs trouxeram à tona, é verdade, mas o PIG que os noticiou também os empurrou para debaixo do tapete:

1. Saiu no G1. O programa Mais Médicos, extensivo a brasileiros (prioritariamente) e estrangeiros, dispensará o exame "Revalida", que testa os conhecimentos do médico graduado fora do país. O argumento é que se o profissional se sujeita à prova, pode escolher o local onde preferir a atuar e interessa ao programa do governo levar médicos ao interior e periferias das grandes cidades, onde são ausentes.

Sabe qual nacionalidade lidera o número de aprovações no Revalida nos anos de 2011 e 2012? Sim... Venezuela! Seguida por Cuba, de onde, segundo a burguesia raivosa, viriam guerrilheiros comunistas e profissionais de pajelança e curandeirismo.

Resta evidente que os médicos estão sendo usados com fins eleitoreiros. A classe não suporta o declínio do status e o fim da autoridade do jaleco, caindo na dura realidade de ser mais uma categoria assalariada. E acaba como joguete com a manipulação e distorção do programa, como se fosse prejudicial aos que estão trabalhando. Faltam mais de 50 mil médicos no Brasil e os caras não têm vergonha na cara de usar esse discursinho corporativista? Onde enfiaram o juramento de Hipócrates?

2. Também saiu no G1. Representante da Organização Médica Colegial da Espanha, Fernando Rivas, disse que se trata de uma boa oportunidade para seus conterrâneos.

Na Europa, sonho de consumo e ideal político de parte da nossa burguesia (a outra parte sonha com o modelo americano mesmo, sem saúde pública), onde tudo é bom, como por exemplo no Reino Unido, onde 37% dos médicos são estrangeiros, julgaram a opção de trabalhar nos rincões brasileiro boa: "Tal como está a situação da Espanha atualmente, onde os salários têm sido reduzidos entre 20% e 30% nos últimos anos e onde persistem os cortes [de verbas] na saúde, a oferta de R$ 10 mil mensais, mais alimentação e alojamento, é uma boa oferta", diz.

Só que, ao contrário do Reino Unido, que importa médicos de países mais carentes que eles mesmos (grande parte vem da Índia), no Brasil só serão aceitos médicos estrangeiros que atuem em países com proporção de profissionais maior que a do Brasil (1,8 médicos por mil habitantes) em respeito ao código de recrutamento de profissionais de saúde da OMS.


Esses dois pitacos servem como pano de fundo para algo maior, que a direita insiste em chamar de serviço civil obrigatório, num falso paralelismo com o militar. Em verdade, a formação de um médico numa federal custa R$ 800 mil aos cofres públicos. É uma questão de justiça social que haja contrapartida, tendo vista a carência da atendimento básico à população. Penso que a questão não pode parar na medicina: todos os estudantes que desfrutam das nossas Universidades deveriam contribuir com o que for, sejam aulas no interior e periferia, confecção de material didático, assessoria técnica, acompanhamento de obras, desenvolvimento de tecnologias de domínio público e outras iniciativas que auxiliem na superação da miséria e tornem o Brasil o verdadeiro gigante desperto.

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